23.10.10

Declaração pública de Paulo Varela Gomes

Texto publicado no jornal Público de 23 de Outubro de 2010

Sobre Paulo Varela Gomes:
Licenciado em história pela Universidade Clássica de Lisboa (1978), mestre em história da arte pela Universidade Nova de Lisboa (1988), doutorado em história da arquitectura pela Universidade de Coimbra (1999). Docente do DARQ desde 1991, professor convidado do Dep. Autónomo de Arquitectura da Universidade do Minho desde 2001, docente convidado de outras universidades portuguesas e estrangeiras. A principal área de investigação e publicação tem sido a história da arquitectura e da cultura arquitectónica portuguesa dos séculos XVII e XVIII.


DECLARAÇÃO


As medidas que o Estado português se prepara para tomar não servem para nada. Passaremos anos a trabalhar para pagar a dívida, é só. Acresce que a dívida é o menor dos nossos problemas. Portugal, a Grécia, a Irlanda são apenas o elo mais fraco da cadeia, aquele que parte mais depressa. É a Europa inteira que vai entrar em crise.

O capitalismo global localiza parte da sua produção no antigo Terceiro Mundo e este exporta para Europa mercadorias e serviços, criados lá pelos capitalistas de lá ou pelos capitalistas de cá, que são muito mais baratos do que os europeus, porque a mão-de-obra longínqua não custa nada. À medida que países como a China refinarem os seus recursos produtivos, menos viável será este modelo e ainda menos competitiva a Europa. Os capitalistas e os seus lacaios de luxo (os governos) sabem isso muito bem. O seu objectivo principal não é salvar a Europa, mas os seus investimentos e o seu alvo principal são os trabalhadores europeus com os quais querem despender o mínimo possível para poderem ganhar mais na batalha global. É por isso que o “modelo social europeu” está ameaçado, não essencialmente por causa das pirâmides etárias e outras desculpas de mau pagador. Posto isto, tenho a seguinte declaração a fazer:

Sou professor há mais de 30 anos, 15 dos quais na universidade.

Sou dos melhores da minha profissão e um investigador de topo na minha área. Emigraria amanhã, se não fosse velho de mais, ou reformar-me-ia imediatamente, se o Estado não me tivesse já defraudado desse direito duas vezes, rompendo contratos que tinha comigo, bem como com todos os funcionários públicos.

Não tenho muito mais rendimentos para além do meu salário. Depois de contas rigorosamente feitas, percebi que vou ficar desprovido de 25% do meu rendimento mensal e vou provavelmente perder o único luxo que tenho, a casa que construí e onde pensei viver o resto da minha vida.
Nunca fiz férias se não na Europa próxima ou na Índia (quando trabalhava lá), e sempre por
pouco tempo. Há muito que não tenho outros luxos. Por exemplo: há muito que deixei de comprar livros.

Deste modo, declaro:

1) o Estado deixou de poder contar comigo para trabalhar para além dos mínimos indispensáveis. Estou doravante em greve de zelo e em greve a todos os trabalhos extraordinários;

2) estou disponível para ajudar a construir e para integrar as redes e programas de auxílio mútuo que possam surgir no meu concelho;

3) enquanto parte de movimentos organizados colectivamente, estou pronto para deixar de pagar as dívidas à banca, fazer não um, mas vários dias de greve (desde que acompanhados pela ocupação das instalações de trabalho), ajudar a bloquear estradas, pontes, linhas de caminho-de-ferro, refinarias, cercar os edifícios representativos do Estado e as residências pessoais dos governantes, e resistir pacificamente (mas resistir) à violência do Estado.

Gostaria de ver dezenas de milhares de compatriotas meus a fazer declarações semelhantes

Acção de teatro invisível sobre o desemprego na sala de espera de um centro de segurança social



Quebrando o Isolamento, Experimentando a Acção

Ensaio sobre o desemprego
na sala de espera de centro de segurança social



Na sequência de uma Oficina do Teatro Oprimido realizada nos dias 26, 27 e 28 de Setembro no Sindicato da Hotelaria do Sul, em Lisboa, realizou-se uma acção de teatro Invisível na Sala de Espera de um Centro da Segurança Social no dia 30 de Setembro. O vídeo que abaixo se reproduz dá conta dessa Acção de teatro Invisível.


A acção testemunhada neste vídeo realizou-se na manhã de 30 de Setembro de 2010, um dia após a divulgação do 3º pacote de medidas relativas ao Pacto de Estabilidade e Crescimento. Estava então a acabar o prazo para a entrega da prova de “condição de recursos” pelos beneficiários de prestações sociais. O PEC3 veio, entre outras medidas, anunciar aumento de impostos, um indicador de que sobreviver se tornará mais caro e mais difícil.

A iniciativa partiu dos/as participantes no “ensaio sobre o desemprego”, uma oficina de teatro forum/teatro do oprimido dirigida essencialmente a desempregados/as, mas também a trabalhadores/as precários/as. Pretendíamos realizar uma acção que ajudasse a dar visibilidade à burocracia que enfrentam as pessoas desempregadas, o pesadelo que é enfrentar uma máquina burocrática que nos olha com desconfiança. Resolvemos unir o útil, ao igualmente útil e necessário: alguns/mas de nós tinham de enfrentar a tal máquina burocrática, precisavam de ir recolher senha, esperar, e tentar não desesperar.

O vídeo não necessita de muitos comentários. As imagens e as palavras falam por si. Mas há algumas informações que podem ajudar a contextualizar. Segundo dados recolhidos no centro de atendimento em questão, a média de utentes em espera passou de 80 para 180 pessoas, após a entrada em vigor da exigência aos beneficiários de prestações sociais não contributivas, de prova de condições de recursos. Não temos dados sobre os tempos de espera, mas sabemos que muitos foram os dias em que às 10h/11h/12h, já não era sequer possível obter uma senha que habilitasse a ser atendido/a no mesmo dia







Oficina de Teatro d@ Oprimid@/Teatro Fórum
26, 27 e 28 de Setembro, Lisboa

Esta proposta de Oficina de Teatro do Oprimido foi elaborada na sequência da experiência do “Desempregados pelo trabalho justo” e, para defender a urgência de acção colectiva, parte-se da constatação do crescimento do desemprego, e do forte ataque de direitos e de dignidade a que têm sido sujeitas as pessoas desempregadas. O ambiente social é de pressão sobre quem tem trabalho, e de ostracismo relativamente a quem não o tem. O clima geral é o da promoção do medo, do salve-se quem puder, da acomodação. Neste contexto, e reconhecendo-se que há muito pouca reflexão sobre a experiência social do desemprego, pretende-se reunir pessoas que o vivenciam para ensaiar formas de o compreender, para ensaiar perspectivas de mudança. Pretende-se quebrar o isolamento – um dos principais obstáculos à construção de acção colectiva - e construir solidariedades, partindo de quem vive a experiência do desemprego.

O que se propõe é a realização um ensaio sobre o desemprego, em duas acepções do termo: ensaio enquanto esboço crítico; ensaio enquanto tentativa ou experiência de transformação social. Para isso será usado o método do teatro do oprimido, um método teatral que reúne exercícios, jogos e técnicas elaboradas pelo teatrólogo brasileiro Augusto Boal. O teatro é aqui encarado enquanto forma de conhecimento, enquanto instrumento de transformação da sociedade, o teatro na acepção mais arcaica da palavra: todos os seres humanos são actores, porque agem, e espectadores, porque observam. Com explica Augusto Boal, o teatro deve trazer felicidade, deve ajudar-nos a conhecermos melhor a nós mesmo e ao nosso tempo. (...) O teatro é uma forma de conhecimento e deve ser também ser um meio de transformar a sociedade. Pode nos ajudar a construir o futuro, em vez de mansamente esperarmos por ele. (Em Jogos para atores e não atores, de Augusto Boal). O objectivo imediato é o ensaio crítico, o empoderamento, a quebra de isolamento, mas objectivo mais vasto é o ensaio de acção colectiva.

http://ensaiosobreodesemprego.blogspot.com/