17.10.07

Como é que o capitalismo nos infantiliza a todos

Nota prévia: texto publicado no jornal Le Monde a propósito do último livro de Benjamin Barber, editado em França, com o título no original «Consumed: How Markets Corrupt Children, Infantilize Adults, and Swallow Citizens Whole» (2007) . Barber é um autor bem integrado nos meios académicos e políticos dos Estados Unidos (foi conselheiro de Clinton) e que, não obstante, consegue dissecar alguns dos mais nefastos efeitos do actual capitalismo depradatório.


Ao levantarem-se cada manhã a maior parte dos executivos das empresas não têm outra obsessão que não seja a de saber se o consumidor americano irá fazer menos despesas do que na véspera.

Com efeito é graças a esse despesismo que a máquina económica mundial vai rolando ao ritmo impressionante de 5% de crescimento ao ano. Basta uma tímida tosse do consumidor norte-americano para, no outro lado do mundo, o operário chinês arriscar-se a ficar no desemprego para além de outras consequências em cadeia que ninguém está em condições de imaginar. Não é por acaso que o lema mais conhecido da rede de supermercados Wal-Mart é a de se o principal exportador chinês!

Para Benjamin Barber esta visão do mundo, puramente económica, é simplista, e até mesmo algo infantil. Na sua última obra, este conhecido universitário norte-americano – célebre por ter escrito em 1995 um livro com o premonitório título Djihad versus McWorld - tenta mostrar como o capitalismo nos infantiliza. A crítica é contundente. Para ele à «ética protestante» de que falava Max Weber sucedeu uma verdadeiro «ethos infantil». Na realidade, para sobreviver e garantir vendas cada vez maiores, o capitalismo socorre-se de duas soluções: infantilizar os adultos e transformar as crianças em consumidores. Da análise dos filmes produzidos em Hollywood até a uma minuciosa descrição do que os publicitários chamam de «kid empowerment», Benjamin Barber traça um panorama da estratégias de marketing das grandes marcas mundiais que, apesar de não ser totalmente novo, não deixa de ser arrepiante.

Para Barber o fenómeno é mais grave do que se crê, na medida em «o comportamento do consumidor se revela , dentro da cultura patológica da economia consumista, inconciliável com a evolução civilizacional»

As crianças grandes em que nos transformamos são incapazes de pensar o complexo. Por isso, tudo deve ser simples e rápido, seja a informação reduzida ao info-espectáculo, seja as regras de um jogo de basquetebol, ou então os trâmites do casamento tal como a compra de uma arma.

O consumidor-rei não se contenta de se assumir como um rapazote, ele é também assumidamente um egoísta, recusando cada vez menos os compromissos inerentes à vida em sociedade. O ódio ao Estado que deriva do todo-poderoso mercado é muito perigosa, declara Benjami Barber: «Quando se afirma que só as pessoas privadas são livres, e que só as escolhas pessoais como as que tomam os consumidores são autónomas, o certo é que tais ideias atacam não a ditadura mas a democracia»

Num dos capítulos mais interessantes do livro o autor denuncia a privatização por parte do governo norte-americano das habituais funções estaduais, nomeadamente no domínio quer da segurança exterior (o caso dos exércitos privados das empresas de mercenários no Iraque) quer da segurança interior (como se assistiu após o furacão Katrina). Não admira por conseguinte que o governo norte-americano gaste cada ano 100 mil milhões de dólares a mais, a fim de pagar os seus numerosos sub-contratantes, com prejuízo claro para os funcionários públicos cujos pagamento se vêem degradando. « É a própria soberania que se externaliza», conclui Benjamin Barber, que acrescenta ainda que com a privatização da educação, a política de habitação ou das reforma, os norte-americanos «são cada vez menos um povo como eram anteriormente»

Simpatizante de Rousseau, Benjamin Barber não se mostra optimista. Porém, «se a dialéctica tem algum sentido, então isso quer dizer que os consumidores têm eles mesmos as chaves para se libertarem do consumismo».

