13.5.07

Entrevista com o filósofo René Schérer


René Schérer (n. 1922) define-se como um filósofo fourierista, em homenagem ao socialista utópico dos finais do século XVIII e sobre quem, aliás, escreveu muitos textos. Professor emérito da Universidade de Paris VIII, veterano da Universidade de Vincennes do pós-Maio de 68 e amigo de Deleuze, Foucault e Derrida, é autor do ensaio «A pedagogia pervertida».

Este herdeiro da pedagogia de 68 postula uma componente emocional, afectiva e erótica na relação entre mestre e aluno. «Há que estudá-las quisermos saber o que é a relação pedagógica».

Pergunta: o que lhe pareceu o debate sobre a educação na campanha das eleições presidenciais francesas?

Resposta: Se se falou da educação é porque há uma crise. Mas o discurso dos dois candidatos foi decepcionante. Só sabiam fazer finca-pé de conceitos conservadores, em ideias de disciplina, obediência, rigor…

P: Espanha ,Portugal e França padecem de um grave problema educativo: um alto índice de professores de baixa por depressão, casos de docentes agredidos por alunos e pais de alunos, fracsso escolar…

R: Parece que não se quer ver nenhuma outra solução para esses problemas senão nos métodos autoritários e repressivos. Só se fala da crise de autoridade para pretender restaurá-la. Se a autoridade na educação está efectivamente em crise é porque os jovens têm outras preocupações, outros desejos. Isso não é novo, pois já na época de Fourier se produziam revoltas escolares. O entusiasmo das acções anti-sociais que se fazem contra o poder há que orientá-las para o «poder de agir», para a « atracção apaixonada». Para usar uma fórmula muito sugestiva e rica no vocabulário de Fourier e que serviu de título para o meu primeiro conjunto de textos sobre ele numa colecção sobre as filosofias da liberdade. Em vez de irmos para uma noção de educação como reconstrução do autoritário, há que ir na direcção contrária: a da paixão e da alegria.

P: Como vê o conflito sobre o véu e outros sinais religiosos na escola?

R: Desde o ponto de vista do progresso é evidentes qie não podemos aderir a formas que são formas de repressão, quando aeducação o que tem de fazer é ajudar a libertar as pessoas das pressões comunitárias e familiares. Este problema foi debatido entre dois interlocutores: a escola laica, como representantes do do Estado, e as famílias, enquanto detentoras de um poder sobre as jovens. Poucas vezes se consultou a comunidade escolar. Creio que teria sido melhor adoptar o método fourierista ou, pelo menos, inspirar-se nele; isto é, pensar em que medida este conflito afecta as atracções, as paixões, os interesses dos actores deste drama escolar. É evidente que uma rapariga que seja tentada a andar com o véu só pode estar sob a acção de forças e princípios que não são propriamente os da liberdade. Mas se lhe retirarmos o direito de o levar também se exerce coacção sobre ela. Há então um conjunto de problemas quase inextrincáveis e só poderemos ver claro se observarmos atentamente as atracções fundamentais e os diferentes interesses da criança e as apreciações que podem fazer-se no interior do próprio grupo, para que este, quer esteja sob a tripla tutela da família, da escola e da religião, seja autónomo e não seja simples reprodução dos desejos dos adultos.

P: Definiu-se como um «sobrevivente do Maio de 68». Essa é uma condição melancólica ou feliz?

R: defino-me assim com uma ponta de humor, e também em homenagem ao meu amigo Jacques Derrida que morreu no ano passado e que numa entrevista poucos meses antes de morrer dizia: «Sobrevivo». Esta palavra pode ter conotações pejorativas: diz-se que um doente sobrevive no hospital com as suas poucas forças que lhe restam; mas Derrida dava à palavra um valor positivo: o de manter valores contra as forças reactivas que lançar esses valores para o passado histórico, um sobrevivente de Maio de 68 porque persevero nas minhas ideias e no ensino que dou.

P: Esse movimento que tanto êxito teve nos aspectos da moral, da condição feminina, das ideias sofre hoje uma refluxo, uma atitude rejeição por parte do candidato sarkozy. A que se deve isso?

R: Essa pergunta pedia uma reflexão geral sobre a história das ideias. Mas é claro que onde há avanços no caminho da liberdade, isto e, da crítica das tradições, das instituições, dos valores antigos…onde há seres, categorias, grupos que vão a frente, que afirmam a revisão desses valores, ao lado dessas forças aformativas há sempre forças reactivas. Aqui utilizaria a linguagem da física, como Fourier o fez com a «atracção» da física de Newton. Lá onde se produz uma acção, produz-se também uma reacção…São fenómenos que pertencem aos ciclos de história; mas não os vemos como simples fenómenos históricos uma vez que eles nos afectam directamente.

P: Falou de «fatalismo social» na sua conferência.

R: Não creio que seja impossível resistir à desagragação social, á sociedade de consumo, ao expolio ecológico. Há que confiar na liberdade humana, ou seja, que os indivíduos e os grupos tomem consciência dos seus verdadeiros interesses.O ritmo da história pode tomar formas de avanço e atraso. E o atraso nem sempre é negativo. Pasolini há alguns anos atrás dizia que a verdadeira maneira de ser revolucionário na hira actual é ser reaccionário. Com esse termo paradoxal ele queria referir-se a resistirmos a certa ideia de progresso como sinónimo de competitividade exacerbada e de consumismo desenfreado…Eu concordo com Ernst Bloch quanto ao «princípio esperança»: a confiança nas possibilidades da humanidade; talvez que a fórmula seja grandiloquente mas creio que se pode manter, isto é, que se pode ter confiança na liberdade ou nas paixões humanas, desde que a gente tenha o direito de expressar-se de forma integral.



