12.11.07

É preciso que o país real acabe com o país nominal, inventado nas secretarias (Alexandre Herculano)

«Essa imensa tutela de milhares de homens por seis ou sete homens é forçosamente absurda.» Alexandre Herculano




O carneirismo de pseudocidadãos está para esta democracia como a fidelidade dos vassalos esteve para o absolutismo régio.


Algumas citações sobre o carneirismo: uma de Camões (a propósito do gesto vergonhoso de Egas Moniz) , outra de Bocage ( a propósito dos que dão a vida pelo rei injusto e iníquo) , e finalmente uma terceira de Alexandre Herculano ( a propósito do Estado centralizado e a favor do self-government):


«Oh grão fidelidade portuguesa
De vassalo!...»
(Camões a propósito do gesto de Egas Moniz )


«Ah! Segue-o submissa grei
Lusas mãos pendões desferem
E até na injustiça querem
Dar a vida pelo rei»
(Bocage )



Escrevia Alexandre Herculano em 1858, na «Carta aos eleitores de Cintra»:

Quereis encontrar o governo central? Do berço à cova encontrai-lo por todas as fases da vossa vida, raramente para vos proteger, de contínuo para vos incomodar. Nada, a bem dizer, se move na vida colectiva do povo, que não venha de cima o impulso…Essa imensa tutela de milhares de homens por seis ou sete homens é forçosamente absurda…É preciso que o país da realidade , o país dos casais, das aldeias, das vilas, das cidades, das províncias, acabe com o país nominal, inventado nas secretarias, nos quartéis, nos clubes, nos jornais, e constituído pelas diversas camadas do funcionalismo que é, e do funcionalismo que quer e há-de ser…Os partidos, sejam quais forem as suas opiniões e os seus interesses, ganham sempre com a centralização…A administração do país pelo país é a realização material, palpável, efectiva, da liberdade na sua plenitude, sem anarquia, sem revoluções, de que não vem quase nunca senão mal…A centralização, na cópia portuguesa, como hoje existe e como a sofremos, é o fideicomisso legado pelo absolutismo aos governos representativos, mas enriquecido, exagerado; é, perdoai-me a frase, o absolutismo liberal. A diferença está nisto: dantes os frutos que dá o predomínio da centralização supunha-se colhê-los um homem chamado rei; hoje colhem-nos seis ou sete homens chamados ministros. Dantes os cortesãos repartiam entre si os frutos, e diziam ao rei que tudo era dele e para ele; hoje os ministros reservam-nos para si ou distribuem-nos pelos que lhes servem de voz, de braços, de mãos; pelo partido que os defende, e dizem depois que tudo é do país, pelo país e para o país. E não mentem. O país de que falam é o seu país nominal; é a sua clientela, o seu funcionalismo; é o próprio governo; é a tradução moderna da frase de Luís XIV – l’état c’est moi, menos a sinceridade.
( Alexandre Herculano)

A sociedade de consumo


A sociedade de consumo aprende a dominar, ou seja, a prever, vigiar, reduzir ou derivar as grandes motivações do homem. Torna-as em alavancas económicas.
(…) O consumo tende a reconduzir a ele todos os outros instintos, como a um modelo comercialmente perfeito.
(…) A única necessidade para a qual o homem-consumidor se sente impelido é a de comprar consoante a fantasia dos seus desejos do momento. Certamente, a necessidade nem sempre é realizável. Entre a necessidade e o facto de comprar, instala-se a vaga agressividade de um animal que perdeu todos os seus pontos de referência naturais. Perante o critério único do dinheiro, a violência ou a utilização social da pulsão de agressividade torna-se latente, subtil, permanente e imprecisa como uma ameaça.

Debate sobre o Ensino Superior: só há um caminho?(14 Nov. às 15h. em Agronomia)

Debate promovido pelo Movimento Aberto Por outra Vida na Escola


Comunidade de leitores com Manuel António Pina na Biblioteca de Espinho (próxima sessão: dia 16 de Nov. às 22h.)

INSCREVAM-SE E APAREÇAM

De 15 em 15 dias reunir-nos-emos à volta de um livro.
Ele, o livro, será um pretexto para, falando dele, falarmos provavelmente de tudo, de nós mesmos, do Mundo, da relação de cada um consigo e com o Mundo. Para isso servem também os livros: para nos ouvirmos neles.


A próxima sessão será no dia 16 de Novembro, pelas 22 horas, na Biblioteca Municipal de Espinho.

Texto de apresentação desta Comunidade de Leitores, e da autoria de Manuel António Pina:

Acho que é Borges quem escreve que toda a literatura (e toda a arte) se reduz, de um modo ou de outro, a três assuntos elementares: o amor, a morte e, entre ambos, o tempo. E Barthes, salvo erro em "Madame Edwarda" (ou é em "Le petit"?) fala do amor e da morte como assuntos centrais do riso ("ris-te porque tens medo"): o amor e a morte, o primeiro ligado ao aparecimento e o segundo ao desaparecimento do ser, isto é, aos dois precipícios-limite da existência, o antes e o depois do ser.

