30.5.06

O pedocídio de Bush: a responsabilidade de Bush na morte de milhões de crianças

O pedocídio de Bush: a responsabilidade de Bush na morte de 1,6 milhões de crianças no Iraque e no Afeganistão e de 0,1 milhão de crianças norte-americanas

Nas sociedades humanas decentes um dos crimes mais horríveis é o que envolve a morte de crianças (pedocídio) ou de recém-nascidos (infanticídio). Daí que o pedocídio em massa ou o infanticídio em massa sejam quase que inconcebíveis à consciência humana, ao contrário do que acontece com o Holocausto nazi e muitos outros genocídios ao longo da história.

Mas a verdade é que a Administração Bush – Bush, Cheney, Remsfeld &Ca – é cúmplice de uma taxa de mortes, que se poderiam perfeitamente evitar, de crianças quer nos próprios Estados Unidos ( estima-se, com efeito, que morram anualmente 0,1 milhões de crianças menores nos Estados Unidos) quer no Iraque e no Afeganistão (onde já terão morrido 1,6 milhões de crianças com idade inferior a 5 anos)

Estados Unidos, Cuba e Singapura têm, respectivamente, um rendimento anual per capita de 38,000 dólares, 1,200 dólares e 21,000 dólares. Mas a taxa anual de mortes de menores de 5 anos é, respectivamente, 0,17%, 0,17% e 0,07%

Os Estados Unidos, de longe, o mais rico país do mundo, deveriam ter logicamente a mortalidade infantil mais baixa do mundo ( abaixo da taxa de Singapura), mas a verdade é que a morte nos Estados Unidos de 0,1% de crianças com menos de 5 anos em 20,1 milhões, que é o universo total da população infantil com menos de 5 anos nos Estados Unidos, significa que cada ano morrem cerca de 20.100 crianças cuja morte se poderia perfeitamente evitar. Ou seja, a Administração Bush nos últimos 5 anos permitiu que morressem cerca de 100.000 crianças norte-americanas
( Mais info:
http://gpolya.newsvine.com/_news/20...
http://mwcnews.net/index.php?option... ).

As guerras que Bush tem semeado tem sido muito caras para a economia norte-americana e estima-se que o terrorismo de Estado da Administração Bush tenha já provocado a morte de 2,3 milhões de mortes, e cerca de 1,8 milhões de vítimas nas crianças com menos de 5 anos quer no Iraque quer no Afeganistão.


E o custos da guerra não param de aumentar: 1,2 triliões de dólares ( ver
http://mwcnews.net/content/view/5489/42/), 2,752 soldados norte-americanos mortos ( 2.456 no Iraque e 296 no Afeganistão). 18.587 soldados norte-americanos feridos ( 17.860 no Iraque e 718 no Afeganistão) (verhttp://icasualties.org/oif/); cerca de 50.000 mortos norte-americanos por efeito de consumo do ópio cuja produção no Afeganistão foi restabelecida, depois da invasão do país pelos militares da Coligação, produção essa que representa cerca de 87% do mercado mundial do ópio

Claro está que nenhum destes números são indicados pelos Media oficiais do Reino Unidos, dos Estados Unidos ou da Austrália

E a pergunta é:

Quantas crianças iraquianas e afegãs terão ainda de morrer antes dos crimnosos que desencadearam estes morticíneos sejam presentes ao Tribunal Penal Internacional?

Quantas crianças norte-americanas terão ainda de morrer antes do Presidente Bus ser destituído do seu cargo?

Para quem quiser, e não for sensível a imagens profundamente chocantes, poderá visualizar fotografias de crianças vítimas de guerra suja, com produtos químicos e radioactivos, lançados pelas tropas norte-americanas no seguinte website:

Salão do Livro Libertário – Paris, 17 e 18 de Junho de 2006


Salão do Livro Libertário – Paris, 17 e 18 de Junho

Porquê um Salão do livro libertário?

Na realidade desde os anos 90 que uma dezena de pequenas editoras surgiram a reivindicar o espírito libertário. Editoras com estruturas muito leves, muitas delas sem assalariados, e que propõem várias centenas de títulos que vão da brochura às obras mais de volumosas com centenas de páginas.
Para muitos destes editores, cujos livros não são geralmente distribuídos comercialmente, a grande dificuldade é encontrar e entrar em contacto com leitores interessados. Em 2002 organizou-se o primeiro Salãodo Livro Libertário em Montreuil. Cerca de 1.500 a 2.000 pessoas visitaram então o Salão. Em 2003 um segundo Salão do Livro Libertário foi organizado por ocasião da realização do Fórum Social Libertário em Saint-Ouen. Entre 5.000 a 7.000 visitantes passaram na altura pelos vários stands.
É chegado momento de lançar agora o terceiro Salão do Livro Libertário, tentando alargar o número possível de visitantes para o que foi escolhido o Centro Condorcetna Cité dês sciences et de l’industrie de la Villette. (no centro de Paris).
Estarão presentes uma grande variedade de pequenas editoras que, por incapacidade financeira, não têm condições de estar no Salão do Livro de Paris, mas que são bem-vindas ao Salão do Livro Libertário onde poderão encontrar a já conhecida fraternidade libertária entre autores, editores e leitores.

… e ainda um salão dos media livres
Os poderes políticos por via do governo procuram controlar o máximo possível os meiosde comunicação social, nomeadamente as rádios e as televisões associativas. Para debater e encontar as melhores formas de ultrapassar as limitações à liberdade de expressão está prevista a realização de vários encontros entre os media alternativos durante o Salão do Livro Libertário.

Espace Condorcet de la cité des sciences et de l'industrie de la Villette
75019 - Paris

Métro ligne 7 : station Porte de la Villette

Samedi 17 juin de 10 h à 20 hDimanche 18 juin de 10 h à 16 h

Entrada livre

Organização : Librairie Publico et Radio libertaire
Téléphone : 01 48 05 34 08
Endereço: Salon du livre libertaire 145, rue Amelot 75011 – Paris


http://salonlivrelibertaire.radio-libertaire.org/

29.5.06

Crianças cosem sapatos para a Zara...

Numa freguesia de Felgueiras, há crianças a coser sapatos à mão para a mundialmente conhecida empresa espanhola, Zara. Ao contrário do que era habitual, em vez de exercerem o ofício numa fábrica, trabalham em casa, acompanhados da família e depois do horário escolar.

Segundo o ‘Expresso’, por cada par de sapatos, cosido à mão e ‘made in Portugal’, recebem 40 cêntimos. No local, a família desmentiu ao CM o “trabalho intensivo” dos menores, admitindo, porém, a “ajuda num ou outro sapato” para completar os 20 pares diários que o agregado produz.

Este é apenas um exemplo, segundo o estudo de um investigador da Universidade do Minho, para o Plano para Eliminação da Exploração e do Trabalho Infantil (PEETI), das “nova formas de exploração” que surgiram após a melhor fiscalização da Inspecção-Geral do Trabalho, que levou à diminuição do trabalho infantil nas fábricas e empresas em Portugal.

“Compatíveis com a escola”, as novas formas de exploração passam pelo “trabalho agrícola, na economia familiar”, pelo “trabalho domiciliário, via subcontratação por conta de outrem”, em especial no calçado e têxtil e pelo “trabalho doméstico”.

Segundo o estudo, qualquer das formas é “ilícita e difícil de detectar” (por escapar à inspecção) e “prejudicial para os menores”. O trabalho agrícola envolve “produtos agro-químicos tóxicos e maquinaria perigosa” e o doméstico inclui “tarefas pesadas”.

Ainda assim, o especialista, distingue esta exploração, mais comum em Portugal, de outras formas “piores”, descritas pela Organização Internacional de Trabalho, como a prostituição ou exploração para o tráfico de estupefacientes ou até “escravatura”, denunciada no Brasil, América Latina e África negra.

Ratzinger critica Deus !!!

Na visita que acabou de efectuar à Polónia o cardeal ratzinger, entronizado há alguns meses atrás Papa dos Católicos romanos, num discurso proferido em pleno campo de Auschwitz, interpelou Deus em plena homilia e lançou publicamente esta interrogação crítica: «Onde estava Deus nos tempos do Holocausto?»

Depois desta pergunta desafiadora só nos resta esperar que Deus acabe brevemente por criticar o «jovem papa ratzinger», também conhecido por Bento XVI pela sua ousadia em criticar os superiores…

Os 70 anos da revolução espanhola (1936-2006)


A revolução espanhola de 1936 será recordada em Paris no próximo dia 1 de Julho.

Para mais informações sobre o programa consultar:


http://www.cnt-f.org

28.5.06

O realizador Ken Loach, porta-voz dos que resistem, ganhou o Festival de Cannes de 2006

O realizador britânico Ken Loach (n.17/6/1936), cujo filme "The Wind that Shakes the Barley" ("O Vento que Agita a Cevada") acabou de vencer a edição deste ano do Festival de Cannes, afirmou que a sua longa-metragem, passada na Irlanda em 1920, em plena guerra de independência, evoca temas de hoje, como a situação no Iraque.
.
"Sempre há, em algum país, um exército de ocupação, ao qual a população resiste. Não preciso esclarecer em que lugar do mundo o Reino Unido mantém hoje, ilegalmente, um exército de ocupação", declarou o cineasta numa entrevista coletiva.
.
"A guerra do Iraque foi ilegítima, contrária às convenções de Genebra e à Carta das Nações Unidas, além de baseada em mentiras. É indefensável", acrescentou.
.
Denunciando a maneira como os países imperiais deformam a história, o cineasta destacou:
"Esquece-se, por exemplo, que Cristóvão Colombo combateu os índios da América".
.
A respeito do império colonial britânico, Loach afirmou que é necessário romper com a história oficial e denunciar as atrocidades cometidas na Índia ou no Quênia até o final dos anos 50. "Pessoas foram enforcadas, mutiladas e existiram campos piores que Guantánamo", disse.

