18.4.05

Consumidores de todos os países, uni-vos!



A greve selvagem dos trabalhadores da Opel ( nos meados do mês de Outubro de 2004) representa uma tragédia real que acaba por irromper nas nossa vidas e nos jornais das televisões: o afundamento de todo um sistema. Pode-se observar ao vivo uma das mudanças mais importantes da história do poder: o derrube da teoria clássica da dominação tal como foi exposta pelos textos de Max Weber – uma mudança que vai, aliás, permitir às empresas multinacionais maximizar o seu poder. Com efeito, o meio de pressão dos investidores já não é a ameaça de uma intervenção, mas antes a ameaça de uma não-intervenção, isto é, a ameaça de se retirarem. Daqui em diante, pior que a invasão pelas multinacionais, só a ameaça de não ser invadido por elas.
Uma tal forma de dominação não deriva da execução de certas ordens, mas da possibilidade de investimentos mais vantajosos noutros países, e, logo, a ameaça de não investir num certo local. O novo poder dos grandes grupos não repousa pois, como acontece com o Estado, no recurso à violência para obrigar alguém a actuar tal como se pretende. Daí se dizer que este poder é mito mais suave, pois não se exerce sobre um determinado lugar, mas é exercido em todo o mundo. O potencial da chantagem de que este poder se reveste adequa-se à lógica dos negócios económicos: dizer sempre não em todo o lado, não investir, e sem sentir sequer a necessidade de justificar publicamente os seus actos – este é a principal característica dos actuais actores da economia mundial.
E é isto que explica o descontentamento crescente que a política e a democracia suscitam: os eleitos que votamos ficam sentados como se fossem espectadores, impotentes e desamparados, enquanto aqueles que não foram eleitos tomam as decisões-chaves que influenciam as nossas vidas.
O chanceler alemão Schroder não é único a acusar os grupos multinacionais de adoptarem comportamentos antipatrióticos, mas a verdade é que esta acusação é absurda. Ela pertence a um mundo que já não é o actual e só mostra uma vez mais até que ponto os responsáveis políticos não conseguem compreender o seu papel nem o de todos nós, em plena modernidade deste mundo globalizado.
Grupos alemães como a Siemens e a BMW realizam dois terços ou três quartos do total do seu volume de negócios nos países estrangeiros – o que é bom para o emprego desses países, e mau para o emprego na Alemanha, bom para os lucros daqueles grupos, e mau para os impostos alemães. A ameaça de desemprego na Opel mostra involuntariamente o absurdo das políticas económicas nacionais. Apelar aos dirigentes políticos nacionais, nestas circunstâncias, significa pedir a estes para salvar os grandes grupos, os quais preferem transferir os empregos para o estrangeiro e baixar os custos de produção.
Os trabalhadores – que tentam revoltar-se contra a nova ordem económica mundial recorrendo à antiga arma , a greve, que se revela agora suicidaria - chama-nos a atenção para um facto cujo significado não pode ser negligenciado: enquanto persistirmos em adoptar uma perspectiva nacionalista, jamais compreenderemos o mundo. Os trabalhadores estão a descobrir dolorosamente que o mundial e o local estão directa e indefectivelmente ligados para além de todas as legislações e resoluções tomadas pelo Estado nacional. Por isso é que é preciso uma nova perspectiva – que eu designo por «um olhar cosmopolita» - para compreender estas importantes mudanças que se estão a produzir nas nossas vidas e que colocam em risco os nossos meios de subsistência.
Será possível construir um contra-poder ao capital que opera à escala global? Sim, é possível, através de um movimento social baseado no conceito de «consumidor político» Uma decisão de compra traduz-se hoje num boletim de voto com o qual o comprador-consumidor emite a sua opinião sobre a orientação e a política dos grandes grupos. O enorme poder das multinacionais de não investir tem um equivalente do outro lado, nas mãos dos indivíduos e dos movimentos internacionais de boicote, que é o de não comprar . Ora será fatal ao capital global que se mostra extremamente móvel o facto de não possuírem nenhuma estratégia para se oporem as crescente contra-poder dos consumidores. Os poderosos grupos mundiais mostram-se impotentes, pois não podem despedir os seus clientes! Ameaçar deslocalizar para outros países, em que os consumidores são ainda mais intervenientes, acabará por se revelar suicidário. Na verdade, organizadas em redes transnacionais, os consumidores podem constituir um poderoso conta-poder.
As empresas multinacionais obtêm grandes lucros graças à globalização do consumo, mas ao mesmo tempo este facto é o seu calcanhar de Aquiles. E Não será de espantar que estes movimentos sociais possam atacar a legitimidade destes lucros e acabar por impor certos acordos às multinacionais relativos às questões dos direitos do homem, do ambiente, da segurança social, e do emprego.
Estados ,municipalidades, sindicatos, trabalhadores devem retirar esta conclusão: actores sociais isolados, nacionais, revelam-se impotentes frente à empresas multinacionais. Só por meio da sua união através de uma estratégia internacional é que eles poderão recuperar o poder de outrora, que perderam com a globalização. Ora este acaba por ser também o segredo da União Europeia: a cooperação entre os Estados, não diminui o seu poder, antes o reforça. Ou seja, chegamos a este paradoxo: a renúncia à soberania acaba por fazer aumentá-la.

