17.4.09

As inaugurações do quarteirão Miguel Bombarda vão ter cinema de Guy Debord e Edgar Allan Poe na livraria-bar Gato Vadio (dia 18 de Abril)


Este sábado (18 de Abril) a festa volta ao quarteirão de Miguel Bombarda, com as habituais inaugurações simultâneas de exposições de arte contemporânea, animações de rua e diversas intervenções artísticas, espaços alternativos, ateliers, cafés e restaurantes da zona …
Desta vez com um motivo acrescido de interesse pois na livraria-bar GATO VADIO ( R. do Rosário, 281) vão ser projectados filmes de Guy Debord (às 18h.) e sobre Edgar Alain Poe (às 22h.).
Na mesma livraria-bar estão abertas inscrições para uma OFICINA ABERTA E DIRECTA SOBRE ARTE ( ver abaixo), e ño dia seguinte, Domingo (19 de Abril), no mesmo local, vai haver uma sessão de divulgação de astronomia pelo astrónomo italiano Giancarlo Pace.

http://gatovadiolivraria.blogspot.com/

Sociedade do Espectáculo - Filme de Guy Debord, 1973

Sábado, 18 de Abril, 18h

Gato Vadio - livraria e bar
Rua do rosário, 281 – Porto
telefone: 22 2026016

Entrada livre

Guy Debord (1931-1994)
“Em 1967, mostrei num livro, A Sociedade do Espectáculo, aquilo que o espectáculo moderno era já essencialmente: o reino autocrático da economia mercantil, tendo acedido a um estatuto de soberania irresponsável, e o conjunto das novas técnicas de governo que acompanham este reino. As alterações de 1968, que se prolongaram em diversos países no decurso dos anos seguintes, não derrubaram em nenhum lugar a organização existente da sociedade, donde o espectáculo brota como que espontaneamente; ele continuou, portanto, a reforçar-se por todos os lados, quer dizer, ao mesmo tempo que se estendeu até aos extremos em todas as direcções, aumentou a sua densidade no centro. O espectáculo aprendeu mesmo novos procedimentos defensivos, como acontece com frequência aos poderes atacados.(…) a sociedade do espectáculo não deixou de continuar a sua marcha.” Guy Debord, 1988




História de um espectáculo pouco famoso

O espectáculo está montado e o deserto cresce com a proletarização do espectador. O evento Famous Bombarda é o evento por excelência. Tudo é consensual e, no palco do “quarteirão das artes”, a arte é imediatamente assimilada, aceita, integrada, consumida.

Orgia do vazio da arte, em que a encenação do lugar-comum da alternativa artística, não passa de um exportável empreendimento de marketing que vende no discurso (e com ele) a luta contra a mercadoria e um ideário de contestação cultural. Nada é contestado. Trata-se de obscurecer, a propósito de arte, aquilo com que opera: a lógica da mercadoria, do mercado e do mercador.

O espantoso não é o evento trazer a si a prática de que nenhum de nós abdica, passiva ou acriticamente, jogar ainda o jogo da mercadoria. Incompreensível é o evento Bombarda, em vez de apelar à abertura à arte e ao debate crítico, estimular a fascinação pelo espectáculo; e, em vez de levar as pessoas à propriedade da arte, conduzi-las à arte da propriedade. Degradado é o discurso que instaura o monopólio da aparência e investe no espaço cénico para obscurecer aquilo que só o voyeur não quer ver.

E o voyeur vem. Vem, e não vê nada além do que quer ver. Vem, e não pode escapar à recuperação do sistema do espectáculo. O seu lugar na história do espectáculo é legitimar e conservar os modos e fundamentos relacionais do Poder, seja ele político ou cultural.

Não somos críticos de arte e nada há a apontar aos galeristas. São os únicos que cumprem com o seu papel e que sabem com o que cumprem.

Perceberam aquilo que o voyeur (espectador ou artista, ou artista-espectador, ou espectador-artista…) não sonha perceber: usar e abusar de uma prática e de uma técnica política que implode a relação com a Arte e com os seus fazedores. Não importa sequer a Arte nem os artistas. O jogo da mercadoria excluiu-os e é independente de quem expõe e das obras expostas. O sucesso (além dos legitimados objectivos comerciais) é retumbante. A Bombarda implode e o espectáculo subverte aquilo que a arte pode significar de irrisão de formas e de criação, a Arte como poder de romper com os campos de controlo e com a possibilidade de pôr em causa os absolutos – o absoluto – e, ao mesmo tempo, carregar consigo a recusa de outro absoluto.


Que pode um artista contra o Famous Grouse? Que pode um artista contra a Cultura e o Lazer? Que pode uma artista a favor do turismo? Que pode um espectador contra o espectáculo?

Arte, como possibilidade de auto-determinação.