Referindo-se aos produtos locais, ao activismo anti-consumista, ao micro-crédito ou às empresas da economia social e solidária, o livro inventaria algumas das formas de resistência possível ao capitalismo dominante. Reconhecendo não ter receitas, Barber apela à emergência de «novas formas de governância cívica mundial», apesar de não alimentar muitas ilusões quanto a isso.


COMMENT LE CAPITALISME NOUS INFANTILISE de Benjamin Barber. Fayard, 526 pages

Trabalhar a tempo inteiro em Portugal não termina com a pobreza

Vergonhoso!

«Portugal é o único país da Europa a 15 onde o trabalho não liberta da pobreza. Há, por isso, muitos portugueses que, apesar de trabalharem a tempo inteiro, continuam a viver abaixo do limiar da pobreza (360 euros mensais de acordo com a bitola europeia). Para sobreviverem, estes portugueses têm de recorrer à ajuda de instituições sociais.»

(excerto de um texto publicado hoje no Diário Económico)

Levanta-te

(texto de João Wengorovius Meneses, publicado hoje no Diário Económico)

Hoje é o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza. Enquanto leu esta frase uma pessoa morreu de pobreza extrema – morre uma pessoa em cada 1,7 segundos. Na sua maioria crianças. Outra morreu, entretanto.

Segundo as Nações Unidas, 2,8 mil milhões de pessoas (quase metade da população mundial) vive com menos de 1,5 euros por dia. Para além disso, todos os dias, 50 mil pessoas morrem de pobreza extrema, metade das quais de fome ou causas relacionadas. Diariamente, mais de 800 milhões de pessoas vai para a cama com fome e, anualmente, 6 milhões de crianças morrem de subnutrição antes de completar os cinco anos de idade.

Pobreza é ter fome, é não ter casa, é estar doente e não ter acesso a um médico, é não ter escola, é não saber ler nem escrever, é ver morrer um filho devido a doenças vulgares, é não ter trabalho, é não dispor de qualquer tipo de poder, é não ter liberdade. Os pobres nada têm. Ou, noutro registo, como escreveu Eugenio Montale, “nós os pobres a nossa parte de riqueza / é o cheiro dos limões”.

A pobreza pode resultar de factores económicos (baixos rendimentos ou desemprego), sociais (habitação degradada, doença ou iliteracia), culturais (intolerância ou xenofobia), políticos (corrupção ou falta de sistemas de governo e participação) e ambientais (falta de água, desertificação ou perda de biodiversidade). Com diferentes expressões e graus de urgência, ela é um fenómeno transversal dos países mais ricos aos países mais pobres.

Em 2000, os governos assumiram nas Nações Unidas o Objectivo de Desenvolvimento do Milénio (ODM) de reduzir para metade a pobreza extrema, até 2015. Não é aceitável que este objectivo esteja em risco, quando os recursos para o conseguir são cada vez mais abundantes. É um contra-senso da nossa civilização.

No ano passado, 23,5 milhões de pessoas em todo o mundo assinalaram o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza “levantando-se”. Para quê? Para lembrar aos líderes dos países mais ricos as três promessas que fizeram de combate à pobreza – o perdão da dívida, mais e melhor ajuda externa e comércio mais justo –, e para lembrar aos líderes dos países mais pobres que devem tomar como prioridade combater as desigualdades e a corrupção e ser transparentes e responsáveis na forma como gastam o dinheiro.

Olhando para Portugal, cerca de 20% da população encontra-se em risco de pobreza. Portugal não tem conseguido criar mecanismos eficazes de combate à pobreza, apesar dos 25% do PIB dedicados todos os anos a despesas com a protecção social. É inquietante saber que antes de transferências sociais e pensões, a percentagem de população em risco de pobreza aumenta de 20% para 42%.

O Orçamento de Estado para 2008 procura assumir um maior compromisso com a coesão social, mas os passos são tímidos e insuficientes. Para aumentar, em Portugal, a eficácia das respostas às necessidades sociais seria necessário ultrapassar a burocracia do sector público, a brutalidade do sector privado e o amadorismo do terceiro sector. Para além disso, sector público, privado e terceiro sector teriam de ser capazes de se envolver em parcerias e ter maior propensão para continuamente desenvolver respostas com inovação social.

