24.11.05

Dia sem compras ( 26 de Nov. de 2005)


O Dia sem Compras ( Buy Nothing Day) uma iniciativa tomada há já alguns anos atrás, e com alguma repercussão, do colectivo que edita a revista Adbusters vai acontecer novamente este ano um pouco por todo o lado, muito especialmente nas sociedades industrializadas que se têm mostrado serem também «sociedades do desperdício». Por isso é que a criação de um «dia sem compras» é extremamente oportuna para lançar a reflexão e a discussão sobre o consumismo desenfreado das sociedades contemporâneas.

Em Portugal a iniciativa é promovida pela Associação ecologista Gaia.
Consultar:
http://gaia.org.pt/semcompras/
http://gaia.org.pt/semcompras/menu.html

Acções previstas para o próximo dia 26 de Novembro:

NO PORTO:
Concentração na rua de Santa Catarina (a partir das 16h) numa acção de sensibilização com intervenção cultural e distribuição de material.
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VídeoForum às 21h30 no Espaço 555, na cidade do Porto (Vídeo + Fórum de Discussão Filme: The Corportation )

EM LISBOA:
Périplo por alguns dos maiores centros comerciais da Grande Lisboa (Dança, distribuição de panfletos sobre consumo responsável e outras surpresas.)Ponto de encontro: Pavilhão de Portugal às 10.30 no dia 25 de Nov.

Tertúlia - Hábitos de Consumo e Responsabilidade Ambiental e Social ( projecção de file e conversa) na Escola Secundária Leal da Câmara, Rio de Mouro10.00 h - 11.30 h no dia 25 de Nov.

Breve Sociologia do Consumo

A sociedade de consumo consiste num modelo de sociedade em que o consumo é manipulado pelas empresas, despertando necessidades artificiais, incitando à aquisição excessiva , fomentando o desperdício e originando desequilíbrios económicos e sociais.

A crescente concentração das empresas, e a emergência de grandes organizações nas sociedades contemporâneas, conferem aos vendedores de bens de consumo um grande poder económico e influência social, assim como uma posição contratual determinante sobre a outra parte contratante, o comprador.

A situação mais comum dos consumidores é a da ignorância sobre as condições do mercado e sobre a real situação dos bens e serviços adquiridos. A publicidade piora ainda as coisas quando exagera certas qualidades dos produtos para tentar seduzir os potenciais interessados. Por isso se diz que o consumidor é a parte mais fraca no contrato de compra e venda, e a necessidade de superar esta debilidade com legislação e campanhas de defesa do consumidor.


O consumo é simultaneamente um facto social e económico.
Existem factores sociais e económicos que o influenciam.
O principal factor económico é o rendimento. Segundo a «lei psicológica fundamental» de Keynes, quando o rendimento aumenta, as despesas para consumo aumentam também, mas menos que proporcionalmente, enquanto a poupança vai aumentar mais que proporcionalmente.

Em 1867, Ernst Engel, especialista em Estatística, demonstrou que o aumento do rendimento provoca uma modificação na estrutura do consumo. Assim seria possível distinguir 3 categorias de bens:
- os bens «inferiores»,cujo consumo desce à medida que aumenta o rendimento
- os bens «normais» cujo consumo aumenta à medida que o rendimento aumenta,mas proporcionalmente menos
-os bens «superiores» cujo consumo aumenta mais que proporcionalmente ao aumento do rendimento.

A estrutura do consumo varia conforme a composição demográfica do agregado familiar: quanto mais numerosa for a família, maior é o peso das despesas de consumo para a alimentação.

A idade dos elementos que compõem cada agregado familiar constitui também um factor que influencia a estrutura de consumo: uma família com uma média de idades elevada tem tendência a privilegiar as despesas da alimentação, saúde e habitação, em prejuízo das despesas para o lazer e transporte.

A localização da habitação do agregado familiar influencia também a respectiva estrutura de consumo. As famílias urbanas gastam mais nas despesas de lazer e transportes que as famílias rurais.

