9.3.06

A resistência à Wal-Martização do mundo


Fundada em 1962 como um pequeno estabelecimento comercial numa vila do Arkansas, um dos estados mais pobres dos Estados Unidos, a Wal-Mart é, desde 2003, a maior empresa e o maior empregador privado do planeta, com mais de 1,2 milhões de assalariados espalhados pelos cinco continentes.
Os 310.000 milhões de dólares que facturou no ano passado equivalem a 25 do Produto Interno Bruto da maior economia planetária, o que lhe confere um poder muito superior ao muitíssimos países.

A posição que a Wal-Mart ocupa actualmente resulta das suas práticas de dumping social e de tal modo foi o seu «suesso», que conseguiu torná-las em autêntico modelo organizacional, ou mesmo em verdadeiro modelo económico!!!
E em que consiste esse modelo? Serge Halimi, jornalista que escreve em Le Monde Diplomatique escreve: «Construída sobre os pilares do livre comércio, da flexibilidade laboral e de baixas remunerações, o modelo Wal-Mart baseia-se fundamentalmente em o distribuidor impor a sua lei ao produtor, sobretudo dos países pobres. E, por outro lado, o abaixamento dos preços daí resultante atrai os consumidores aos hipermercados que, diminuem ainda mais os seus preços, depois de terem, previamente, baixado os salários aos seus trabalhadores.»
Esta é, no fundo, a filosofia que tem permitido esta empresa transnacional a oferecer preços cada vez mais baixos, e bater os concorrentes aonde quer que se instale. Estima-se que cerca de 100 milhões de norte-americanos respondam semanalmente às ofertas especiais que lhe são lançadas nos estabelecimentos da Wal-Mart. Através das suas grandes campanhas mediáticas a empresa consegue manipular as necessidades de toda a população, criando a ideia de aumentar o poder de compra dos seus clientes por via dos baixos preços praticados, ao mesmo tempo que passa a mensagem que está a criar postos de trabalho.
Acontece que os custos sociais desta filosofia económica é altíssimo. Com efeito, onde quer que se instala a Wal-Mart a tendência é para a diminuição dos salários dos trabalhadores da região. Com as suas fortíssimas campanhas diárias os clientes são levados quase automaticamente seduzidos, sendo levados a envolverem-se nos esquemas montados pela empresa.
Paralelamente, a sua instalação numa determinada região significa o fecho de muitos pequenos e médios estabelecimentos tradicionais, o encerramentos de mini e supermercados. Um estudo do professor de economia Ken Stone permitiu concluir que, desde a chegada da Wal-Mart ao Iowa, desapareceram mais de 7.000 estabelecimentos comerciais entre 1983 e 1993.
Situações como essa, assim como o pagamento de baixos salários, e a discriminação sistemática de que são vítimas as mulheres que trabalham massivamente para a empresa, tem sido as causas mais frequentes para as milhares de acções judiciais que a walt-Mart tem enfrentado por todo o lado.
As primeiras batalhas judiciais contra a empresa datam do início dos anos 90, mais propriamente em 1993, quando num plebiscito local, uma pequena localidade de Greenfield, no Massachussets, rejeitou a instalação de uma unidade daquela cadeia de hipermercados, apesar de todas as manigâncias preparadas pelos agentes a soldo da empresa que levaram a falta de escrúpulos ao ponto de tentarem convencer os habitantes locais que, com a Wal-Mart, o custo de vida iria baixar em cada dia que passasse. Iniciativas como esta, de consulta popular, passaram a ser o principal instrumento de luta dos opositores da Wal-Mart
A iniciativa foi promovida por uma rede de associações locais dirigidas pelo activista Al Norman que se converteu entretanto numa espécie de cruzado anti-Wal-Mart, e nela participam inúmeros cidadãos.
Poucos anos depois, em 1999, foi a própria Wal-Mart que promoveu uma consulta popular na localidade Eureka, no estado da Califórnia e, se em Greenfield, a sua derrota foi por poucos votos, ela foi ainda mais estrondosa em Eureka, não obstante todo o assédio que os seus habitantes foram alvo por parte da Wal-Mart. Mas a maior derrota infligida à Wal-Mart ainda foi a que ela recebeu em Abril de 2004 na cidade de Inglewood nos arrabaldes de Los Angeles, onde 60% da população local ratificou a decisão do Conselho Municipal em rejeitar a construção de um gigantesco centro comercial de 650 mil metros quadrados que serviria de plataforma para mais unidade da Wal-Mart. Mas tem havido outros plebiscitos no mesmo sentido. Sabe-se, por exemplo, que cerca de 250 pedidos de instalação da Wal-Mart foram recusados em todo o território norte-americano.
Mas a oposição contra a Wal-Mart estende-se quer na Europa quer na América Latina. No mMéxico, por exemplo, onde a firma possui uns 700 estabelecimentos, facturando mais de 12.000 milhões de dólares, constituiu-se no ano passado uma Frente nacional contra a Wal-Mart., cujo objectivo principal tem sido travar a intenção da Wal-Mart em instalar-se nas proximidades da cidade religiosa azteca de Teotihuacán.
No plano das relações laborais sabe-se que em Junho de 2004 um tribunal norte-americano conferiu a categoria de acção colectiva a uma acção judicial intentada por 6 funcionárias da empresa que a acusavam de discriminar as mulheres na sua política de promoções internas, bem como ao nível dos salário.
Com essa decisão judicial as 6 trabalhadoras converteram-se em «representantes» de cerca de 1,6 milhões de mulheres que trabalham, ou trabalharam, para a Wal-Mart. Argumentam as demandantes, entre outras coisas, que apesar de dois terços da mão de obra da empresa ser feminina, só um terço de mulheres ocupam os cargos directivos.
Recorde-se que em 1997 outro gigante da distribuição nos EUA, a Home Deport, pagou 104 milhões de dólares a 25.000 mulheres que accionaram judicialmente a empresa por discriminação sexual a fim de evitar ser condenada. O mesmo se passou com a empresa Coca-Cola que em 2000 aceitou uma transacção judicial por 192 milhões de dólares, tal como a empresa petrolífera Texaco que tinha desembolsado 176 milhões de dólares por motivos semelhantes.
Se a Wal-Mart tiver que pagar uma quantia correspondente à das suas congéneres, cerca de 4.000 dólares a cada mulher denunciante, a empresa teria que desembolsar uma quantia descomunal de 6.400 milhões de dólares.
Em 2005 formou-se a Rede Internacional Sindical que reúne 900 organizações laborais de 150 países com o objectivo de coordenar as acções e as reivindicações dos trabalhadores da Wal-Mart fora dos Estados Unidos.
Wal-Mart é apenas um sintoma de todo um processo mais generalizado. Um processo que tem levado à descida contínua dos salários e das garantias laborais e que aumenta à medida que o individualismo dos consumidores suplanta a solidariedade dos produtores e dos assalariados.

Adaptação de um texto de Alberto Piris, difundido por Rebelion.org, e originalmente publicado no jornal La Insignia