Segundo o economista Jeffrey Sachs, há recursos suficientes para acabar com a pobreza extrema no mundo, até 2025. Nós somos a primeira geração a quem é dada a oportunidade de acabar com essa afronta à dignidade humana. Estão em causa milhões de seres humanos, bem como todos os poemas de Sophia de Mello Breyner, todos os discursos de Ghandi, todas as conquistas individuais de cada ser humano que atravessou a História procurando ser melhor. Por todos eles, hoje “levanta-te”.

Acabar com a pobreza também depende de ti e de pequenos gestos. Hoje, regista-te em www.pobrezazero.org/levantate e depois “levanta-te”. É um gesto simbólico mas importante. Da minha parte, sempre que começo a achá-lo ridículo lembro-me do mais belo título de Susan Sontag – “Styles of a radical will” – e deixo-me de hesitações.

João Wengorovius Meneses, Gestor na ONG TESE

A pobreza não pára de aumentar em Portugal: há hoje mais de 4 milhões de portugueses pobres


Um quinto dos portugueses vive com menos de 360 euros por mês.
Mas o panorama é ainda pior: é que 32% da população activa entre os 16 e os 34 anos seria pobre se dependesse só do seu trabalho.
Os números são alarmantes. Um terço da população activa (entre os 16 e os 64 anos) seria pobre se dependesse apenas dos rendimentos do trabalho.

De acordo com as estatísticas ontem publicadas pelo INE, sem as pensões de reforma e as transferências sociais do Estado, mais de quatro milhões de portugueses estariam em situação de pobreza


Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), a percentagem de pobres subiu de 2004 para 2005.


Apesar das pensões de reforma e de sobrevivência e das transferências sociais do Estado português, há dois milhões de portugueses no limiar da pobreza, ou seja, com um rendimento de cerca de 360 euros mensais ou 4.321 euros anuais. O estudo do INE refere-se ao ano de 2005, apesar de esta ser uma tendência que se mantém há mais de dez anos


O fosso entre pobres e ricos em Portugal é, além disso, o maior no conjunto dos países da União Europeia. O rendimento dos dois milhões de portugueses mais ricos do país é quase sete vezes maior do que o rendimento dos dois milhões de pessoas mais pobres.

“A situação é alarmante”, garante Fernando Nobre, presidente da AMI (Assistência Médica Internacional). “No último ano, os cem portugueses mais ricos viram a sua fortuna aumentar cerca de um terço [33%], quando a média da população portuguesa só conseguiu aumentar o seu rendimento em cerca de 2% ou 2,5%”, conta o médico fundador da associação.


“A responsabilidade social das elites da sociedade portuguesa não é praticada e nem sequer é assumida”, acusa o presidente da AMI. “A situação é bastante grave: já se sabe, quanto maior é o índice de desigualdade de um país, menor é o seu índice de desenvolvimento”, remata Fernando Nobre.


Portugal está entre os dez países com maior risco de pobreza da UE

O relatório do Instituto Nacional de Estatística é taxativo: Portugal faz parte da lista negra dos países com uma taxa de pobreza superior à média europeia de 16%. A lista dos Estados com maior risco de pobreza é liderada pela Polónia e pelos três países bálticos – Estónia, Letónia e Lituânia, com valores entre os 18 e os 21%. Seguem-se Espanha, Grécia e Irlanda com um quinto da população em risco de pobreza e Portugal e Reino Unido, com uma taxa de limiar de pobreza de 19% e 18%, respectivamente. Os países com menos pessoas em risco de pobreza são precisamente os escandinavos (Suécia, Finlândia e Dinamarca), a República Checa e a Eslováquia.

Greve de estivadores leva à paragem do porto de Lisboa por 5 dias

Greve contra a precariedade e a falta de segurança

A adesão à greve é total.