O sociólogo J. Baudrillard mostrou como o acto de consumir é um acto eminentemente simbólico: o consumidor não compra um bem unicamente para satisfazer uma necessidade, mas para afirmar a sua vinculação a um determinado grupo ( ou classe) social que lhe serve de referência. Sendo assim, podemos dizer que o consumo faz parte do processo de comunicação social através do qual os indivíduos comunicam uns aos outros o seu status, a sua personalidade.


Outro sociólogo, Pierre Bourdieu, associa o acto de consumir à noção de habitus ( trata-se de um conceito que se refere aos padrões de comportamento interiorizados pelos elementos de um determinado meio social). Os indivíduos têm gostos e preferências que aos seus olhos parecem ser o mais natural possível, mas que são na realidade o resultados de padrões comportamentais interiorizados que o indivíduo recebeu do meio social em que está inserido.

Em 1899 o sociólogo Thorstein Veblen demonstrou o aspecto ostentatório do acto de consumir. Para ele, o consumo ostentatório não é exclusivo das classes dominantes, mas estas servem-se deste meio para exporem socialmente a sua riqueza e ociosidade ( "sinais exteriores de riqueza").


Segundo outro autor, Duesenberry, o consumo evolui em razão da existência de um duplo efeito: um efeito de demonstração ( que consiste, no essencial, num efeito de diferenciação) e um efeito de imitação.
As camadas sociais mais baixas procuram imitar o consumo das camadas sociais mais altas, as quais procuram por sua vez novos modos de consumo a fim de poderem afirmar a sua diferença social relativamente às camadas sociais baixas. Exemplo: cada vez que o desporto das camadas altas se democratiza, estas optam por uma nova modalidade desportiva a fim de se distinguirem das camadas baixas.


Certamente que o indivíduo dispõe de uma certa margem de livre escolha, mas os seus gostos e preferências são determinados em grande parte pelo meio e cultura do grupo social em que se insere. Com efeito, o acto de consumir não serve unicamente para satisfazer uma necessidade individual, ele serve igualmente para responder a uma necessidade social: mostrar aos outros o grupo ( ou a classe) social a que se pertence.


A partir de 1950 o fenómeno do consumo nos países industrializados sofreu profundas transformações, tendo aparecido o chamado consumo de massas, ao qual não é alheio o aumento do poder de compra das populações destes países graças à melhoria substancial do seu nível de vida.
Estas transformações acompanham as mudanças registadas nos circuitos de distribuição: do comércio tradicional e de proximidade passou-se para o comércio dos centros comerciais e dos hipermercados localizados nas periferias das grandes cidades.

A crise económico dos anos de 1973 e seguintes, derivado do 1º choque petrolífero, travou esta evolução, tendo o seu impacte sido diferente conforme as camadas sociais.

Certos autores defendem que o consumo, entretanto, de um acto social e simbólico se tornou com os anos um acto mais racional.

No século XIX o consumo das famílias operárias era muito diferente das famílias ricas e abastadas. Mas com o crescimento demográfico, a emergência da cultura de massas e dos mass media a tendência recente têm sido no sentido da homogeneização e uniformização do consumo. Esta uniformização incide tanto em regiões geograficamente distantes, como entre classes e grupos sociais distintos. Várias razões explicam esta tendência: o recurso sistemático ao crédito, a influência da publicidade, a produção em série, etc


Não obstante esta uniformização a verdade é que o consumo continua a ser heterogéneo conforme os meios sociais e as culturas de cada contexto social. Se a posse de determinados bens se massificou, não é menos verdade que novos factores de diferenciação social irromperam no consumo, como a marca, o tipo do objecto, o preço, etc.

O coeficiente orçamental da alimentação continua a ser maior nas famílias operárias que nas famílias ricas.. Estas gastam mais no lazer, na educação e em bens de luxo que as primeiras.