Ulrich Beck, sociólogo alemão, professor na Universidade de Munique e da London School of Economics, e autor do conhecido ensaio “ A sociedade do risco”.

As Escolas e as Universidades de obediência



Ao lado das Universidades de prestígio que formam cientistas e intelectuais, com espírito crítico, inventivo e inconformista, é possível encontrar outro tipo de escolas, com receitas mais modestas e de currículo universal, que se dedicam a ministrar cursos de obediência. Nestas últimas escolas, os alunos aprendem o aceitar o conformismo.
Quando «ladram», o(a) professor(a) mimoseia-os com todo o tipo de castigos e ameaças. E quando se calam, têm logo direito a guloseimas e rebuçados.
Assim se ensina as habilidades e competências da obediência e da submissão…

As 5 árvores mais antigas de Espanha



O livro Árboles monumentales de España de Bernabé Moya, José Plumed e José Vicente Moya indica quais são as árvores mais antigas e as que constituem verdadeiros monumentos do património natural da Península Ibérica.
Aqueles autores apontam como a árvore espanhola mais antiga de todas as que encontraram no decurso do seu estudo como sendo uma oliveira (olea europaea), conhecida localmente pelo nome de Lo Parot, comum perímetro de 9 metros, existente na Horta de San Juan, em Tarragona.
Outro espécime monumental é o ciprestte ( Cupressus sempervirens) existente no Mosteiro da Anunciada, situado em Villafranca del Bierzo (Léon), que tem 33 metros de altura e é considerado um dos mais altos ciprestes da Europa, e segundo rezam as crónicas foi plantada em 1606 por ocasião da fundação daquela comunidade.
Outra árvore monumental é a azinheira (Quercus ilex) situada na aldeia da Província de Cáceres, Zarza de Montánchez, conhecida pelos aldeões pelo nome de La Terrona. Trata-se de uma prodigiosa árvore de 7,80 metros de perímetro, 16,50 metros de altura e uns 800 anos de idade. O seu proprietário e vizinhos queixam-se que a árvore está a ser prejudicada com a afluência de curisosos ao local que não sabem comportar-se devidamente face àquela raridade.
O castanheiro (Castanea sativa) mais espectacular do país vizinho, uma mastodôntica árvore com mais de 14 metros de perímetro, está situado em Villar deAcero (na Província de Léon).
Mas a árvore mais alta de Espanha-e possivelmente da Península Ibérica - encontra-se num bosque da Província galega de Lugo e é conhecido pelo «Avô de Chavín». Trata-se de um eucalipto ( da espécie dos eucaliptos azuis Eucaliptus globulus) com 67 metros de altura (correspondente a um edifício com 20 andares), e 10,50 metros de cintura, e está situado em Chavín, no concelho de Viveiro, na Província de Lugo.

A McDonaldização das Escolas, a Desumanização da Vida Social e a Acção e Formação dos Professores