Os estivadores de Viana de Castelo, Aveiro, Figueira da Foz e Setúbal fazem também greve de solidariedade para com os trabalhadores de Lisboa,


As cargas e descargas no Porto de Lisboa estão paradas desde as 00:00 de terça-feira devido ao primeiro de cinco dias de greve dos estivadores, informou o sindicato do sector.

As empresas que actuam no porto estimam prejuízos directos de 1,5 milhões de euros por dia. No global, as perdas estimadas pelos cinco dias de paralisação ascendem a 7,5 milhões

Em causa está " a precariedade no trabalho e a falta de segurança", afirmou o presidente do Sindicato dos Estivadores. Do total dos trabalhadores no porto apenas 350 têm vínculo laboral, número que não corresponde às reais necessidades durante os picos, diz Vítor Dias. Para fazer face às necessidades 37 trabalhadores têm laborado no porto e assinaram vários contratos a termo. É contra esta situação que o sindicato protesta. Vítor Dias minimiza os efeitos da greve, já que o pré-aviso foi entregue com "dez dias de antecedência". A Comunidade Portuária considera os motivos da paralisação "inconsistentes".


A paralisação, que termina às 00:00 de sábado, foi convocada pelo Sindicato dos Estivadores, Trabalhadores de Tráfego e Conferentes Marítimos do Centro e Sul de Portugal, que exige da Comunidade Portuária de Lisboa, que agrega as entidades empregadoras A-ETPL e AOLP, a entrada imediata para o quadro de pessoal efectivo de sete trabalhadores contratados, que já fizeram formação adequada e que "prestam actividade profissional há mais de dois anos".
Em declarações à Agência Lusa, o presidente do sindicato, Vítor Dias, disse que os 350 estivadores que trabalham no Porto de Lisboa, incluindo contratados, aderiram à greve, pelo que "não há operações de carga e descarga a decorrerem".

Em média, relatou, atracam no Porto de Lisboa dez navios de carga por dia, a maioria provenientes da Madeira, Açores, África e Norte da Europa.

A paralisação obrigou a que as embarcações tivessem de desviar rotas, rumar para outros portos ou aguardar em terra pelo termo do protesto, adiantou o sindicalista.
Na quarta-feira e até domingo, os estivadores de Viana de Castelo, Aveiro, Figueira da Foz e Setúbal cumprem uma greve de solidariedade com os trabalhadores de Lisboa, sempre que a carga seja desviada da capital para aqueles portos.

Vítor Dias considera "revoltante" que não sejam admitidos sete estivadores, com contratos renováveis por um ano, quando os que trabalham no Porto de Lisboa são insuficientes para o volume de trabalho.
De acordo com o dirigente sindical, seriam necessários mais "oitenta a cem trabalhadores permanentes" para o Porto de Lisboa.

Trabalhadores da Maconde avançam para a greve

Os trabalhadores da Maconde, em Vila do Conde avançam para a greve se a empresa não lhes pagar os salários de Setembro.

A decisão foi tomada num plenário realizado à tarde nas instalações desta fábrica têxtil, cuja sobrevivência dependerá de um entendimento com o BCP, CGD e BPI.
Na quarta-feira foi noticiado que a empresa já tinha chegado a um acordo de princípio com esses bancos, assegurando assim a sua solvência.
O Sindicato Nacional dos Profissionais da Indústria e Comércio de Vestuário e Artigos Têxteis (SINPICVAT), todavia, afirma desconhecer esse acordo e as suas possíveis consequências para os trabalhadores, quase 600, dos quais mais de 400 são mulheres.
A têxtil tem um passivo de 32 milhões de euros e segundo disse o presidente da mesa da assembleia geral, Leite Tavares, o acordo com a banca permitirá salvaguardar «a quase totalidade dos postos de trabalho», disponibilizando já 6,6 milhões de euros.
A dirigente sindical Carla Cunha, da Comissão de Trabalhadores, contou que, no plenário, «uma engenheira» garantiu em nome da empresa que, «com ou sem acordo», os ordenados serão pagos na terça-feira.
Os trabalhadores declaram-se «muito desconfiados» e estão prontos para a greve