Que pode um artista contra o Famous Grouse? E um espectador contra o espectáculo?

Que diferença existe entre o espectador (ou o voyeur) e o crente que nos possa ser útil para dar uma imagem da ganga com que se esgarça o cocktail Bombarda? O religioso acredita na sua fé, e a crença corresponde a uma experiência íntima que o crente não separa da realidade, da sua realidade; o voyeur encena ou adere a uma encenação ritualizada sem a ela se jurar. Nesse sentido, é mais verosímil haver reversibilidade de resposta – de dobra, de qualquer coisa outra – no Salão do Reino de Jeová, ao lado da galeria Fernando Santos, do que no tropel do evento Bombarda. Os primeiros, acreditam em fundamentos e, por mais sectários que sejam, admitem por princípio o jogo da reversibilidade do seu pensamento. Isto é, por mais cristalizada que possa ser, essa ideologia não exclui do seu imaginário o policiamento de outras religiões ou mesmo da não-religião, o horizonte ideológico está sempre aquém de algo outro. Os segundos, o espectador, como não tem crença e encena possuí-la (na arte, no dinheiro, no poder?, trilogia intermutável para o caso…) está para além da possibilidade da troca e não admite a reversibilidade dessa lógica do espectáculo, vai ver as montras e coloca o horizonte do seu imaginário na apoteose que sobeja: estão no deserto do mercado como todos nós, mas têm a displicência de o não distinguir, a graça de dramatizar a sua própria degradação, a petulância de refutar a lógica mercantil participando nela. É uma espécie de folclore desubstancializado; já que o folclore é uma legitimação pela encenação do que se perdeu e, no fundo, onde já nada é jurado senão a própria condição do folclore. Estamos no folclore do vazio, do deserto. O onanismo do impotente.

De um lado, teologia de um Deus; do outro, teologia do dinheiro. No altar do Reino coloca-se a representação divina (suprema ironia, os jeovás são mais iconoclastas do que a arte, pois ultrapassaram o ícone); no outro, prega-se a arte como representação do dinheiro. Silogismo taberneiro – num celebra-se o rito com vinho missal (embora, tanto quanto sabemos, os jeovás não comemoram); no outro, o scotsh comemora a mercadoria.

Onde cresce o monopólio da aparência, expande-se a indiferenciação e o acriticismo; onde o vazio social estiola, instaura-se o controlo do mercado; onde prolifera o deserto de ideias face à política mercantil, não poderá crescer a Arte, mas um produto acabado.

Tudo quer ir para a cama com a Arte: política; crítica; media; alta e baixa cultura; alternativa-burguesa…

Tal como o marketing e a publicidade se apropriaram do surrealismo num par de décadas, o evento Bombarda apropria-se da técnica política do Capitalismo.

Ao quebrar a relação com a Arte – no sentido acima proposto – compreende-se facilmente que venha o Ministro, o presidente de Câmara, os holofotes, aqueles que acreditam nos fundamentos actuais do pior do capitalismo – sempre que ouço falar em cultura puxo da calculadora…. É o beijo sacrificial ao estado das coisas. Paródia da emancipação artística. Ingenuidade ao não reconhecer que a própria política já não existe, que o poder dela retirou-se: o poder está no fluxo do capital e da mercadoria e nas suas estratégias.

Parafraseando um poeta vivo, tudo quer ir para a cama com a arte: política; crítica; media; alta e baixa cultura; alternativa-burguesa, etc…E a tesão? E o desejo? Não desaparecerão irremediavelmente quando a arte já não consegue propor-se ficar de fora da integração voraz da mercadoria? Que Arte subsiste, quando ela é instigada pela mercadoria, pela mercadoria absorvida?

A Arte deixou há muito de pôr em causa a estrutura política e mercantil. Não só se mercantilizou como – pura ironia – tornou-se na vanguarda da criatividade mercantil, já que o mercantilismo usa e abusa da Arte para produzir o seu discurso, a sua comunicação, e a sua legitimação.

A arte é o marketing político e publicitário mais bem sucedido do mundo mercantil. É o futuro da política e da sua regeneração ad nauseum.

A arte promovida pelas galerias (não necessariamente regra do quarteirão da Miguel Bombarda) executa ainda a performance de esconder o acto da transacção, “sonega” as próprias obras, já que é comum as exposições serem efectuadas quando as obras que a compõem já foram previamente vendidas. Ocultação do cadáver esquisito? Ocultismo mercantil? Ou arte privada privatizada?


Fica a nu que a maioria daqueles que vão à Bombarda, não vão lá para adquirir um produto – já que ele não está muito das vezes disponível – nem para ver arte, vão pelo espectáculo de ver. Não consomem arte (só uma elite dentro de uma elite terá acesso a esse consumo), mas consomem espectáculo. E a forma e o conteúdo desse espectáculo “são identicamente a justificação total das condições e das formas do sistema existente” (Debord).

Na melhor hipótese, mimetismo do fundamento em que assenta a sociedade capitalista e a sua economia de produção: tu sabes que este “naco” da civilização não é para todos, mas deverás comportar-te de forma que possas um dia obtê-lo, assim jogarás a tua vida e darás o litro para produzir e contribuir para a imparável produção de nacos da civilização que virtualmente – e aqui subsiste uma crença sem ideal, no deserto e no desespero haverá sempre crença no ilusório – poderão um dia ser teus. Assim, acenamos-te com quadros – e os cavaletes, cabe perguntar, durarão quantos séculos? – para teu deslumbre e nosso sustento.

Estamos no ciclo vicioso. Na Bombarda vê-se (e vende-se) não só o beco sem saída, como também a criatividade com que se sustenta o beco, metáfora do sistema capitalista global que já não faz mais do que gerir a sua própria degradação irreversível.

Arte, metadona da pós-burguesia

Se a religião foi o ópio do povo, a arte é a metadona da pós-burguesia. É pós, porque a burguesia já não existe – “Burgueses somos todos”, dizia e bem o poeta e pintor Cesariny – subsiste a encenação dela na degradação dos conceitos a ela associados. Pós-burguês, porque a burguesia, por mais criticáveis que fossem, construiu um conjunto de valores. Hoje, o pós-burguês tornou-se num ready-made dos tempos actuais.

E nos famosos tempos actuais, as pessoas aderem – as pessoas não participam, aderem, e o que adere é o adereço; conquista da cultura do efémero, do facilitismo e do liberalismo individualista. À sua conta e medida, cada um usa em sistema self-service a dimensão da sua fita-adesiva – nada é público, nada afecta o social e o outro, assim adere-se a tudo o que não exige troca (nem troco…) a tudo o que ao fim ao cabo não põe em causa nem a nossa redundância nem a ordem dominante das coisas. Adere-se sempre que nada se passa. E o espectáculo é o melhor sonho da sociedade moderna bombardeada – de objectos e de informação, de discursos e de “literatura”, de santos ou de hereges, de produtos com ou sem whisky –, sonho “que finalmente não exprime senão o seu desejo de dormir. O espectáculo é o guardião deste sono”. (Debord).

A cultura sempre foi a face mais folclórica e simbólica de uma sociedade. Aí se conserva como em vinha-d’alhos. Em Portugal, a chamada cultura popular possuiu sempre a fascinante capacidade para não-evoluir, apetência para uma contínua reiteração dos seus rituais e da autenticidade do seu sentido. Nunca se desfez do seu património, e nunca soube mercantilizá-lo. Ao fim ao cabo, a cultura popular nunca quis ou nunca soube ser folclórica.

A baixa-cultura – seja ela rotulada de grotesca, boçal, piolhosa, bondosa, generosa, acolhedora, genuína, artesanal, arcaica – foi sempre jurada, nela havia crença e, por isso, a decadência estava excluída do seu processo de sobrevivência face à cultura dominante: tecnologicamente agressiva e destrutiva, fundamentada na produção em auto-poiesis, no lucro, na voracidade e na dejecção permanente da mercadoria. Na cultura popular, o ser não desaparece no processo de sobrevivência, ritualiza-se no seu corpo e morre de pé.

Sabemos que a materialização dos desejos e do imaginário da Miguel Bombarda depende cada vez mais da Famous Grouse, da destilação de uma realidade técnica e funcional: do dinheiro e do seu poder simbólico. Estimula-se e exige-se gratuitamente a aparição do espectador da alta-cultura, e o espectador é aquele que cumpre o seu papel não tendo resposta para além da realidade dada e da sua própria qualidade de espectador, é aquele que se condena a sentir-se realizado além da alienação. A falácia não está em fazer parte da encenação – havia aí jogo e estratégia crítica – mas em simplesmente a ela aderir sem nela acreditar. São montras, e montras sem espelho, sem metafísica, sem chocolates…

Nem sequer é preciso pagar para nos sentirmos melhor. É tudo à borla e o próprio whisky é um puro ou gélido acaso da nossa alegria momentânea.

Um pouco ébrios e cambaleantes, talvez seja mais fácil assim para esquecer que fazemos parte da encenação, esquecer que para haver espectáculo é preciso haver espectador, e ao sabor da corrente e com a imaginação já longe, talvez um pouco embotada por mais um pouco de malte, talvez não nos ocorra que se o espectador não compra o seu espectáculo, é porque foi comprado, porque a mercadoria do espectáculo tem essa condição fascinada de duplicar-se no espectador. Depois, rua acima, rua abaixo, reproduzir o discurso do lugar-comum, o discurso de legitimação, se quisermos, o discurso do político: alternativa; cena cultural; novas dinâmicas, novos conceitos; indústrias culturais e criativas; Bombarte; Famous Miguel Bombarda…

Não é tanto a posição de acreditar na lógica capitalista à escala tripeira, mas investir numa encenação e num discurso que encobre na essência essa fé em nome da Arte que nos encosta ao estômago.

É juntar no mesmo palco o galerista, o artista, o espectador, o destilador, e todos declararem que estão a lutar contra a mercadoria porque estão todos com a Arte e envolvidos num processo de “criação” artística.

Para que fique claro, os galeristas cumprem o seu papel, exploratório, especulativo, comercial, ou seja, promovem a cultura.

A eles nada há a apontar. Os bastidores do espectáculo pertencem-lhes. A vós, artistas e espectadores, cabe aplaudir.
Os Vadios. 17 de Abril de 2009. Porto

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Oficina Aberta e Directa sobre Arte

Proposta Aberta:Oficina Aberta e Directa sobre Arte


Convida-se todos os artistas, pensadores, críticos, professores e indivíduos interessados, a participar na criação colectiva e em diálogo aberto de uma oficina aberta e regular de informação e debate crítico sobre a Arte no quarteirão da Miguel Bombarda.A Oficina estará aberta ao público em geral, com particular interesse em envolver os jovens do ensino secundário e universitário a quem chega cada vez mais a arte da cultura e cada vez menos a cultura da Arte.

Os interessados devem enviar um email com o nome e contacto para o email:
gatovadio.livraria@gmail.com com o assunto: Oficina Aberta sobre Arte.




Sábado, 18 de Abril, às 22h na livraria-bar GATO VADIO

Edgar Allan Poe
Vídeos + Poesia
Sábado, 18 de Abril, 22h

Entrada: 0,50€ (sessão Videolab)


“Era um homem gasto e amarelado, uma coisa sagrada e quase esquecida; velhas e longas cicatrizes cruzavam-lhe o peito.”, Jorge Luís Borges


O Projecto Videolab regressa ao Gato Vadio desta vez para propor uma selecção de filmes de animação e de vídeos à volta da vida e obra de Edgar Allan Poe. Do programa completo e não querendo subestimar os restantes filmes que serão exibidos, salientamos alguns filmes que foram amplamente premiados em festivais de animação ou certames de cinema, como THE RAVEN de Peter Bradley, THE PIT AND THE PENDULUM (O Poço e o Pêndulo) de Marc Lougee, EL CORAZON DELATOR (The Tell-Tale Heart) de Alfonso S. Suarez, DER VERRÜCKTE, DAS HERZ UND DAS AUGE (The Tell-Tale Heart) de Annette Jung.

Ao longo da noite serão ainda lidos alguns poemas e apresentados alguns livros de Edgar Allan Poe editados pela Alma Azul.


PROGRAMA – EDGAR ALLAN POE - VIDEOLAB


IL RITRATTO OVALE (The Oval Portrait) de Giorgio Galbiati 3’06 2006 Itália www.poisonvideo.it/index.htm

DER VERRÜCKTE, DAS HERZ UND DAS AUGE (The Tell-Tale Heart) de Annette Jung 8’ Animação 2006 Alemanha

A DREAM WITHIN A DREAM de Chuck Kluesner 2'51 Poesia Audio-visual 2008 EUA http://www.flashpoetry.net/

ANNABEL LEE de George Higham 20' Animação 2001 EUA
http://www.poepuppet.com/

EL CORAZON DELATOR (The Tell Tale Heart) de Alfonso S. Suarez 10’ Suspense 2001 Espanha

THE PIT AND THE PENDULUM (O Poço e o Pêndulo) de Marc Lougee 7’04 Animação 2006 Canadá

MIDNIGHT de Eyrun Eyjolfsdottir 11'40 Animação 2005 Islândia

THE RAVEN de Peter Bradley 11’ Horror gótico 2003 EUA

THE MAN OF THE CROWD de George Snow 11’ Drama 1987 Inglaterra
www.george-snow.com/

THE ASSIGNATION de George Snow 12’ Drama 1988 Inglaterra
www.george-snow.com/

THE CASK OF AMONTILLADO de Mario Cavalli 15’ Horror 1999 GB/Itália
http://colonymedia.co.uk/mariocavalli/

DO ABISMO OS HORRORES de Marco Martins 10’ Experimental 2005 Brasil
http://vinilfilmes.blogspot.com/

Ver:
ProjectoVideolab:
Organização:
Alma Azul, Projecto Videolab e Gato Vadio


Da Evolução Cósmica à ideia de Progresso – desconstrução de alguns mitos
Por Giancarlo Pace – Astrónomo


Domingo, dia 19 de Abril, 17h
Gato Vadio
Entrada livre