1. INTRODUÇÃO

O ensaio que ora se apresenta pretende ser uma (auto-)análise do que é ser hoje professor. O acriticismo dominante nestes «tempos malditos» obriga-nos a um constante exercício de crítica sob pena de uma «funcionalização» docente que a lógica organizacional, estadual ou não, tende sempre a gerar. Daí a razão de ser para a escolha de uma temática como a McDonaldização da sociedade e das organizações escolares.
As abordagens e estudos no campo educativo têm oscilado entre a produção de obras profundamente herméticas, e enfaticamente discursivas, cujo sentido é pouco mais que inócuo por défice de realismo, e a escrita de outros textos abaixo da «linha da água», que o mesmo é dizer, imersos na realidade quotidiana e que dificilmente conseguem lançar uma visão crítica e construtiva sobre aquilo que pretendem investigar. Se a isto somarmos o pretensiosismo e arrogância científica que pretende converter tudo o que seja reflexão teórica, por vezes sob a roupagem de uma pseudo-metodologia científica, fica-se com uma ideia aproximada do que se vai passando em Portugal no âmbito das auto-proclamadas Ciências da Educação.
O caminho que adoptámos, e que pretendemos seguir, tem a ver com uma saudável postura crítica capaz de produzir textos teóricos estimulantes para uma reflexão dos interessados em matéria de educação. Tratar-se-á sempre de textos inconclusivos e em elaboração contínua. A educação não se reconduzindo definitivamente a uma qualquer ciência (no singular ou em pluralidade disciplinar) requer e exige uma reflexão teórica permanente.
O presente texto mais não é que um modesto contributo no sentido deste questionamento incessante a que a educação deve estar sujeita. Estamos cientes que os meios utilizados nem sempre estiveram à altura dos nossos propósitos. Como quer que seja a sensação é a do dever cumprido.
A primeira rubrica debruça-se sobre o fenómeno da McDonaldização das sociedades contemporâneas utilizando a linguagem e a grelha de análise proposta por Ritzer, a que juntámos alguns dados pontuais de outras perspectivas teóricas.
Segue-se uma rubrica acerca da formação e acção de agentes educativos, maxime os professores, baseada em elementos recolhidos nas várias correntes teóricas da perspectiva institucional. Pretende-se afirmar uma clara intenção de transformação social e educacional, mas ainda lançar luz sobre os modos pelos quais será possível delinear uma estratégia educacional ( incidentalmente ligada à problemática da acção e formação de professores) que não passe pelos modelos hegemónicos do Estado ou do Mercado.
Optamos por um estilo ensaístico que, sem prejuízo da pertinência de análise, seja portador de uma legibilidade reflexiva para o leitor. Se este se sentir surpreendido, e obrigado a romper com lugares comuns, julgamos que não terá sido em vão o nosso esforço.