Entrevista publicada no El Pais


Para saber mais:



Sobre a micro-política do desejo:





O arcaísmo moral norte-americano: rapaz de 17 anos é condenado por fazer sexo oral com uma miúda de 15 !!!

O tribunal superior da Geórgia (um dos estados federados dos Estados Unidos da América) acabou de condenar à prisão uma rapaz de 17 anos por fazer sexo oral consentido com uma miúda de 15 anos.
O visado, Genarlow Wilson, um outro amigo e o próprio advogado da miúda, admitiram todos que se tratava de uma acção voluntária e livremente consentida da rapariga mas tal não serviu para eximir o jovem a uma pena de cinco anos de prisão pelo crime de felonia. O procurador ofereceu ao acusado, em alternativa à prisão, ficar registado na base de dados do governo como agressor sexual, proposta que o jovem rejeitou para não ficar para sempre no registo de delinquentes sexuais.
Esta condenação baseou-se numa lei estadual de 2003 – sim, isso mesmo – do ano de 2003 !!!

Depois disto será que ainda haverá quem chame aos Estados Unidos a pátria do liberalismo? Não será antes a pátria do arcaísmo e da hipocrisia moral ?


Mais informação:
aqui ; aqui; aqui; aqui
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http://www.wilsonappeal.com/index.php

Para assinar a petição pela sua imediata libertação:

http://www.wilsonappeal.com/petition.php

Edição portuguesa de Maio do Le Monde Diplomatique



Le Monde diplomatique – edição portuguesa
Maio de 2007




Índice de artigos


Índice de artigos
ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS FRANCESAS

● «Reconstruir» (editorial de Ignacio Ramonet)

● «Estranha "Primavera da democracia"»... (Annie Collovald)

LISBOA

● «Lisboa na encruzilhada» (João Seixas)

DOSSIÊ: FUTEBOL E POLÍTICA

● «O futebol e a política em Portugal: para além de uma crítica moral» (Rahul Kumar)

● «1985: ano de futebolização das eleições autárquicas» (R. K.)

● «Tricas à moda do Porto (R. K.)

● «Quando a equerda vai à bola (José Neves)

● «Futebol e livros (Nuno Domingos)

EM DEBATE: O FUTURO DA EUROPA

● «Que fronteiras e que projecto para a União Europeia?» (Michel Foucher)

TRANSPORTES AÉREOS

● «O escândalo Airbus vai tornar-se o caso Lagardère?» (François Ruffin)

● «Um limiar transposto» (F. R.)

● «Um silêncio» (F. R.)

MIGRAÇÕES

● «A longa perseguição aos imigrantes clandestinos em Marrocos» (Sophie Boukhari)

● «Mercancias» (S. B.)

INDÚSTRIA FARMACÊUTICA

● «Medicamentos do Norte testados nos pobres do Sul» (Sonia Shah)

● «A "anedota" do consentimento esclarecido» (S. SH.)

CHINA

● «A China redescobre a questão social» (Jean-Louis Rocca)

● «A importância da universidade certa» (J.-L. R.)

DOSSIÊ: DISCRIMINAÇÃO POSITIVA

● «Quotas na Índia para as castas baixas» (Purushottam Agrawal)

● «"Emprego justo" para os sul-africanos» (Johann Rossouw)

● «O declínio da "acção afirmativa" americana» (John D. Skrentny)

● «Um falso debate à francesa» (Dominique Vidal)

● Que estatísticas étnicas? (D. V.)

LÍNGUA E CULTURA

● «Nós não falamos francófono» (Tahar Ben Jelloun)

LEITURAS

● «O bem, o mal e o "terrorismo"» (Eric Rouleau)

ESCRITOS DO MÊS

> Nuno Luís Madureira, As Ideias e os Números. Ciência, Administração e Estatística em Portugal (recensão crítica de Frederico Ágoas);

> Sam Harris, O Fim da Fé. Religião, Terrorismo e o Futuro da Razão (recensão crítica de Fernando Ramalho);

> Al Gore, Uma verdade Inconveniente (recensão crítica de Gualter Barbas Baptista);

> Potlatch [1954-1957] – O Boletim da Internacional Letrista, (recensão crítica de Ricardo Noronha);

> Juan Antonio Rivera, O que Sócrates Diria a Woody Allen (recensão crítica de Ivan Nunes)

Ex-porta-voz da marinha dos EUA vira pacifista e denuncia as mentiras da administração Bush


John Oliveira, um militar norte-americano descendente de portugueses, participou das guerras do Afeganistão e do Iraque. Ele era o porta-voz da marinha dos EUA. Era dele a responsabilidade de "vender" a versão dos militares para os jornalistas “embedded” e desacreditar as vozes contra a guerra

Esse jovem tenente tinha uma carreira promissora nas forças armadas, mas durante a guerra do Iraque, começou a questionar os verdadeiros motivos daqueles conflito e chegou a conclusão que era uma guerra baseada na mentira. O passo seguinte foi abandonar a marinha e torna-se um pacifista, uma importante voz que passou a denunciar a administração Bush


A História de John Oliveira é contada num documentário.
Clique aqui e assista o vídeo "John Oliveira: Oficial e Pacifista"