Por isso, escolhendo como temas o amor e a morte (e o tempo), talvez nos pudéssemos aproximar um pouco daquilo que leva os homens a escrever livros e a ler livros. Mas porque o amor é talvez assunto vasto de mais, e equívoco de mais, e tratado de mais – e, principalmente, porque me parece que a sua presença na poesia será talvez mais estimulante, e mais próxima daquil que nele é mais singular; e ainda porque talvez seja conveniente dar, para já, preferência à ficção por razões de operacionalidade, já que a ficção tem mais leitores do que a poesia –, achei melhor deixar o tema específico do amor a aguardar melhor prova.

De qualquer modo, ele está presente (e como não estaria?) em todos os livros que proponho que leiamos durante a nossa Comunidade de Leitores (proposta inteiramente aberta, claro, às sugestões dos próprios leitores).

Restam a morte e o tempo. Proponho, assim, os temas da morte e da memória. E, já agora, também o do sonho, que é um modo singular de interrogar quer a morte quer a memória. E, se ainda for necessário um quarto tema, o da infância.

Quanto a livros (lista, como ficou dito, aberta a sugestões):

Morte (e amor, e memória): “Morte em Veneza”, de Thomas Mann; "O deserto dos tártaros", de Buzzati; “Narciso e Goldmundo”, de Hermann Hesse; “Bartleby, o escrivão”, de Herman Melville; “O coração das trevas”, de Joseph Conrad; os "Cadernos de Malte Laurids Brigge", de Rilke; “O retrato de Dorian Gray”, de Óscar Wilde; "Debaixo do vulcão", de Malcolm Lowry…

Memória (e amor, e sonho, e morte): "Funes, o memorioso", de Borges, conto incluído em "Ficções", onde também está o conto "As ruínas circulares" para o tema Sonho, pelo que "Ficções" pode servir duplamente; "Os passos em volta", de Herberto Helder; "Memórias do subterrâneo", de Dostoievski; “A um Deus desconhecido”, de John Steinbeck; “Para sempre”, de Vergílio Ferreira; “Elizabeth Costello”, de J. M. Coetzee; "Fahrenheit 451", de Ray Bradbury...

Sonho (e memória, e amor, e morte): “O sorriso aos pés da escada”, de Henry Miller; "Nadja", de Breton; "Carta a Lord Chandos", de Hoffmanstahl; e, se for possível, e se existir tradução portuguesa (irei tentar saber), sobretudo o "Kublai Khan", de Coleridge(ao menos um poema!); além de "As ruínas circulares" do já citado "Ficções", de Borges…

Estou a lembrar-me ainda de outros, com as "Palmeiras bravas" de Faulkner, que poderia servir quer para a´Memória quer para a Morte. Ou, em torno do tema da Infância, de "Esteiros", de Soeiro Pererira Gomes e de "Infância", de Graciliano Ramos, e, principalmente, esse clássico absoluto que é “Winnie-the-Pooh”, de A. A. Milne…



Infelizmente, o formato das Comunidades de Leitores prevê apenas a realização de seis sessões. Que seis livros escolher então entre os antes referidos (e essa é já uma escolha tão escassa!) e todos os que os próprios participantes na Comunidade eventualmente quiserem escolher?

Atrevo-me a sugerir desde já alguns: para a primeira sessão, o “Fahrenheit 451”, de Ray Bradbury, que é um livro sobre livros e sobre o mistério da leitura (o próprio “Fahrenheit 451” inclui uma espécie de paideuma de livros “fundamentais”…).
Depois, para as restantes sessões, se não surgirem sugestões diferentes, talvez alguns dentre estes (por esta ordem ou por outra): “Ficções”, de Jorge Luís Borges; “Morte em Veneza”, de Thomas Mann (se for possível visionar o filme de Visconti teremos pano para mangas sobre as relações do cinema e da literatura, e as condições de um e de outra); “Narciso e Goldmundo”, de Hermann Hesse; “Bartleby”, de Melville, “O coração das trevas”, de Conrad; “O sorriso aos pés da escada”, de Henry Miller; “O retrato de Dorian Gray”, de Óscar Wilde; “Elizabeth Costello”, de J. M. Coetzee; ou, se os participantes estiverem virados para a sabedoria e a ternura, ainda o “Winnie-the-Pooh”, de A. A. Milne.

Escolhi deliberadamente livros breves, que decerto ninguém terá problemas em ler em 15 dias, mesmo com afazeres pessoais e profissionais. A maior parte deles tem um reduzido número de páginas, e os mais longos ou são livros de contos ou, como “O retrato de Dorian Gray”, por exemplo, parecem-me suficientemente interessantes para, depois de aberta a primeira página, ser difícil não continuar a lê-los até ao fim.

Porto, 10 de Outubro de 2007
Manuel António Pina


http://leremespinho.blogspot.com/