Recorde-se que Ken Loach é um conhecido realizador de cinema com uma vasta e qualificada obra que aborda com particular ênfase os problemas sociais numa perspectiva de dissidância social rlativamente ao neoliberalismo capitalista. Realizou "Terra e Liberdade" sobra a revolução espanhola de 1936.


Da Wikipedia reproduzimos a sua biografia:

Born Kenneth Loach in Nuneaton, England, he studied law at St Peter's College, Oxford. He started out as an actor in repertory theatre, but in the early 1960s moved into television direction and was credited in this role on early episodes of Z-Cars in 1962. Loach, though, made his greatest impact in the medium through docu-dramas, notably the socially influential Cathy Come Home (1966). In the late 1960s he started directing films, and made Kes, the story of a troubled boy and his kestrel, based on the novel A Kestrel for a Knave by Barry Hines. It remains perhaps his best known film in Britain.

The 1970s and 80s were less successful, with his films suffering from poor distribution, lack of interest and political censorship. His film The Save the Children Fund Film (1971) was commissioned by the charity, who disliked it so much they attempted to have the negative destroyed. It has yet to be shown in public. He was also commissioned by Channel 4 o make A Question of Leadership, a documentary on the UK miners' strike. However, the programme was withheld by Channel 4 for political reasons.
However, the 1990s saw Loach return to form, with the production of a series of critically acclaimed and popular films. During this period he was also three times awarded prizes at the Cannes Film Festival


In December 2003, he was awarded an honorary doctorate by the University of Birmingham.
In November 2004, he was elected to the national council of the Respect coalition.
On the 28th of May 2006, Ken won the prestigious Palme d'Or at the Cannes Film Festival for his film The Wind That Shakes the Barley, a sympathetic view of the early struggles faced by the IRA during the 1920's.

Film style

Loach is characterized by a particular view of what realism is. He likes in every area of film making to emphasize what he sees as genuine. He prefers unknown actors who have some of the life experience their characters are supposed to have had, to famous method actors. So for Bread and Roses he chose two leading actors who had experience of union organizing and life as an immigrant. To such an extent that the lead actress only learned English in order to play the part.
He tries to make sure that actors express as genuinely as possible the feelings of their characters by filming the story in order, and crucially, not giving the actors the script until a few minutes before the filming. Frequently in a scene, only some of the actors will know what is going to happen - the others will often be able to express genuine surprise shock or sadness because they really are hit with the events of the scene.
Two examples: in Kes the boy actor, discovering the dead bird at the end, believed that the director had actually killed the bird he had become quite close to during the filming (in fact he had used a dead bird found elsewhere). In Raining Stones one of the actresses visited at her house by a loan shark had no idea that he was going to force her to take off her wedding ring and give it him as part payment. There are many other examples.
Ken Loach is a strong opponent of censorship within films and and he was outraged at the certificate given to Sweet Sixteen (it was given an 18). Loach himself said; I think it was a very silly decision, such a patronising attitude as well. People are rarely hurt by swear words, yet you see scenes of violence depicted in films often with a 12 certificate. Some of these films have violence for the sake of it, try and push the certification boundaries. I think in my films that the violence is necessary to portray realism, it’s important to the narrative. And yes, it does put a smokescreen on society because it uses violence as a source of entertainment rather than its actual meaning


Filmography


Television
Z Cars (series, 1962)
Diary of a Young Man (1964
3 Clear Sundays (1965)
Up the Junction (1965)
The End of Arthur's Marriage (1965)
Coming Out Party (1965)
Cathy Come Home (1966) (as Kenneth Loach)
In Two Minds (1967)
The Golden Vision (1968)
The Big Flame (1969)
The Rank and the File (1971) - part of the Play for Today series.
After a Lifetime (1971)
A Misfortune (1973)
Days of Hope (mini-series, 1975)
The Price of Coal (1977)
Auditions (1980)
A Question of Leadership (1981)
The Red and the Blue: Impressions of Two Political Conferences - Autumn 1982 (1983)
Questions of Leadership (1983)
The View From the Woodpile (1989)



Cinema
Poor Cow (1967)
Kes (1969) (as Kenneth Loach)
The Save the Children Fund Film (1971)
Family Life (1971)
Black Jack (1979)
The Gamekeeper (1980)
Looks and Smiles (1981) (as Kenneth Loach)
Which Side Are You On? (1984)
Fatherland (1986)
Hidden Agenda (1990). Cannes Special Jury Prize.
Riff-Raff (1990). Shown with subtitles in the USA, because of British dialects.
Raining Stones (1993). Cannes Special Jury Prize.
Ladybird Ladybird (1994)
Land and Freedom(1995). FIPRESCI International Critics Prize and the Cannes Ecumenical Jury Prize.
A Contemporary Case for Common Ownership (1995)
Carla's Song (1996)
The Flickering Flame (1997)
My Name Is Joe (1998)
Bread and Roses (2000)
The Navigators (2001)
Sweet Sixteen (2002
Ae Fond Kiss... (2004)
Tickets (2005), along with Ermanno Olmi and Abbas Kiarostami
The Wind That Shakes the Barley (2006) Cannes Palme d'or

Encontro sobre literatura popular ( cantos, contos e outras tradições) em Miranda do Douro

Literatura Tradicional / Oral / Popular


Realizou-se em Miranda do Douro no dias 26 e 27 de Maio um encontro sobre literatura tradicional de raiz popular por iniciativa do Centro de Estudos António Maria Mourinho em parceria com o Instituto de literatura oral, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.


Para além do programa dos encontros, aproveitamos para reproduzir a seguir o texto que fomos buscar à página www.ielt.org/pagina/inicio.html (instituto da literatura tradicional da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa) e que recomendamos não só pelo seu cáracter informativo como ainda por poder constituir um óptimo ponto de partida nos estudos e na leitura sobre Cultura Popular e/ou Oral.


Iniciámo-nos (O Instituto da Literatura Tradicional) por finais dos anos 70 – e na esteira de preocupações relacionadas com o universo da literatura e das artes performativas, teatro, dança, oralidade literária (Pierre Jakez Hélias) – naquilo a que María Zambrano chama a “modesta vida do folclore”. Dito de outro modo, iniciámo-nos na humildade de uma disciplina à partida pouco formatada para a Universidade, a “arte folclórica”, “saber do povo”, segundo Le Corbusier, “aquilo que não é oficial”, “a ciência do maior número” oposta à “arte de corte”, “a arte da classe dominante”.

Falamos de um saber plasmado sobre a vida, colaborando assiduamente no quotidiano mais ou menos sofrido: cantigas de desabafo ou desafio, cantos desatando o amor por conquistar ou o trabalho esforçado, laços, enredos, tramas de superstições e histórias, muitas histórias.
Estamos perante uma metáfora de destino fugidio, paralela, con- ou divergente em relação à grande e consagrada metáfora da “luz intelectual”
5; perante matéria por excelência sustentada pela passagem do tempo, sujeita à registência (capacidade de resistir registando-se, de registar resistindo6) da areia e da ampulheta.

María Zambrano escreve sobre o saber dos não letrados, essa forma de escrita na areia do tempo:
Nada mais parecido com a areia devoradora da água, que a passagem do tempo que, às vezes, parece encobrir muitas coisas que morreram e que continuam a sua vida secretamente, quase clandestinamente, com uma continuidade que poderíamos chamar infra-histórica. Durante épocas inteiras não alcançam o nível visível do histórico; se se recordam, podem parecer ecos arcaicos, curiosidades, arqueologia.


Se ecos dessa fala (não letrada, porventura analfabeta7) aparecerem “ao vivo” – continua María Zambrano em 1944 – “é com a modesta vida do folclore, forma de existência anónima, dispersa e não sistemática, em períodos como este da cultura ocidental, em que o visível é tão esmagador que some na sombra mais opaca o que com ela não concorda.”8

Convenhamos. Passaram quase sessenta anos desde a escrita de Zambrano e o folclore já faz, mesmo em Portugal, parte dos curricula universitários e chama-se, na sua variante textual, literatura tradicional, de transmissão oral, oratura, etnoliteratura, oralidade literária, tradições populares. Seja.

Um notável folclorista americano, Alan Dundes, preocupava-se nos anos 60 em definir exactamente esta área de estudos fundamental para o estudo da visão do mundo, projecto que continua ainda hoje a desenvolver:
The term ‘folk’ can refer to any group of people whatsoever who share at least one common factor. It does not matter what the linking factor is – it could be a common occupation, language or religion – but what is important is that a group formed for whatever reason will have some traditions which it calls its own. In theory a group must consist of at least two persons, but generally most groups consist of many individuals. A member of the group may not know all other members, but he will probably know the common core of traditions belonging to the group, traditions which help the group have a sense group identity
9.

Valerá a pena acentuar que, através desta tão flexível definição de folclore, um grupo pode ser tão extenso quanto uma nação e tão restrito quanto uma família ou um grupo profissional. Esta definição irradica do conceito qualquer restrição ao mundo camponês e pressupõe que tanto possa ser considerado folclore aquilo que é tradicionalmente transmitido quanto o material emergente nas sociedades contemporâneas. O espaço do folclore é, pois, amplo e extremamente abrangente. Não é um espaço secundário embora tenha sido recorrentemente secundarizado pela cultura dominante. Funciona porventura como humilde caroço de um fruto cultural apetecível. Aparentando ser resto ou dejecto age subterraneamente como cerne de uma planta visível e reconhecida (veja-se mais adiante o projecto nº 9: OS RESPIGADORES E A RESPIGADORA).

Segundo carta de recomendação da UNESCO (Paris, 1989) a Literatura Tradicional/ Oral/ Popular faz parte do património universal da humanidade sendo por excelência veículo de afirmação da identidade e, simultaneamente, de aproximação entre os povos. Mais de dez anos depois, importa ressalvar que conceitos como identidade, tradição e nação são “entidades construídas, o mais das vezes sob a forma de oposições binárias que se traduzem quase inevitavelmente sob a forma de atitudes hostis em relação ao Outro”, palavras de José Augusto Mourão numa abordagem ao “caos cultural da mundialização – entre as águas insondáveis da tradição e da modernidade”. Importa acentuar, desde o princípio: projectos destes correm riscos de tocar algum fundamentalismo: o de visar – sem cobro – “a reabilitação da identidade”, “a reabilitação da tradição”, “a autenticidade”, “o apego às raízes”. Que risco? Inteiramente de acordo: o de projectar sobre o passado um “futuro radioso” fabricado pela ideologia.

As palavras do sociólogo Manuel Lisboa no projecto (nº 1) deste Instituto, FALAS DA TERRA – NATUREZA E AMBIENTE NA TRADIÇÃO POPULAR PORTUGUESA (Lisboa, Colibri/ Instituto de Estudos de Literatura Tradicional, 2004) dão voz aos nossos objectivos tendo em conta recomendações e riscos:
Num tempo em que os limites da técnica e da ciência nos remetem para a necessidade de redescobrir novas fórmulas de vida numa escala mais humana, a literatura tradicional oral pode ser uma fonte inesgotável para a Sociologia: enquanto campo de observação para a análise do tecido social e como fonte inspiradora de estudos comparativos sobre as práticas e as aspirações sociais. [...];
Falas da Terra contém os sinais desse tempo longo, de um conhecimento profundo, acumulado ao longo de milénios pela prática de agentes sociais diferenciados, quase sempre sem voz, mas que marcam os ritmos do presente. Sinais, cuja interpretação nos permite compreender melhor as dinâmicas sociais actuais, nos seus avanços e resistências à mudança, ao nível do material, do social, do político e do cultural. [...] O conhecimento milenar inscrito na literatura tradicional decorre de uma prática, reflectida a partir da acção na procura de soluções concretas para problemas. Poder-lhes-á faltar a reflexividade cartesiana, mas sobra-lhe a civilização material do quotidiano. [...]
O confronto com este mundo menos tecnicista, que hoje nos parece mais à escala humana, ajuda-nos a reflectir comparativamente o presente e leva-nos a questionar se, por vezes, não temos sido excessivamente cúmplices com alguns mitos da modernidade, deixando que nos tirem o que, mesmo arcaico, foi aperfeiçoado ao longo de milénios para nos servir, sem que os substitutos estejam devidamente testados. [...] Não creio que se construa o amanhã recuando para o passado, mas talvez possamos reaprender com os antigos a sabedoria do equilíbrio com a natureza, que é, sem dúvida, um valor do futuro.


Além do mais, situando-se – segundo designação da F.C.T. – na área da PROMOÇÃO GERAL DOS CONHECIMENTOS, visa este Instituto entusiasmar para a reflexão sobre o ensino desta disciplina a nível escolar e universitário (veja-se o projecto nº 15 sobre A PROBLEMÁTICA DO ENSINO DA LITERATURA E DA CULTURA NO ENSINO SECUNDÁRIO) bem como dinamizar acções de valorização da cultura popular, local, eventualmente subversiva, nomeadamente quando, perante produtos da cultura de massa, imposta e homogeneizante, a passa a usar como partitura ou fermento de novas criações.

Segundo John Fiske:
The study of popular culture requires the study not only of the cultural commodities out of which it is made, but also of the ways that people use them. The latter are are far more creative and varied than the former
10.

Acentua-se, desde logo, a vastidão do âmbito uma vez que não se deverá ter em conta apenas as culturas de comunidades rurais mas também as do meio urbano e suburbano onde diversos indivíduos, grupos profissionais e instituições praticam e documentam aspectos particulares das culturas populares no seu sentido mais lato. Em 2001-2002 foram realizadas pesquisas sobre, por exemplo, a comunidade de Chelas, sobre rap, hip-hop e fado; veja-se também o trabalho realizado e a ser prosseguido nas cadeias e hospitais (nº 19).

O projecto nº 9: OS RESPIGADORES E A RESPIGADORA joga com um pressuposto mais subtil: a disciplina de literatura tradicional leccionada cria o próprio resto, uma vez que inverte o processo de desvalorização e esquecimento destes saberes (restos) oriundos de um lugar silenciado, lamuriado ou infame (a ambiguidade da expressão: “santa terrinha”). As próprias sessões lectivas acabam por resultar numa situação de recobro onde o património (em geral, sem cisões entre cultural, ambiental, monumental ou textual) convalesce aliviando o conflito intergeracional. Acontecem trabalhos de recolha junto de pais e avós tal com acontece voltarem à escola as terceiras, inúteis (e frequentemente analfabetas) gerações mais velhas. Veja-se a este respeito alguns aspectos do projecto nº 14, o qual também contempla a entrada dos jovens adolescentes nas instituições universitárias ‘ensinando’ a doutores, editores, professores, estudantes e pais questões relacionadas com a escrita para jovens (carência de literatura para adolescentes em Portugal, aspecto assinalado por jovens numa mesa redonda em Maio de 2001), com a comunicação electrónica e mediática: a carta, o registo escrito sobrevivente em msn e mensagem de telemóvel, hoje espaço de aforismos, anedotário, citações. Recorde-se a reflexão em torno destas questões na sessão “Cartas Nossas” durante a 3ª Maratona de Leitura na Culturgest. Veja-se ainda Ana Paula Guimarães, Um Balde de Água Fria – Episódios de Vida e de Conto (Lisboa, Apenas Livros, 2003), uma reflexão sobre instrumentos do maravilhoso (Todorov) desde a varinha de condão ao telemóvel.

Tenta-se assim, por várias vias, encorajar o respeito pela especificidade da cultura tradicional/popular (da qual os estudantes da licenciatura parecem inicialmente distantes e envergonhados; a qual sintomaticamente começa a atrair investigadores, interessados em pós graduação e mestrado), vendo nela um vasto campo de acção não apenas a nível da recolha e museificação mas também do tratamento de dados com vista a conhecer rigorosamente o material preservado de forma a produzir sobre ele outros objectos culturais (dissertações académicas, publicações em livro e vídeo, instalações, eventos) que alterem a perspectiva marginal(izada) que actualmente ainda detêm não só aos olhos do grande público mas também ao nível da comunidade científica (de notar a falta de doutorados nesta área de estudos).


Nesta perspectiva foi, no ano lectivo (2002-3), criado na F.C.S.H. um ‘minor’ em LITERATURA TRADICIONAL E PATRIMÓNIO que conta com a colaboração (graciosa nos anos lectivos de 2002-3, 2003-4) de membros do Instituto. A disciplina de Herança Tradicional na Literatura Infanto-Juvenil foi inteiramente assegurada por Fátima Ribeiro de Medeiros (professora do ensino secundário em Setúbal) no ano de 2002-3. Os membros do IELT participam, aliás, frequentemente no trabalho lectivo dos seminários de licenciatura e mestrado.

Acrescente-se que, por motivos de saúde, as sessões a cargo de Ana Paula Guimarães no 2º semestre do ano lectivo 2002-3 (seminário de licenciatura e mestrado) foram inteiramente asseguradas por membros do Instituto de Estudos de Literatura Tradicional dando continuidade – por generosidade e empenho nesta área de estudos – ao trabalho iniciado no 1º semestre pela professora da cadeira.

Também o grupo Cramol (mulheres de origem urbana que retomam cantos tradicionais, polifonias «a capella», com acompanhamento do adufe, por exemplo) tem, desde há anos e sempre graciosamente, colaborado em inúmeras ‘performances’ relacionadas com os projectos desenvolvidos.

A partir da parceria com a Câmara Municipal de Mora (2003-4) contamos também com a colaboração de Joaninha d’Almeida, contadora de histórias, frequentando nesta data o seminário de mestrado de Literatura Tradicional.

Outros intercâmbios e parcerias nacionais e internacionais: Universidade Nova de Lisboa – Instituto de Estudos Medievais, Instituto de Estudos sobre o Romanceiro Velho, Instituto de Estudos sobre o Modernismo; Universidade de Lisboa – Centro de Tradições Populares Portuguesas Prof. Manuel Viegas Guerreiro; Universidade de Évora – Centro de História de Arte (Projecto: Os Bonecos de Santo Aleixo na Historiografia do Teatro de Marionetas em Portugal – apoiado pela FCT); Universidade do Algarve – Departamento de Ciências Exactas (Luís Cancela da Fonseca); Escolas Superiores de Educação (Beja, Leiria, Castelo Branco); Museu de Ciência da Universidade de Lisboa; Biblioteca de Beja; Sociedade de Ética Ambiental; SociNova (Manuel Lisboa); Casa Museu Verdades Faria – Museu da Música; Escola da Ponte (Vila das Aves); St Julian’s School de Carcavelos, Escola Matilde Rosa Araújo (Matarraque); Culturgest; Câmara Municipal de Mora, Universidade de Extremadura (Eloy Martos Nunez); Universidade de Murcia (Amando Lopez, Eduardo Encabo); Institut International Charles Perrault (Jean Perrot); University of Berkeley – Hispanic Department (Candace Slater); Universidade de Paris-Nanterre (Idelette Muzart, José Esteves); Universidade Nacional de Timor – Lorosae; Faces de Eva e Estudos sobre a Mulher (F.C.S.H.); Centro de Estudos de Etnologia Portuguesa (FCSH); Associação para o Estudo e Protecção do Gado Asinino (AEPGA).
Sic-Notícias - Ana Paula Guimarães entrevistada por Baptista Bastos em "Cara a cara" (Junho de 2001); RTP África e RTP Internacional - entrevista sobre IELT com Ana Paula Guimarães em "Entre Nós" (Setembro de 2002); TSF, Março de 2003 (Dia Mundial da Água), Maria Teresa Meireles entrevistada por Manuel Acácio; RDP2, Dezembro de 2003, Maria Teresa Meireles entrevistada por Luís Caetano; RDP2 - Ana Paula Guimarães entrevistada por Inês Pedrosa; T.S.F. - Ana Paula Guimarães e Luísa de Medeiros entrevistadas em "Portugueses Excelentíssimos" de Fernando Alves (Novembro de 2003); SIC- Mulher - Ana Paula Guimarães e Luísa de Medeiros entrevistadas em "Elas em Marte" (Fevereiro de 2004); RPL - Ana Paula Guimarães entrevistada por Paula Moura Pinheiro em "Três à Quarta" (Junho de 2004); Sic Mulher -- Ana Paula Guimarães entrevistada por Carlos Vaz Marques em "Encontro Marcado" (Dezembro 2004); RTP2 -- Maria Teresa Meireles entrevistada em "Entre Nós" (Janeiro 2005), T.S.F. -- Lucília José Justino entrevistada por Fernando Alves em "Portugueses Excelentíssimos" (Fevereiro 2005); RTP Internacional, RTP África e RTP2 -- Maria Natividade Pires entrevistada em "Entre Nós" (Abril 2005) -- Lucília José Justino e Ana Paula Guimarães entrevistadas por Francisco José Viegas em "Livro Aberto" - RTPn, e RTP2 (2005); Ana Paula Guimarães entrevistada em "Universidade" - RTP2 (Dezembro 2005); RDP -- Escrita em Dia -- Francisco José Viegas entrevista Lucília José Justino (30 de Novembro 2005) -- RTP2, RTP África e RTP Internacional - entrevista de Raquel Santos com Ana Paula Guimarães em "Entre Nós" (Fevereiro 2006)

Retirado de:
http://www.ielt.org/pagina/inicio.html


1 Pierre Jakez Hélias, Le Quêteur de mémoire. Quarante ans de recherches sur les mythes et la civilisation bretonne. Paris, Plon, 1990.
2 María Zambrano, A Metáfora do Coração. Lisboa, Assírio e Alvim, 1993, p.20 (subl. nosso).
3 A folclorística ter-se-á institucionalizado apenas no século XIX embora se lhe possa encontrar precursores: Herder (Stimmen der Völker in Liedern, 1778-79), irmãos Grimm (Kinder und Hausmärchen, 1812) e finalmente para a cunhagem do termo, William Thoms em 1846.
4 Maneira de Pensar o Urbanismo. Lisboa, Publicações Europa América, 1969, pp. 197-8.
5 María Zambrano, Ibidem.
6 Proposta de Ana Paula Guimarães, Olhos, Coração e Mãos no Cancioneiro popular Português. Lisboa, Círculo de Leitores, 1992.
7 Segundo a quadra, a escrita imediatamente se desfaz a si própria como que para permanecer secreta: “Pus-me a fazer na areia/ O retrato do meu bem/ Escrevi, apaguei logo/ Com medo que visse alguém.” A palavra dita é inapagável tanto enquanto sentença oriental (“Uma palavra é um pássaro que se solta de uma gaiola”) como em inúmeras situações da nossa tradição: “O meu amor já me disse/ Já me deu toda a palavra” (José Leite de Vasconcellos, Cancioneiro Popular Português, vol. I. Coimbra, Universidade, 1975).
8 María Zambrano, Ibidem.
9 Citado por Alan Dundes, Interpreting Folklore. Bloomington, Indiana University Press, 1980, p.7 (o segundo sublinhado é nosso).

10 Understanding Popular Culture. London, Routledge, p.15.


Miranda do Douro: Encontro sobre literatura tradicional:cantos, contos e outras tradições



Sexta, 26 de Maio
09:00 – Recepção e inscrição dos participantes
10:00 – Sessão de Abertura
Presidente da Câmara Municipal de Miranda do Douro, Director do Centro de Estudos António Maria Mourinho (CEAMM), Presidente do Instituto de Estudos de Literatura Tradicional (IELT) da F.C.S.H. da Universidade Nova de Lisboa

11:00 – ComunicaçõesTeresa
Rita Lopes (F.C.S.H. da Universidade Nova de Lisboa) – Estórias recontadas
Lurdes Cameirão (Escola Superior de Educação de Bragança –IELT) – Cantos e dizeres do povo mirandês
Ana Freitas (Universidade Nova de Lisboa – IELT) – Más mulheres, boas meninas

12:00 – Debate

13:00 – Almoço

15:00 – Comunicações
Alberto Carvalho (Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa) – O ciclo do lobo e do chibinho (em Cabo Verde)
Helena Mendes (Universidade de Aveiro) – Cães, formigas e outros animais nos romances de José Saramago: gente como nós…
Manuela Parreira (Universidade Nova de Lisboa – IELT) – B.I. do cavalo

16:00 – Debate

16:30 – Pausa

17:00 – Comunicações

António Bárbolo Alves (Director do CEAMM) – “Fuge que t’agarro”: os animais nos contos da literatura oral mirandesa
Luísa Medeiros (Universidade Nova de Lisboa – IELT) – B.I do burro
Domingos Morais (Instituto Politécnico de Lisboa - IELT) – Os sons que nos constroem

18:00 – Debate

18:30 – Pausa

19:00 – Apresentação do livro Plantas e Saberes. No limiar da Etnobotânica em Portugal, de Amélia Frazão-Moreira e Manuel Miranda Fernandes

Sábado, 27 de Maio

10:00 – Visita guiada à cidade (Museu; Rua da Costanilha; Catedral; Convento dos Frades Trinos; Centro de Estudos António Maria Mourinho)

12:00 – Almoço

15:00 – Visita ao concelho

21:00 – Serão de cantos, contos e outras tradições
Apresentação da peça de teatro “À hora do pássaros” (texto de Luísa Monteiro), pelo Grupo de teatro “Os guizos”, de Albufeira (Algarve).
Local : Picote (Salão da Casa do Povo – Entrada livre)

Informações
Centro de Estudos António Maria Mourinho
ttt://ceamm.no.sapo.pt


27.5.06

SOS Mata Atlântica: é preciso defender a Mata Atlântica (Brasil)

No mapa vê-se os vários biomas existentes no Brasil


O golpe de misericórdia nos remanescentes da Mata Atlântica (Brasil)

No próximo sábado, 27 de Maio, é o Dia da Mata Atlântica, um dos lugares mais ricos em biodiversidade do Brasil, e também um dos mais ameaçados do planeta, apenas 7% de sua área original ainda restam. Há mais de 500 anos os "homens brancos" endinheirados vêm usurpando esse ecossistema. Isso é triste, mas, para piorar, está previsto para ser votado pela Câmara dos Deputados no final deste mês, o golpe de misericórdia nos remanescentes da Mata Atlântica. Trata-se do Projecto de Lei 107/03 (PL da Mata Atlântica). Onde o governo federal, organizações não-governamentais “ambientalistas”, dentre as quais a famosa e rica SOS Mata Atlântica e parte da bancada ruralista, estão unidos para aprovar essa lei que libera os desmatamentos das últimas áreas de Mata Atlântica, permitindo a volta das madeireiras.

Extensas áreas de Mata Atlântica preservadas poderão ser devastadas em questão de meses, tão logo o projecto seja aprovado pela Câmara dos Deputados, onde está tramitando com velocidade super-sónica, já que é de interesse do Ministério do Meio Ambiente.

E vêm sendo divulgado para a imprensa através de ONG’s oportunistas uma propaganda enganosa, altamente nociva para a sociedade, de que a nova lei da Mata Atlântica é boa, escondendo a parte podre desse projecto de lei. Alegam que o novo projecto vai proteger a Mata Atlântica, que é uma lei para o uso sustentável, para a recuperação desta floresta, quando na verdade é bem ao contrário. Este novo projecto ameaça aniquilar de vez com o que restou da Mata Atlântica, já quase toda destruída pela “exploração sustentável”, dos ciclos económicos e especulação imobiliária.

A Mata Atlântica precisa de protecção e não de propostas irresponsáveis de pessoas ambiciosas que defendem interesses pessoais acima de qualquer coisa. Lembrando que os viveiros de mudas, empreendimentos de dirigentes de ONG's ambientalistas, são muito bem contemplados no novo projecto.

Questionamentos do PL da devastação da Mata Atlântica

A campanha da ONG SOS Mata Atlântica, cujo presidente do conselho director é o empresário Roberto Klabin, sócio das Industrias Klabin de Papel e Celulose S.A., que foi uma das maiores devastadoras da Mata Atlântica até hoje, e precisa destruir mais áreas de Mata Atlântica para aumentar seus lucros com a expansão dos reflorestamentos de pinus e eucalitpo, que defende o Projecto de Lei da devastação da Mata Atlântica, e esconde as consequências graves: os artigos 14 e 23 liberam os desmatamentos [possibilitando a expansão dos reflorestamentos com pinus e eucalipto e, portanto, atende os interesses das empresas do sector de papel e celulose] e o artigo 27 permite o ataque de madeireiras nos últimos fragmentos.

A essência do PL da devastação considera que o homem é bonzinho com a natureza, que vai tirar só o necessário, ignora que o homem é ganancioso, quer lucro, quer consumir, quer dinheiro, quer poder... Por isso precisamos PROTEGER a Mata Atlântica do poder económico e não ATACÁ-LA.

Quando a gente diz "PROTEGER" a Mata Atlântica, PROTEGER de quem? Dos ET´s? Não! Proteger do Homem! É o homem que quer aniquilar o planeta, não dar chance para as gerações futuras, para a perpetuação da vida no planeta.

A lei catual (decreto 750), pode não ser perfeita, mas protege muito bem a Mata Atlântica e está incomodando os devastadores, que querem puxar o tapete e liberar tudo. Isso é muito estranho!

Mais questionamentos

Qual a lógica do PL da Mata Atlântica com um artigo "bem cristalino" que libera os desmatamentos num momento em que é intensa a pressão para devastar o que resta para o plantio de pinus e eucalipto? Várias empresas de reflorestamento estão prospectando novas áreas para plantio de pinus/eucalipto em parceria com pequenos proprietários ou compra da área com pinus/eucalipto plantado. A lei é bem vinda para estas empresas, porque quase tudo o que resta da Mata Atlântica é de floresta secundária, que poderá ser derrubada com a nova lei.

O PL da Mata Atlântica tem uma lógica económica fundamentada apenas em argumentos folclóricos, contradizendo a ciência e o que aprendemos com a história da devastação.

Como o Ministério do Meio Ambiente pode garantir o cumprimento da nova lei da Mata Atlântica (que é complicadíssima, com vários artigos ambíguos, subjectivos) em áreas privadas se não consegue cuidar nem dos parques nacionais?

Por que querem derrubar a lei atual (decreto 750) que PROTEGE a Mata Atlântica para aprovar uma lei que ATACA a Mata Atlântica?

O PL da Mata Atlântica permite coleta de sementes e frutas que são vitais para a sobrevivência da fauna, que garante a manutenção da floresta (já que são os animais que plantam e fazem a polinização). O artigo ainda tem o disparate de mencionar: desde que não afete a fauna (Quem vai fiscalizar isso? Como?). É óbvio que afeta a fauna! Não tem nada sobrando num ecossistema. Este artigo é o mesmo que dizer: "É permitido cortar a cabeça do indivíduo desde que não lhe provoque a morte.”

Liberar a destruição da Mata Atlântica para salvá-la? É a mesma coisa que liberar os assaltos à residências para diminuir este tipo de crime.

Os serviços ecológicos da Mata Atlântica são importância estratégica para o fornecimento de água para as grandes metrópoles, para uma população superior a 120 milhões de brasileiros. Isso não é suficiente? Por que então apoiar a lei para a devastação dos remanescentes?

A Mata Atlântica não é uma simples plantação de árvores. É um ecossistema altamente complexo com milhares de organismos interagindo entre si. Por que a lei se preocupa apenas com o plantio de algumas árvores? Onde está a fundamentação científica dessa bobagem?

O PL da Mata Atlântica se fundamenta apenas em argumentos folclóricos. A ciência prova que não é possível a exploração da Mata Atlântica, como propõe o PL, sem que isso provoque perda de biodiversidade, com conseqüências imprevisíveis para o futuro.

O PL da Mata Atlântica prevê a destinação de recursos públicos para empreendimentos particulares, inclusive, de dirigentes de ONGs. Por que não destinar estes recursos para fortalecer a fiscalização do IBAMA ou para as unidades de conservação federais, que estão à mingua?

O PL da devastação da Mata Atlântica prevê a volta das madeireiras para garimpar o que restam nos últimos fragmentos de Mata Atlântica. Temos áreas onde as madeireiras atuaram há quase um século que até hoje não se regeneraram, foram engolidas por impenetráveis taquarais.

Mata Atlântica: desmatada, acabou-se!

Abaixo trecho do livro “A Ferro e Fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica” do historiador norte-americano Warren Dean, página 249 (Ed. Companhia da Letras, 2004), o botânico sueco Alberto Leofgren, que no início do século passado ajudou a criar o “Serviço Florestal e Botânico” em São Paulo (que mais tarde daria origem ao Instituto Florestal) e teve forte influência na criação de unidades de conservação e instituição do dia da árvore no Brasil*.

(...) O que era apenas vagamente compreendido, ou relutantemente admitido, por conservacionistas como Loefgren, é que a restauração da Mata Atlântica era mais ou menos impossível. Como Leofgren bem sabia muitos fazendeiros permitiam que parte de suas fazendas permanecesse como mata, não apenas para exploração futura mas também como reserva de madeira. Delas retiravam madeira na medida em que precisavam ou encontravam mercado, mas não conseguiram manejá-las (explorá-la de forma sustentável) como ouviam dizer que se fazia na Europa ou na América do Norte, porque, ao contrário dos bosques daqueles climas frios, essa floresta não era composta de maneira uniforme por umas poucas espécies resistentes, de crescimento rápido, sem complicações quanto à polinização, dispersão e frutificação, sem grandes requisitos nutricionais (simbioses complexas com fungos) e, em sua maioria, mais competitivas que cooperativas com o resto dos habitantes da floresta. Recriar uma floresta de pinheiros no norte (coníferas) ou de árvores latifoliadas exigia pouco manejo; recriar a Mata Atlântica teria exigido quase onisciência (todo o conhecimento) e uma existência que durasse séculos. Os terrenos de madeira, mesmo os dos mais prudente dos fazendeiros, gradualmente se deterioravam, portanto – as madeiras mais nobres eram retiradas uma a uma, e o dossel se tornava mais aberto já que outras árvores jovens eram esmagadas com a derrubada das mais velhas. Por fim, quando brotavam árvores e cipós inúteis, esvanecia-se a finalidade do terreno, a faixa era queimada e plantava-se café, milho ou capim de pasto. (...)

*Observação: o dia da árvore (copiado dos EUA) foi comemorado aqui pela primeira vez em 1902, em Araras (SP) e tinha o propósito de valorizar a Mata Atlântica, isto é, chamar atenção sobre os desmatamentos. Depois esta idéia original foi deturpada, como sabemos.


Texto enviado por Moésio Rebouças


Nota:
O bioma Mata Atlântica está reduzido atualmente a 7,84% de sua cobertura original que já se estendeu por 1,3 milhão quilômetros quadrados do território brasileiro. Apesar da devastação, ainda abrange 17 estados brasileiros e ainda abriga uma das mais altas taxas de biodiversidade do planeta, somando cerca de 20 mil espécies de plantas e 1.650 de animais, desse número, 8 mil sãos espécies endêmicas, ou seja, só ocorrem na Mata Atlântica. O bioma é considerado patrimônio nacional pela Constituição Federal e pelo decreto 750/93.

FESTIVAL ALTITUDES ( de 12 a 20 de Agosto de 2006 na Serra do Montemuro)

Em breve apresentar-se-á o programa da edição de 2006 do FESTIVAL ALTITUDES, um festival pluridisciplinar com a peculiaridade de acontecer numa aldeia isolada da Beira alta, Campo Benfeito.
Para já apresentamos desafios!
.
.
O Cartaz do Festival

Nas últimas edições do Festival o cartaz tem sido o feliz resultado de um concurso aberto a todos aqueles que se querem aventurar a criar a imagem do Festival. Seja você o próximo a criar o cartaz do Festival Altitudes. Envie –nos a sua proposta em formato digital com os seus dados e ajude –nos a dar ao Festival Altitudes uma imagem dinâmica e de acordo com a dimensão nacional já alcançada. O Teatro do Montemuro oferece ao vencedor, que será escolhido até 31 de Maio de 2006, um passe de acesso a todas as actividades do Festival assim como uma peça de vestuário à escolha da Cooperativa local As Capuchinhas.
.
.
I Encontro de Pintura e Escultura

O I Encontro de Pintura e Escultura do Festival Altitudes tem como principal objectivo colorir a Serra do Montemuro! Desde as Eiras, os Casebres, os riachos, montes, beleza rural e da natureza, assim como a música e o teatro servirão de estímulo aos artistas que desafiamos a concluir ojectos de arte em menos de 10horas. Convidamos pintores e escultores a juntarem-se a esta Festa com o seu maior contributo, um fruto do seu talento.Os interessados devem solicitar informação até 12 de Maio.

retirado de:
http://lobosnofojo.blogspot.com/ ( Teatro de Montemuro)



De 12 a 16 de Julho vão passar por Campo Benfeito 3 estrelas do didgeridoo:Mt-Yidaki (Holanda)Lies Beijerinck (Holanda)Ansgar Stein (Alemanha).
.
Estas pessoas vêm cá para, durante 4 dias de formação intensiva deste instrumento, partilhar técnicas avançadas para tocar este instrumento maravilhoso.A Lies, o Michiel e o Ansgar vão-nos ensinar a transformar o Didgeridoo num instrumento musical e o Ricardo Rocha vai-nos ensinar que a música é para todos com um workshop de Expressão Musical.Todas as informação sobre este fantástico evento podem ser vistas em:

As vergonhosas praxes nas escolas portuguesas e a realidade que elas ocultam…



Não resistimos a reproduzir as seguintes notícias( a primeira do JN e a segunda do Público), seguida de um comentário retirado de:
http://matarbustos.blogspot.com

Um terço concorda com praxe violenta

Mais de 80% dos alunos inquiridos dizem-se favoráveis à discriminação sexual na praxe e recusam qualquer revisão do respectivo código que conduza à igualdade de direitos
Quase um terço (32,3%) dos alunos da Universidade de Coimbra (UC) concorda com a prática de actos de "violência física ou simbólica" no âmbito da praxe académica.
Esta é a extrapolação que se pode fazer de um inquérito, realizado pelo sociólogo Elísio Estanque e pelo historiador Rui Bebiano, a que responderam 2819 alunos.
Os resultados do trabalho serão apresentados no colóquio internacional "Movimento Estudantil Dilemas e Perspectivas", hoje e amanha na Faculdade de Economia da UC.
À pergunta sobre se a praxe "deve repudiar qualquer forma de violência física ou simbólica", responderam "sim" 67,7% dos alunos inquiridos.
O inquérito revela, também, que "28% dos alunos discordam da ideia de que praxe deve ser facultativa e respeitar quem não quiser aderir". Mais de 80% dizem-se favoráveis à discriminação sexual, recusando qualquer revisão do código da praxe que igualdade os direitos de homens e mulheres. Só 3% dos alunos defendem que a praxe "deve ser completamente abolida, pois é uma violência".
O Cortejo da Queima das Fitas, o uso de traje e a Bênção das Pastas são os rituais académicos a que um maior número de alunos atribui a importância máxima.
Quase um quinto dos inquiridos (18,4%) admite que não lê livros e 29,6% utilizam automóvel próprio nas deslocações diárias, revela o inquérito realizado por Elísio Estanque e Rui Bebiano no âmbito do projecto"Culturas Juvenis - Diferença, Indiferença e Novos Desafios Democráticos", com o apoio da Fundação para a Ciência e Tecnologia.
O carácter cada vez mais regional da UC é confirmado no estudo 20,1% dos alunos tem a família a residir no concelho de Coimbra; 15,2% no resto distrito; e 35% no resto da região Centro.
Os dois investigadores do Centro de Estudos Sociais verificaram igualmente que 30,5% dos alunos são filhos de profissionais não qualificados, 23,5% de quadros dirigentes ou intermédios, 21,1% de empregadores e 14,6 de trabalhadores por conta própria.Quanto ao local de residência dos alunos, o estudo conclui que 22,1% moram no centro histórico de Coimbra, 55,8% em outros bairros dentro da cidade e 10,8% na periferia. Há 29,7% dos alunos a viver com colegas em apartamentos arrendados, 24,7% com os pais, 23,5% em quartos arrendados a particulares, 9,6% em residências universitárias, 8,8% em apartamentos próprios ou dos pais (mas independentes), 2,4% em casa de outros familiares e 1,1% em repúblicas.Quinze por cento dos inquiridos são filiados em algum movimento, organização não governamental ou partido político

Fonte: Jornal de Notícias


Praxes: 32,3 por cento dos estudantes de Coimbra defendem violência

Um inquérito na Universidade de Coimbra revela que 32,3 por cento dos estudantes concordam com "actos de violência física ou simbólica" durante a praxe académica. O presidente da Federação Académica do Porto (FAP) está surpreendido com os resultados e frisa que na Universidade do Porto as práticas violentas são condenadas.
"Surpreendem-me estes resultados porque as práticas de violência são conde nadas pela nossa academia", frisou Pedro Barrias.Os resultados do inquérito, a que responderam 2819 alunos de Coimbra, hoje revelados pelo "Jornal de Notícias", mostram também que 28 por cento dos alunos não concordam que a praxe seja "facultativa", números que também surpreenderam Pedro Barrias, que defende que a praxe deve ser "facultativa e voluntária"."Fico surpreendido [por] estudantes em plena consciência considerarem que a praxe deve ser obrigatória, quando se trata de uma recepção a novos alunos na vida universitária que deve ser partilhada por todos e não deve ser imposta a ninguém", comentou o presidente da FAP.Quanto ao facto de 80 por cento dos estudantes de Coimbra inquiridos se dizerem favoráveis à discriminação sexual e recusarem qualquer revisão do código da praxe que iguale os direitos de homens e mulheres, Pedro Barrias preferiu não comentar estes números por se tratar de uma questão muito específica, que depende de cada conselho de veteranos.Este órgão é específico de cada instituição e define as suas próprias regras relativamente aos procedimentos a ter durante a praxe. Afirmou, no entanto, que no Porto não existe um código de praxe mas sim um conjunto de regras transmissíveis oralmente.
Fonte:
http://www.publico.clix.pt/shownews.asp?id=1258233


Comentário às notícias pelo autor do blog
http://matarbustos.blogspot.com


«Quando estas 'crianças' começarem a governar veremos surgir em força a extrema direita no país e -- quiçá -- o retrocesso à ideologia fascista. Que tristeza, que cambada de intelectuais da treta.



É que a praxe faz as delícias dos arrogantes que serão um dia patrões e políticos. Mais: como não há poleiros para todos, os restantes aprendem cedo a baixar a bolinha e a lamber botas, vencidos pela progressão em cunha, entregando-se à submissão cega das hierarquias de compadrio. Assim se perpetua e agrava a pasmaceira do tuga obediente. Sobram uns poucos para 'levar' da mole alienada a incompreensão indignada por não alinharem no jogo preverso da sociedade da competição.

A praxe é a imagem da conduta das hierarquias governamentais e empresariais. O jovem estudante que só a vê como brincadeira corre o risco de se tornar mais uma vítima da selva de autómatos amestrados.
Questionar é fundamental.»

26.5.06

A liberdade de expressão de Brian Haw ( pacifista e símbolo do movimento anti-guerra inglês) sofre um duro golpe!





O campo de paz (com fotos, desenhos, bandeiras, cartazes, etc) que existia em Westminster sofreu um ataque por parte da polícia e foi desmantelado ao raiar do dia na passada 3ª feira e todo aquele material foi confiscado ao seu autor - Brian Haw – que se tornou ao longo dos últimos 5 anos, durante os quais se manteve em frente ao Parlamento britânico, um símbolo de todo o movimento social do Reino Unido contra a guerra a Iraque.
Com efeito, desde há 5 anos que ininterruptamente Brian Haw se manifesta em Westminter, onde estão sedeadas as Câmaras dos Comuns e a Câmara dos Lords. E manifesta-se em silêncio ou invectivando os deputados, ou então discutindo com os transeuntes acerca da ilegitimidade da guerra e da ocupação do Iraque. Regra geral, recebe o apoio dos transeuntes que há 1.800 dias o vêem postado no seu campo da paz, dormindo numa frágil tenda de plástico, mas nunca esmorecendo no seu combate pela paz.

Brian, 57 anos, cristão e pai de 7 filhos tornou-se assim na figura emblemática do pacifismo britânico desde 2 de Junho de 2001, dia em que saiu da sua aldeia de Redditch, nos Midlands, e se dirigiu a Londres para fazer uma vigília de protesto em frente das Casas do Parlamento e, desde então, nunca mais abandonou o protesto contra a guerra. Brian tornou-se, entretanto, uma atracção turística, mas mais importante do que isso, tornou-se também a cara visível da hostilidade da maioria dos ingleses quanto à guerra dirigida pelo governo de Tony Blair contra o Iraque, e , de uma maneira geral, à política iraquiana de Bush & Blair.

A instalação do campo de paz de Brian frente a Westminster interpelava todos quantos entravam no edifício, em particular deputados e ministros que não tinham outro meio que não cruzarem-se com Brian e os seus firmes protestos anti-belicistas.
Regra geral, Brian Haw sempre recebeu apoio da população em geral, e não foram poucos aqueles que ali se deslocaram a fim de lhe manifestar a sua solidariedade, como foi o caso de Cindy Sheehan, a mais conhecida figura do movimento anti-guerra, e mãe de um soldado norte-americano morto no Iraque.

No ano passado e perante a postura continuada de Brian o Estado britânico contra-ataca e, tentando reduzi-lo ao silêncio, consegue aprovar no Parlamento uma lei, talhada para a situação, ao exigir a autorização da polícia para toda e qualquer manifestação pública a realizar a menos de 1 km do edifício do Parlamento. Brian Haw recorre aos tribunais argumentando pela não-retroactividade daquela lei. Consegue vencer na 1ª instância, mas sai vencido na apelação que o governo britânico entregou ao tribunal. Foi esta decisão que a polícia executou na passada 3ª feira, um dia negro para o direito à liberdade de expressão no Reino Unido.

«O capitalismo será apenas um parêntesis na história humana» ( Anselm Jappe)

Advertência:
Não partilhamos de todas as teses nem de algumas das premissas de que parte Anselm Jappe quer na entrevista que abaixo reproduzimos quer ao longo do seu livro que acabou de ser traduzido para português. Não obstante, consideramos útil trazê-lo para aqui, uma vez que as suas ideias podem servir como pontos de partida para uma reflexão e debate sobre os desafios da luta anticapitalista.
Na verdade, quer na sua abordagem teórica quer na re-definição de alguns combates a travar Anselm Jappe cai rapidamente numa análise de tipo hegeliano, vício de que ele próprio tanto crítica quando fala do trabalho, enquanto categoria abstracta, logo alienada das concretas condições de vida dos indivíduos. A sua recusa em descer ao plano concreto dos movimentos sociais, e preferir antes em falar de uma abstracta mudança social constitui outro indicador do mais furioso hegelianismo, pouco atreito à revolta emancipadora dos indivíduos concretos.
Com efeito, para nós a emancipação social é uma construção social e não simplesmente uma síntese teórica, por mais perfeita que possa parecer.



Entrevista com Anselm Jappe, autor do livro «As Aventuras da Mercadoria – Para uma nova crítica do Valor», publicada no jornal Público de 21 de Maio de 2006.


O filósofo Anselm Jappe esteve em Lisboa para apresentar o seu último livro, editado pela Antígona. «As Aventuras da Mercadoria – Para uma nova crítica do Valor» não pretende ser um programa político, mas contribuir para a de uma consciência crítica.
Público – A tradicional divisão entre esquerda e direita continua válida?
Anselm Jappe – Por um lado as diferenças tradicionais ainda fazem algum sentido. Mas, por outro lado, pode dizer-se hoje que aquilo a que tradicionalmente se chama de esquerda muito frequentemente apenas ajudou o capitalismo a desenvolver-se mais. Deu uma contribuição involuntária, por exemplo, para a comercialização da vida diária. A esquerda tem tirado as coisas que estavam no caminho do capitalismo individualista e neoliberal. Parece haver uma concertação secreta… mesmo se frequentemente ninguém está consciente disto.Muito poucas pessoas questionam o capitalismo no seu todo. Marx, nalgumas partes do seu trabalho mais teórico, questionou as categorias básicas do valor e do dinheiro. Mas o capitalismo apreendeu de tal forma toda a sociedade que as pessoas ficavam incapazes de formular uma alternativa fora do sistema. Apenas formulam as necessidades do capitalismo de amanhã.A esquerda insistiu na libertação do indivíduo, das mulheres e das classes mais desfavorecidas – mas, se querer, acabou por favorecer o capitalismo, baseado no indivíduo e na aniquilação de todos os tipos de comunidade. Portanto, em certas questões ainda existe uma fronteira entre esquerda e direita – imigração, racismo, etc – mas noutras – como a biotecnologia ou a ciência -, a extrem-esquerda está a puxar na mesma direcção do que o capitalismo e, por vezes, encontra-se pessoas conservadoras, ou até religiosas, que têm ideias muito mais claras sobre os riscos destas matérias.

Onde se situa politicamente?

As minhas ideias são normalmente consideradas de esquerda, ou de extrema-esquerda. Mas não sou dogmático. Em certas matérias, discordo absolutamente com toda a esquerda e por vezes admito que os conservadores pensam certos assuntos de forma mais clara. Não gosto da divisão do discurso em esquerda ou direita.

Mas concorda que esta divisão ainda influencia muito a política?

Não há qualquer alternativa na política tradicional. As forças políticas de hoje não apresentam qualquer diferença, sendo de esquerda ou de direita. Por exemplo, em Itália a Rifondazione Comunista, considerada de extrema-esquerda, participa num governo que não terá sequer uma política social-democrata. Os programas são basicamente os mesmos. E, quando chegam ao governo, há ainda menos diferença. Veja-se os exemplos da extrema-esquerda em Itália e da extrema-direita na Áustria. Na realidade, todos optaram pelo mesmo tipo de políticas neoliberais. Nalguns tópicos, como a imigração, é que se nota a diferença. Além disso, os políticos mudam de ideias muito rápido. Durão Barroso começou por ser maoísta, não foi? Alguns conselheiros de Bush forma trotskistas, alguns conselheiros de Berlusconi maoístas…

Há uma crescente tendência para votar nos partidos do centro, que alternam no poder e apresentam apenas diferenças subtis. Como é que os partidos mais pequenos podem fazer oposição nestas condições?

Devia ser mais fácil apresentar alternativas quando os principais partidos dizem as mesmas coisas. Mas é muito raro ver ideias alternativas. Se for a uma manifestação, lá estará a secção dos velhos pequenos partidos comunistas, que ainda parecem estar nos anos 70, que propõem sempre as mesmas ideias, sobre a luta de classes…Há novos temas, que penso serem importantes, como o ambiente ou o feminismo, mas normalmente tentam encontrar soluções dentro do próprio sistema que não dá espaço à questão ecológica ou à efectiva igualdade entre mulheres e homens.

A política perdeu terreno?

Não há uma verdadeira autonomia da política. Desde pelo menos o fim da I Guerra Mundial, toda a política é económica. Aquilo a que hoje se chama segurança social foi organizado nos anos60 e 70, por governos conservadores em Itália e França. E aquilo a que se chama neoliberalismo, com a destruição do Estado social, resulta de governos sociais-democratas nos anos 90… Ou seja, não é possível ocupar apenas a esfera política, porque a economi globalizada cresceu muito para além de qualquer intervenção política, que hoje se reduz à intervenção do Estado. Isso é uma das ilusões do movimento anti-globalização.

Como é que a política pode voltar a ser autónoma?

Há um autor, Karl Polanyi, que diz que antes existiam sociedades com ilhas de mercado. Hoje, há um grande mercado com pequenas ilhas de sociedade. O que quero dizer é que existiram muitas sociedades. E antes do capitalismo, a produção material era apenas um aspecto da sociedade, entre muitos outros e não um objectivo em si mesma. No seio do sistema capitalista, aquilo a que chamamos política é apenas uma espécie de instância reguladora com a tarefa de ajudar a economia a funcionar melhor. Neste contexto, a política não é, de todo, concebida para controlar a economia. Não é possível, portanto, reforçar a esfera política dentro deste sistema. É necessário uma mudança profunda, que recoloque a produção material dentro de uma concepção de sociedade mais alargada.

Portanto estamos a ser governados pela economia?

O capital está hoje completamente globalizado.mesmo os não críticos do capitalismo dizem-no: vivemos numa sociedade m que a política é completamente dominada pela economia.

E a política fica reduzida à sua dimensão de espectáculo…

Como não há grandes diferenças entre os programas dos partidos políticos no governo, tende-se a fazer grande espectáculo das pequenas diferenças, e mesmo das personalidades. Por exemplo, em Itália, Berlusconi focalizava a atenção em si próprio. Fazia com que as pessoas estivessem sempre a falar dele, mal ou bem, mas sempre dele. Quase não era dada atenção aos verdadeiros problemas do país.
Encontar uma saída do capitalismo será difícil.O primeiro passo é tomar consciência da sua natureza violenta, «que criou um tipo de pessoas completamente vazias por dentro»

Afirma que não há lugar para oposições que venham de dentro do sistema, mas apenas para soluções radicalmente anticapitalistas. Que soluções são essas?
Porque é efectivamente difícil encontra
As oposições partem da mesma moldura ( capitalista) porque é efectivamente difícil encontrar uma saída. Há cem anos o capitalismo existia apenas numa parte do planeta…Hoje é completamente diferente, quase todo o mundo depende completamente do funcionamento do capitalismo.Quanto mais ele toma conta de toda a sociedade, mais difícil é sair dele. O primeiro passo é tomar consciência desta situação. O que já será muito, porque hoje não ideias muito claras sobre o assunto. Não se pode sair de um sistema de um dia para outro. Quando as pessoas recusam ver as suas vidas destruídas por uma lógica económica – ainda que sem uma perspectiva anticapitalista – significa que não aceitam mais algo que as mata e as deixa pobres, destrói o seu ambiente e a sua vida.


Não é utópico acreditar que o sistema capitalista poderá acabar um dia?

Aquilo a que se chama capitalismo hoje é muito diferente do que existia há cem anos. Daqui a um século viveremos noutro tipo de sociedade. A questão é que tipo de sociedade será. É claro que esta terá contradições. Mas se continuar como a de hoje – com energia nuclear, biotecnologia, organismos geneticamente modificados, desperdício de água, destruição da agricultura – nem sequer haverá vida humana. Se quisermos que a vida continue a ter um mínimo de dignidade, temos de mudar profundamente a sociedade.

Prevê que o capitalismo acabe por se autodestruir?

Sim, não acho que o capitalismo seja um progresso histórico. Nisto estou completamente contra o pensamento marxista tradicional, que achava que o capitalismo era uma espécie de progresso que tinha que ser substituído pelo socialismo, uma espécie de capitalismo melhor. Desde o início, o capitalismo foi um passo na direcção errada e revelou uma tendência destrutiva e autodestrutiva. Por isso,se uma forma ou de outra, será apenas um parêntesis na história humana. Já entrou na sua fase de declínio e terminará nas próximas décadas, como tudo. O que não significa que dê lugar, necessariamente, a um sistema melhor. Mas há espaço para um intervenção consciente que proponha alternativas. Isto não é uma profecia, já está a acontecer. Tem havido uma regressão. As pessoas estão a ser obrigadas a viver nas margens da economia capitalista porque as bases da economia tradicional foram desfeitas. O sistema capitalista está globalizado, mas há cada vez menos pessoas que são sujeitos capitalistas normais.

(…)

Classifica-se como um situacionista?

Não…A Internacional Situacionista foi dissolvida em 1972. Depois disso houve apenas uma linha de pensamento. Mas existem muitos pequenos grupo e seitas que pretendem apresentar-se como situacionistas. Todas as pessoas que se dizem situacionistas após a dissolução da Internacional situacionista são sectários e dogmáticos, ao contrário do espírito de dinâmica do movimento inicial, que era uma tentativa de compreender as mudanças do mundo nos anos 50 e 60, um protesto contra o surrealismo transformado em acto oficial, o marxismo transformado em pensamento do Estado…

Mas esse pensamento ainda continua actual?

O próprio Debord disse que as ideias são feitas para morrer na batalha do tempo. É impossível ser-se situacionista hoje, mas pode fazer-se referência a ideias situacionistas como fuga ao pensamento único, como incitação a ir mais além. São importantes para estimular o pensamento, desenvolver novas ideias e manter o espírito de uma crítica radical. Mas isso é muito diferente de tomar a letra tudo o que foi escrito pelos situacionistas. O mesmo é válido para o marxismo. Passados 150 anos, o pensamento de Marx continua muito importante para desenvolver um pensamento crítico. Mas não se pode levar à letra tudo o que ele escreveu.

Diz que Marx tem sido incompreendido e que uma parte do seu pensamento tem sido ignorada.

Pode encontrar-se duas partes no pensamento de Marx. Ambas são importantes, mas a parte mais histórica foi ultrapassada pela evolução histórica. A outra, a da mercadoria, tem conquistado mais actualidade com o passar do tempo. O regresso do marxismo tradicional – a que chamo dinossáurico -, nomeadamente no movimento anti-globalização com o foco na luta de classes, gerou um revivalismo surpreendente… Esperava que a crise do capitalismo levasse a uma teoria mais crítica e não à parte mais frágil do pensamento de Marx. Há sempre um antagonismo social, mas o tradicional conflito entre capital e trabalho insere-se no próprio capitalismo.

No livro, lamenta que as conquistas de 68 se tenham perdido. O que se perdeu?

Foi uma espécie de abertura a um novo mundo, que não durou muito tempo. Houve uma mudança na sociedade, especialmente nos costumes, mas foi recuperada muito rapidamente pela nova cultura capitalista. O que ficou do espírito de 68 foi a modernização do capitalismo. Mas a ideia de mudar o mundo, que era o espírito verdadeiro de 68, não durou muito.

(…)

Reinventar a Universidade

Autor: Óscar F. Gonçalves
(psicólogo, e professor catedrático da Unversidade do Minho)


Estávamos na primavera de 1988 e vivia eu então os encantamentos de jovem professor na Universidade da Califórnia em Santa Barbara. Sentia-me eu na altura uma espécie de refugiado do sistema universitário português onde proliferavam o autoritarismo e a conflitualidade. Nesse dia compartilhava o almoço com um jovem psiquiatra romano em pós-doutoramento no meu departamento quando se acercou de nós uma estudante italiana atraída pelo sotaque solidário do seu patrício. Como sempre acontece nestas situações de encontro de navegadores do conhecimento a pergunta sacramental não se fez esperar: "O que fazes por aqui?", perguntou a jovem. Fez-se um silêncio entrecortado pelo chilrear harmónico dos pássaros, o meu amigo aspirou o ar morno do Pacífico, contemplou o infinito e respondeu com o carregado ênfase da expressividade de um romano: "Sou um livre pensador!". Estas palavras tocaram-me a ponto de, por instantes, sentir a visão turva pela simpatia de experimentar também, naquele momento e naquele lugar, um sentimento profundo de liberdade, mas também da maior igualdade e fraternidade com os habitantes daquele campus plantado entre os penhascos do pacífico e as montanhas circundadas por aquilo que os autóctones apropriadamente designaram "caminho do céu". Recordo-me de ter sentido que o meu parco salário era largamente compensado por me proporcionar, no aqui e agora, a vivência do ideário da Revolução Francesa: liberdade, igualdade, fraternidade.

Infelizmente este idílio não durou muito e o vislumbrar episódico da utopia libertária foi bruscamente interrompido pela convocatória para o serviço militar. Confesso que cheguei por momentos a alimentar a ideia de juntar ao exílio intelectual a condição de refractário militar, assumindo então, quem sabe se para o resto dos meus dias, o verdadeiro e materializado estatuto de exilado. Por razões que eu próprio tenho ainda dificuldade em entender, não o fiz e em Agosto, depois desta fugaz experiência de alforria, era trincafiado no quartel de Tavira. O contraste não podia ser maior: a liberdade dava lugar ao encarceramento e a igualdade à humilhação, restando-nos unicamente a fraternidade clandestina típica entre os desvalidos do poder.

Alguns meses depois a universidade portuguesa resgatava-me ao quartel e apresentava-me eu de novo ao serviço da academia com uma "guia da marcha" (sic) que literalmente me ordenava a apresentar nas "fileiras da universidade" (sic). O presidente do conselho directivo recebeu-me com posturas de general e eu perfilei-me em sentido a aguardar a distribuição do mister. O pré de miséria era agora um salário aceitável, mas a linguagem que configurava a orgânica institucional não diferia significativamente daquele que me oprimia na caserna. Os jogos da linguagem eram os mesmos: a compartimentação dos pelotões e das armas era agora substituída pela compartimentação dos departamentos e dos saberes; a hierarquia dos postos militares dava agora lugar à hierarquia da carreira docente; o provincianismo patrioteiro ao provincianismo das faculdades.

Preocupa-me que grande parte da discussão que se gera em torno da necessidade de uma reforma universitária, aliás unanimemente reconhecida, se prenda com questões meramente acessórias ou mesmo circunstanciais. A transformação da universidade impõe a necessidade de construir para as raízes da sua fundamentação uma nova linguagem de modo a proporcionar aquilo que Rorty definiu como a reinvenção de uma nova utopia capaz de materializar no espaço universitário o ideário da liberdade, igualdade e fraternidade. Um novo vocabulário que assegure à universidade a sua condição de espaço livre para a criação do conhecimento e construção social.

1.Em primeiro lugar, o conceito de compartimentação terá que ser substituído pelo de transversalidade. A compartimentação é herdeira da tradição modernista de departamentalização dos saberes, um modo escorreito de arrumar pessoas e conhecimentos e assim assegurar a necessária corporativização da sociedade. Resulta daqui a divisão do conhecimento, a divisão do trabalho, a divisão dos territórios, a divisão das raças e toda a panóplia de atitudes xenófobas que este processo de diástase alimentam. Por exemplo, um caso real (ainda que raramente frequente) de um professor universitário que fez a sua formação inicial em filosofia, depois licenciou-se em medicina tendo-se mais tarde doutorado em psicologia, é um espécime que jamais sobreviverá competitivamente no espaço de saberes universitários bem compartimentados, alguém demasiado próximo da ascendência enciclopedista e incapaz de se adaptar aos ditames do aforismo como domina o modernismo universitário: "saber cada vez mais de cada vez menos até que se saiba tudo de absolutamente nada". O professor emancipa-se, neste contexto, pela fronteira limitada do seu saber e não pela sua tranversalidade. Associado a este facto cria-se um fenómeno de curiosa reprodução da compartimentação. A sobrevivência desta forma compartimentada de construir conhecimento obriga à multiplicação desmesurada de departamentos. Estes departamentos inseminam planos de estudos de licenciaturas ou mestrados de espectro ridiculamente estreito cuja função é unicamente a sacralização de um microsaber. O conceito de transversalidade obrigaria a impor limites a este reprodução geométrica de saberes e departamentos facilitando, promovendo e gratificando, para docentes e discentes, a circum-navegação do conhecimento através de uma diversidade de arranjos indisciplinados. Talvez assim um engenheiro do futuro acabasse por saber escrever e um escritor dos tempos vindouros percebesse alguns aspectos básicos da termodinâmica.

2.Em segundo lugar, o pilar da hierarquização terá que dar lugar ao da horizontalidade. Com efeito a organização das universidade portuguesas faz lembrar o sistema de organização social que alguns etologistas descrevem nos galináceos com a curiosa designação de "ordem da bicada". Sempre que um grupo destes animais se encontra dispara um intensivo jogo de bicadas entre os seus membros até que esteja finalmente estabelecida uma hierarquia, saber quem bica em quem. O sistema de organização social nas nossas universidades não seria significativamente distinto não fosse a ordem da bicada estar institucionalmente definida à partida pelo código linguístico do estatuto da carreira docente: o professor auxiliar bica no pobre assistente (que é aliás o único que só é bicado); o professor associado bica no professor auxiliar e no assistente; finalmente, o professor catedrático bica em todos. É óbvio que esta configuração hierárquica impõe fortes constrangimentos à natural necessidade de autonomia e liberdade indispensáveis para o processo criativo de construção de conhecimento. O problema é agravado pelo facto de só alguns ascenderem, em virtude da natureza piramidal da carreira, à condição de "bicador" ex catedra. Talvez se o princípio fosse o da horizontalidade, com os correspondentes sentimentos de autonomia e liberdade, não houvesse essa competição tão desenfreada por ascender à condição seguinte. A condição de autonomia e liberdade, o direito à não vassalagem, deveria ser independe da posição na carreira e qualquer docente ou investigador universitário deveria, pelo menos a partir do seu doutoramento, ter todas os deveres e prerrogativas de um agente sénior da investigação e docência. A noção de horizontalidade implicaria, claro está, que todos tivessem potencialmente acesso a todos os lugares da carreira, limitados unicamente pelo seu mérito científico e pedagógico e não por circunstâncias da antiguidade ou de política institucional de manutenção do poder.

3.Em terceiro lugar a camisa de forças de um protótipo de universitário terá que ser substituída pela assunção da multiplicidade, isto é, o reconhecimento de que há vários modos de estar na academia e de que é desta diversidade que se enriquece o serviço académico. De um modo mais ou menos velado circula no claustro universitário a configuração de um protótipo que é exemplarmente captado pelo adágio de inspiração norte-americana "publicas ou pereces", ou como alguns fazem questão de glosar "publicas e pereces", uma vez que a tarefa de publicar a todo o preço se mostra inglória e, mais tarde ou mais cedo, tudo aquilo que somos e produzimos acabará como minério da existência. Vivem hoje os universitários perseguidos pela inspecção aturada e contabilistica da sua produção científica: número de artigos; número de artigos multiplicado pelo índice de impacto da revista; número de citações, etc., etc. Escravos desta prototipia os professores fecham-se nos gabinetes escrevendo, cada vez mais e cada vez mais rápido; fecham-se horas sem fim na clausura dos seus laboratórios na vertigem da produção de dados. Os alunos, esses, acabam por se transformar num mero epifenómeno da universidade, ou quanto muito no caso do estudante graduado, um instrumento nesta bem oleada cadeia de produção científica. Ignora-se assim que ser professor, passar horas de dedicação aos alunos e ao ensino é talvez a forma mais nobre de construir conhecimento, torná-lo universal, dar-lhe um sentido comum, torná-lo reprodutível. É claro que isto não se contabiliza em termos de número de artigos e é dificilmente mensurável no imediatismo mercantilista em que se transformou a avaliação da actividade do professor.

4.Finalmente um quarto e último aspecto, a clausura provinciana terá que ser substituída pela mobilidade. As universidades portuguesas são hoje a mais clara ilustração do provincianismo que assola a generalidade das nossas instituições. Na sua generalidade os assistentes estagiários são recrutados entre os licenciados da própria universidade, os assistentes entre os assistentes estagiários que nessa universidade completaram o seu mestrado, os professores auxiliares entre os assistentes que aí fizeram o doutoramento e excepcionais são os casos em que num concurso para professor associado ou catedrático é colocado um professor proveniente de outra universidade. É tudo gente do mesmo bairro e, se possível, da mesma rua. O interessante é que nem por isso os laços de solidária amizade se criam. Cria-se, isso sim, um perverso efeito de consanguinidade e dependência onde vão proliferando diferentes ramos familiares cada vez mais fechados sobre si. O sistema fecha-se sobre si mesmo e o conhecimento deixa de ser pensado universal e globalmente. A vocação universalista da academia obrigará a incentivação de um sistema de mobilidade generalizada, privilegiando a fertilização cruzada entre diferentes instituições, através de incentivos à mobilidade de professores e estudantes entre universidades nacionais e estrangeiras. Não deixa de ser curioso notar que a política sugerida pelo conselho de reitores vai no sentido diametralmente oposto. Incapazes de controlar o fenómeno dos "turbo professores" foi instituído um sistema de pagamento entre universidades para serviços prestados pelo professor alienígena que são verdadeiras coimas para a mobilidade dos docentes. Um desafio muito mais criativo seria o de instituir e socializar esta mobilidade, mas isso implicaria um novo modo de pensar a universidade.

Em suma, reinventar a universidade implicará necessariamente reconstruí-la como espaço de liberdade, igualdade e fraternidade e isso, como sugeria Rorty, obrigará à criação de uma nova linguagem, uma linguagem em que os conceitos de transversalidade, horizontalidade, multiplicidade e mobilidade se assumam como os pilares de uma nova arcádia.