8.5.06

Spinoza e o anarquismo



Ou como Spinoza pode ajudar a compreender o pensamento anarquista contra o Estado e Deus

Baruch de Spinoza nasce em 1632 numa família abastada da comunidade judaica de Amsterdam. O jovem Baruch acaba por ser rejeitado pela sua própria comunidade por via de uma excomunhão que lhe é imposta em 1656. A verdade , porém, é que o livre-pensador Spinoza pensa demasiado e bem demais para poder ser aceite por qualquer religião.
Começa então a saga de Spinoza nos liberais e poderosos Países Baixos. Exila-se fora de Amsterdam, indo viver modestamente do seu trabalho numa oficina de produção de vidro e ainda de uma pensão que lhe é concedida por Jean de Witt ( líder dos republicanos holandeses). Rodeia-se então de um círculo de amigos que estudam a sua obra. A sua reputação não pára de crescer valendo-lhe uma intensa troca de correspondência, assim como de frequentes visitas ( como o de Oldenbourg, secretário da prestigiada Real Sociedade de Londres, passando por políticos, aventureiros e libertinos, todos eles curiosos e sedentos em conviver com um pensador tão profundo e subversivo como era aquele).

Apesar de tudo, Spinoza era um homem solitário e probo, tendo recusado a cadeira de filosofia na academia de Heidelberg pela simples razão que “ desconhecia quais os limites que lhe seriam impostos, a ele e à sua liberdade filosófica, para não incomodar a religião oficialmente estabelecida”. Morre em 1677 num modesto quarto na cidade de Haia.

Aquele que ficará conhecido na história como o “ateu virtuoso” será saudado, cento e cinquenta anos mais tarde, por Hegel que se referirá a ele nestes termos: “Spinoza constitui de tal modo o ponto crucial da filosofia moderna que bem se pode dizer que há que escolher entre o spinozismo ou nenhuma filosofia.”

Do próprio Spinoza só nos chegou uma obra assinada com o seu nome, “ Os princípios da filosofia de Descartes”. Esta obra deu-lhe de facto alguma notoriedade que rapidamente será substituída pelo caso do “escândalo Spinoza”. Com efeito, em 1670 aparece o “Tratado das autoridades teológicas e políticas” de autor anónimo, apresentada publicamente como uma edição alemã mas realmente impresso em Amsterdam. Acontece que o anonimato não enganou ninguém, e todo o mundo reconheceu nele a mão e o pensamento de Spinoza.
Nesse tratado o objectivo declarado é a demonstração da utilidade e importância da “liberdade de filosofar” para a vida da Cidade. Spinoza propõe aí uma exegese heterodoxa da Bíblia e, segundo os seus detractores, “não se contenta em minar as bases da religião e da santa teologia, mas vai ao ponto de contestar a ordem política e as noções de senso comum” ( palavras do abade Huet). Abate-se então uma catadupa de insultos e invectivas sobre Spinoza. Não houve Igreja alguma que não tivesse aparecido a denunciar aquele “monstro de confusão e de trevas” ( palavras do abade de Massillon). A publicação póstuma da “Ética” , a obra maior de Spinoza, lançará então a intelligentsia teológica da época para a incredulidade e a paralisia completa tal é a sua incapacidade para fazer face a um pensamento tão rigoroso como o que se encontra plasmado naquele livro. A crítica ao Deus “clássico” revela-se implacável bem como aos lugares comuns do cepticismo libertino que começava a emergir na época: Spinoza não é um filósofo iludido por um qualquer ídolo que a ciência nascente acabará por desmistificar, a sua crítica recai antes sobre a questão essencial: a ideia de transcendência.

O cavalo de Tróia utilizado por Spinoza para baralhar os teólogos é a própria essência de Deus, isto é , a sua perfeição. E é justamente nisto que o filósofo se baseia para desmontar e demonstrar que toda a ideia de finalidade e de liberdade aplicada a Deus constitui um absurdo – “ pois se Deus actua com vista a um fim, tal significa necessariamente que ele deseja qualquer coisa que não possui”, logo ele não será um ser perfeito... “Deus ao agir pelas leis da sua própria natureza, e ao não estar condicionado por ninguém” não tem qualquer escolha a fazer, ou seja, tentar aplicar-lhe um conceito, ou a ideia humana de liberdade revela-se uma tarefa sem sentido... Do mesmo modo, a ideia da Criação é absurda uma vez que ela subentende um vazio anterior, ou uma “falha”, o que contradiz a ideia de perfeição que se associa a Deus...

Uma tal lógica de pensamento desqualifica a ideia de um Deus acima da Natureza, um Deus transcendente, ao mesmo tempo que insinua a ideia da perfeição do mundo, da Natureza.
Ora a crítica à transcendência ( a qualquer transcendência) traduz-se, no domínio da filosofia e do pensamento político, no próprio fundamento do anarquismo. Vejamos como.
Proudhon e Bakounine assentam a sua crítica ao Estado e à autoridade numa base filosófica que é justamente a crítica à transcendência proposta por Spinoza dois séculos antes.
Aqueles dois autores anarquistas tentam mostrar a ligação íntima entre a visão religiosa e a visão estatal.
Spinoza ao identificar Deus à natureza ( negando pois um Deus acima da natureza) anuncia Proudhon que, por sua vez, identifica a noção de Estado e de sociedade (negando assim o existir de um Estado acima da sociedade civil). Pelo exposto se concluirá que a potência ( o poder) que Spinoza reconhece à Natureza, é a mesma potência ( o poder) que os anarquistas reconhecem à sociedade.
O que transcende nega o que é transcendido: se Deus é, logo o destino do homem é ser escravo – acabará por dizer Bakounine.