2.McDONALDIZAÇÃO



A globalização do localismo americano, a que se assiste hoje na vida social, tem tradução prática no quotidiano dos indivíduos e das organizações. Segundo G. Ritzer (1993) o fenómeno pode ser designado por McDonaldização, e que se manifesta principalmente na excessiva ênfase dada à disciplina, à ordem, sistematização, formalização, rotina e estabilidade, e ainda num determinado modo de comportamento. Um estilo de vida - “way of life” - com estes predicados pode certamente contribuir para a segurança como permitirá sem dúvida a previsão dos comportamentos e acontecimentos futuros, mas significa, ao mesmo tempo, uma vida sem surpresas nem aventuras. Trata-se-ia de uma vida formatada segundo esquemas e modos estereotipados que tem por consequência uma rejeição a tudo o que é diferente dos rituais padronizados estabelecidos. Uma educação escolar segundo tais moldes não deixaria de ter importantes consequências no favorecimento da exclusão social, da factura social, e até no mais que previsível aumento de problemas no âmbito interrelacional, mormente por quem assuma uma qualquer diferença filosófica, existencial ou até comportamental. Problemas como aceitação/ rejeição do Outro, tolerância/intolerância, fobias, preconceitos e estereótipos tornar-se-iam em questões centrais neste tipo de sociabilidade em fase de emergência.
Com efeito poderíamos recensear as consequências graves para a vida social deste processo de McDonaldização através dos seguintes mecanismos:
i) Tendência para a eficácia a qualquer preço
ii) Postura de cálculo, isto é, algo que privilegia a avaliação quantitativa à avaliação qualitativa, e em que a acção humana não é desencadeada não sem antes se fazer um juízo prévio quanto aos benefícios que daí resultar ( que interesse isso tem para mim? o que é que ganharei com isso?).
iii) Organização da vida social manipuladora dos seres humanos e substituição destes e do seu trabalho por máquinas e robots
iv) Racionalidade enquanto traço característico dominante dos comportamentos sociais. Claro está que uma tal racionalidade nada têm a ver com o racionalismo clássico enquanto uso dos atributos da razão, mas antes com uma espécie de «racionalismo irracional» larvar e cujo princípio capital é a maximização da acção humana segundo a divisa «mínimo de esforços para um máximo de benefícios»
Acontece que uma tal racionalidade, embora garantindo porventura a estabilidade de uma sociedade racional e perfeita, traduz-se na prática pela desumanização das relações sociais e interpessoais. Este paradoxo da racionalidade transforma a sociedade orientada para a quantidade, o cálculo, a previsibilidade e a eficácia numa ilusão de abundância, eliminando os comportamentos criativos, atípicos, não-esquemáticos e não-rentáveis. Uma tal racionalidade serviria de critério aleatório para escolher o que é rentável segundo o binómio custos/benefícios. Este comportamento, aparentemente racional, torna-se irracional pela simples razão das opções assim feitas não garantirem a tão proclamada eficácia, além de favorecerem os aspectos mais superficiais e aparentes das relações sociais.
A tese de Ritzer consiste, seguindo de perto os trabalhos de Weber acerca das organizações burocráticas como arquétipos da racionalidade moderna, em considerar os restaurantes de fast-food como representantes contemporâneos do actual paradigma da racionalidade formal. O que ontem representavam as burocracias para Weber, hoje o seu lugar foi ocupado pelos modelos organizacionais dos restaurantes de fast-food na tese da McDonaldização. Com isto pretende-se justamente demonstrar até que ponto no mundo actual a racionalidade formal representa uma componente-chave incontornável e de primacial importância. (Ritzer, 1996: 443)
O próprio Ritzer (1998: 154) refere-se às Universidades de amanhã designando-as de “McUniversity” e colocando-as em paralelo com os restaurantes fast-food. Aponta inclusivamente como modelos das futuras Universidades a “McDonald’s Hamburger University” ( com o Bacheralato em Hamburgerologia ) ou a “Disney University” ( sediada em Orlando, USA, apetrechada com 60 cursos de educação para adultos) e que, ao contrário das universidades tradicionais, se têm tornado não só extremamente populares, como a oferta dos seus graus académicos pretende garantir postos de emprego nas indústrias actualmente mais florescentes o que não deixa de constituir, como não é difícil de antever, um poderoso motivo de atracção para os consumidores de graus académicos.
Nestes modelos a Universidade é concebida como um meio de consumo de serviços educacionais o que transforma os estudantes em seus consumidores e nos principais interessados na aquisição das suas mercadorias - as credenciais e os graus académicos.
Na Sociedade de Consumo onde vivemos ( ou para onde nos conduz o turbocapitalismo contemporâneo) a Universidade tradicional, tal como a conhecemos, torna-se, então, pouco menos que decrépita se a cotejarmos com outros e mais funcionais meios de consumo. Donde a tendência de a reconstruir segundo os mesmos princípios organizacionais das actuais catedrais de consumo como são os centros comerciais ou os restaurantes fast-food, ou seja, em centros de prestação de serviços e aquisição consumista de títulos . académicos. E não é certamente por acaso que circula já hoje a ideia que as Universidades se transformaram em algo muito parecido com «estufas» de mestres, licenciados, e bacharéis. A Universidade está-se a transformar rapidamente em pouco mais que uma outra componente da Sociedade do Consumo, e os estudantes (ou melhor dizendo, os seus encarregados de educação) assumem-se cada vez mais como consumidores. Os dados empíricos recolhidos mostram-nos que os estudantes, quando escolhem a escola a fim de se matricularem, fazem-no em função dos custos, qualidade e benefícios que daí podem recolher.Isto é, procuram o melhor produto para o seu dinheiro. Um recente estudo (Levine, 1993) levado a cabo nos Estados Unidos chegou a estas surpreendentes conclusões:
-Os estudos universitários não são mais o eixo em torno do qual gira o quotidiano do estudante, nem sequer a sua principal actividade, mas tão-só uma parcela do quotidiano estudantil.
-Os estudantes desejam que as suas universidades funcionem como os Bancos ou os restaurantes fast-food:
«They want education to be nearby and to operate during convenient hours - preferably around the clock. They want to avoid traffic jams, to have easy, accessible and low cost parking, short lines, and polite and efficient personnel and services. they also want high-quality products but are eager for low costs. They are willing to comparison shop - placing a premium on time and money.» (Levine, 1993:4)
-Os estudantes não desejam actividades extras nas escolas; esperam apenas um produto devidamente formatado, qualquer coisa como um “McDonald’s meal”.
-Em conclusão: “ All they want of higher education is simple procedures, good service, quality courses, and low costs...They are bringing to higher education exactly the same consumer expectations that they have for every other commercial enterprise which they deal with” (Levine, 1993).
Não será despiciendo citar aqui, por contraste, o sociólogo português Boaventura Sousa Santos, estudioso da instituição universitária quando este escreve: “...é necessário submeter as barreiras disciplinares e organizativas a uma pressão constante. A Universidade só resolverá a sua crise institucional na medida em que for uma anarquia organizada, feita de hierarquias suaves e nunca sobrepostas. Por exemplo, se os mais jovens por falta de experiência, não podem dominar as hierarquias científicas, devem poder, pelo seu dinamismo, dominar as hierarquias administrativas(...) A Universidade é a instituição que nas sociedades contemporâneas melhor pode assumir o papel de empresário schumpeteriano, o empreendedor cujo sucesso reside na capacidade de fazer as coisas diferentemente (...) Para cultivar estes novos interesses, imagino uma escola pragmática, a qual consistirá de duas classes. