27.5.05

Polícia (FBI) vigiou Picasso durante 25 anos



Apesar de Pablo Picasso ter nascido em Espanha, ter vivido a maior parte da sua vidaem França e nunca ter visitado os Estados Unidos, o Departamento Federal de Investigação e o Departamento de Estado dos Estados Unidos conservaram um volumoso e secreto dossier sobre Picasso.
Esses documentos comprovam uma tentativa de preverem o impacte e os efeitos na opinião pública norte-americana da adesão do pintor ao PCF em 1944.

Os cidadãos americanos tiveram ( e têm, certamente), nos organismos estaduais de polícia e de informações, processos e dossiers relativos às suas pessoas por motivo das suas ideias políticas – facto que se iniciou já nos anos 20 com a ascensão de J. Edgar Hoover ao cargo de director do FBI.

Mas, recentemente, alguns documentos desclassificados revelaram que grandes nomes das Artes europeias também eram submetidos a severa vigilância, sem o saberem, no seu próprio país onde residiam, já para não falar quando se deslocavam aos USA. Assim é possível descobrir que o FBI tinha processos e dossier abertos sobre escritores como Thomas Mann, Sinclair Lewis, Ernest Hemingway, William Faulkner, John Steinbeck, Pearl Buck, e pintores como Alexandre Calder, Bem Shahn, Geórgia O’Keefe, Henry Moore.

O dossier relativo a Picasso revela que a Agência Federal norte-americana vigou Picasso durante 25 anos, analisando o que ele escrevia, o que declarava e o que assinava, interessando-se ainda pelas suas relações com outras personalidades do mundo das artes como o artista Fernand Léger, o escritor Louis Aragon, o arquitecto Le Corbusier,o actor-realizador Charlie Chaplin.

O dossier sobre Picasso é classificado pelo FBI como «assunto de segurança – C » ( isto é, comunista) e como um possível subversivo – de acordo com os seus padrões, uma ameaça para a segurança e bem-estar dos Estados Unidos.

Tal como muitos outros registos do FBI, o dossier contém informações repetidas e desconexas. O capítulo biográfico do dossier inclui observações acerca da sua vida pessoal: «Vive tranquilamente com uma mulher mitos anos mais nova, também ela artista e comunista, de quem tem dois filhos.».

Outros documentos referem as relações internacionais do artista. Num memorando datado de 1945 pode-se ler: « Como se sabe, os comunistas adoptaram como emblema da sua campanha internacional uma pomba branca, obra do pintor espanhol Pablo Picasso. O pássaro pintado por Picasso pertence a uma espécie conhecida como Russian Trumpeter.» Parece dar-se a entender que o pombo é um simpatizante comunista!

O seu dossier continuou a ser alvo de referências até 1971. Isto apesar de Picasso ter abandonado o PCF depois da invasão soviética da Hungria em 1956.

A explicação dada foi que Picasso seguia a tradição anarquista espanhola. Era um comunista, mas não seguia a linha do partido.

Amigos do pintor não hesitaram em dizer que Picasso se tivesse sabido que o FBI o vigiava ter-se-ia rido às gargalhadas. Mais: teria, sem dúvida, pedido que lhe pintassem o nariz de vermelho e contado piadas e anedotas acerca disso.

(texto elaborado a partir de um artigo do New York Times, traduzido e reproduzido no Diário de Notícias de 23 de Dezembro de 1990)

Raiz e Utopia



«Raiz e Utopia» foi uma notável revista trimestral que começou a ser editada a partir da Primavera de 1977 pela mão de António José Saraiva, Carlos L. Medeiros e José Baptista, e que se definia como uma revista de «crítica e de alternativas para uma civilização diferente».
Foram publicados vários números, tendo pouco depois a revista ficado a cargo de Helena Vaz da Silva, do Centro Nacional de Cultura.
Ao longo da sua existência a revista conseguiu manter um nível de muita boa qualidade, com textos e ensaios de muito interesse, organizando números temáticos e dossiers sobre vários problemas sócio-culturais.
Publicamos por ora um pequeno excerto do Manifesto Raiz e Utopia que foi publicado no 1º número da revista.

NOTA: Pimenta Negra vai proximamente editar o texto integral desse Manifesto, dado o elevado interesse histórico e cultural de que ele se reveste.


Raiz e Utopia ( manifesto)
Autores:
António José saraiva
Carlos L. Medeiros
José Baptista


Os burocratas, tecnocratas e salvadores políticos dos vários mundos, independentemente das suas diferenças de situação e doutrina, estão empenhados em consolidar um sistema em que a grande maioria dos homens executa mecanicamente as decisões tomadas por alguns. Torna-se cada vez mais urgente restituir a cada homem a sua humanidade, quadriculada e esquartejada num mundo cada vez mais programado.
«Raiz e Utopia» não propões uma nova doutrina no plano político e ideológico em que se exibem os actores do dia. Não contribui para o discurso dominante. Tão-pouco alinha com o que é moda chamar «ciência». Recusa a ilusão do «progresso» considerando que a famosa «marcha da humanidade» é um comboio num túnel em forma de funil. Os problemas de raiz estão hoje escamoteados no discurso tecnoburocrata. É preciso mudar radicalmente a problemática a partir do quotidiano, transformar a atitude do espírito perante as coisas. A utopia não é um impossível: é um norte, a leste ou a oeste das ilusões confortáveis que hoje são servidas como ópio às massas resignadas.