Ao reivindicar para o mundo uma perfeição que lhe estava vedado pela estranha intercepção de um ser exterior ( Deus) segundo a tradicional visão religiosa , Spinoza acaba por percorrer um caminho similar ao do anarquismo que reconhece a autonomia e a “perfeição” da sociedade sem necessidade de um “ser transcendental” que é o Estado.
Segundo Spinoza a democracia releva “de uma assembleia composta por toda uma multitude”, “o Direito define-se pela potência ( poder) da multitude, e que se costuma chamar de Estado”. Aqui, realce-se, não há alienação do poder, a transferência para uma “vontade geral” que definiria uma espaço independente ( o Estado ) do espaço onde reside o poder ( a Sociedade). Por rejeitar definir o Estado como independente Spinoza defende que este deve ser a expressão imediata do “poder da multitude” (entendendo esta – é bom que se sublinhe - como composição de forças e não como algo resultante de um número).
O pensamento político de Spinoza deriva pois da sua análise crítica da metafísica: “ aquela Constituição externa da potência ( poder) colectiva, à qual os Gregos deram o nome de Archê, principado, autoridade, governo...”, essa Constituição externa não faz sentido algum para a filosofia de Spinoza.

Note-se que não se pretende aqui conotar Spinoza com o anarquismo. Todavia existe, sem dúvida, no pensamento deste “judeu maldito” uma base filosófica para todos aqueles para quem “todo o ser é o ser neste mundo e nada mais para além dele”
Spinoza foi o primeiro filósofo a ter pensado radicalmente a imanência, e não nos parece intelectualmente honesto pretender enredar a sua filosofia em qualquer tradição panteísta.
Não pretendendo, de maneira nenhuma, apontar precursores de espécie alguma ao pensamento político anarquista a verdade é que a filosofia de Spinoza tem a virtude de nos ajudar a compreender as ideias-mestras do anarquismo e de nos vacinar virtualmente contra os que enchem a boca de um "cadáver esquisito", pronto a digerir tipo fast-food, qualquer que seja o seu nome ( bem podendo ser o anarquismo, liberalismo, comunismo, marxismo, socialismo ou outro ismo qualquer).

Testes ao patriotismo dos jovens alunos norte-americanos


As crianças e os jovens do Estado de Washington estão a ser submetidas a um teste sobre patriotismo que está completamente de fora do âmbito dos seus currículos escolares. O teste pretende medir se o estudante se mostra fiel ao poder do estado e se o estudante acredita no direito para alguém subverter um governo corrupto.
Os alunos têm de responder se concordam ou se discordam com cada uma das frases ou afirmações que lhes são apresentadas.

Reproduz-se o conteúdo de tais frases que devem provocar as respostas dos estudantes.
1. ninguém tem o direito a matar outra pessoa.
2. os líderes políticos agem normalmente no melhor interesse dos seus países.
3. se um líder político fez algo errado, é porque nem sempre possui os meios necessários
4. " o poder corrompe, e poder absoluto corrompe absolutamente ".
5. em certas situações pode ser justificado para um líder político desrespeitar a lei para o bem do país.
6. as pessoas nunca deveriam assumir compromisso com os seus ideais ou convicções.
7. " sempre pelo país, esteja direito ou errado" não é um simples slogan, mas um dever patriótico de todo o cidadão.
8. nenhuma causa política ou outra qualquer justifica que se morra por ela.
9. os "cobardes morrem muitas vezes antes das suas mortes; o gosto valoroso de morte acontece só uma vez ".
10. " O mal que os homens fazem aparece depois; o bem está com os seus corpos ".

Um teste deste género serve, sem dúvida, para medir o grau de obediência dos jovens relativamente ao Estado.
E o mais preocupante é que este não é um caso isolado. Na verdade, chegam-nos cada vez mais notícias sobre inquéritos e baterias de testes semelhantes que estão a ser realizados nas escolas básicas e secundárias em vários pontos do Estado de Washington.

As frases no original:

1. It is never right to kill another person.
2. Political leaders usually act in the best interest of their countries.
3. If a political leader has done something wrong, it is alright to get rid of him/her by what ever means necessary.
4. "Power corrupts, and absolute power corrupts absolutely."
5. In certain situations it may be justified for a political leader to bend or break the law for the good of the country.
6. People should never compromise their ideals or beliefs.
7. "My country right or wrong" is not just a slogan; it is every citizen's patriotic duty.
8. No cause, political or otherwise, is worth dying for.
9. "cowards die many times before their deaths; the valiant taste of death but once."
10. "The evil that men do lives after them; the good is (often buried) with their bodies."