O dia sem compras ( buy nothing day) e a oniomania

Uma das taras características de um certo modo de vida é aquilo que, em linguagem psiquiátrica, se designa por oniomania, isto é, a tendência obsessiva para fazer compras. Trata-se, com efeito, de um dos legados das nossas sociedades contemporâneas. Tendência essa que, de resto, ameaça expandir-se e transformar-se num síndroma social do consumismo compulsivo e larvar das futuras relações sociais se não atalharmos a tempo a evolução de tudo transformar em valor de troca os bens e serviços da mais variada natureza.
Ao contrário do século XIX em que a preocupação maior dos economistas era como produzir em mais quantidade, o principal motivo de apreensão dos actuais responsáveis empresariais prende-se em encontrar os meios e as estratégias que melhor garantam o crescimento das despesas por parte dos consumidores de forma a assegurar a continuidade do ciclo económico da produção-rendimento-despesa, para o que contam com os mais variados instrumentos, de uma sofisticação e eficácia jamais vista.
Acontece que esta “modernização económica” releva mais de um eufemismo de linguagem do que propriamente de um verdadeiro processo de desenvolvimento social e humano uma vez que a um tal processo “modernizador” está presente um fervor religioso em tudo submeter aos diktats imperativos da razão económica senão mesmo do deve-e-haver contabilístico, ignorando completamente todos os outros aspectos da vida social e humana. A “doxa” económica e contabilística converteu-se hoje efectivamente em dogma indiscutido e indiscutível a que, sem hesitação, prestam vassalagem as élites arrastando consigo a massa informe das nossas sociedades .
As sociedades de consum0 - que também, sintomaticamente, são conhecidas por sociedades do desperdício - constituem um modelo social e económico que tem sido objecto de estudos e análise pelas mais variadas áreas científicas, desde a antropologia até à economia, passando pela sociologia, psicologia social, ecologia, etc, e graças aos quais tem sido possível a compreensão e a crítica da sua lógica interna e dos respectivos dispositivos de funcionamento.
Paralelamente a tomada de consciência dos consumidores da sua função económica e do seu papel face aos interesses empresariais levou à verificação de quanto era frágil a sua posição no jogo de interesses em presença. Daí à acção de defesa dos direitos e interesses do consumidores e respectiva consciencialização para o consumo responsável foi um pequeno passo, logo dado, em 1º lugar, nos países onde se regista maior nível cultural e participação das pessoas na vida pública, mas rapidamente propagado para os demais países. Emerge então o movimento consumerista destinado a sensibilizar os próprios consumidores para as múltiplas implicações que o acto de consumo envolve, desde logo,as consequências de carácter ambiental, mas também de ordem económica, social, cultural,etc. Aliás, um outro movimento precedente tinha tido um papel pioneiro na defesa e consciencialização dos consumidor: falamos, como não podia deixar de ser, do cooperativismo (em especial, das cooperativas de consumidores) que, constituiu na sua face inicial, uma viva esperança, alimentada pelos espíritos mais lúcidos da época, contra o poder abusivo das empresas e os efeitos danosos provocados pela mão cega do mercado.
Já mais perto de nós no tempo surgiram novas iniciativas e movimentos como é o caso do comércio justo que são tentativas de criar circuitos comerciais paralelos de forma a satisfazer quer os interesses dos consumidores como inclusivamente dos próprios produtores, muitos deles do mundo subdesenvolvido que são, literalmente, espoliados pelas grandes cadeias de comercialização dos seus produtos e das suas matérias-primas. Tudo isto vem a desaguar numa nova ética do consumidor, mais exigente em termos ambientais, sociais e económicos.
A última iniciativa para alertar as consciências individuais foi a promoção do Buy Nothing Day por ONGs internacionais como forma de relançar o debate e a reflexão acerca da problemática relacionada com o consumo desenfreado. O próximo dia 26 de Novembro foi justamente escolhido para marcar a nível internacional o dia sem compras. Apesar do carácter simbólico, esta iniciativa não deixa de ter um interesse redobrado se constituir um momento para a consciencialização dos indivíduos para o estado actual do planeta e da humanidade, de que o fenómeno consumista é, infelizmente, um triste sinal. Cabe a todos nós assumir a sua quota de responsabilidade nessa situação e retirar daí as suas devidas consequências.
Um Dia Sem Compras é um dia em que sabemos apreciar as coisas do mundo que não têm preço.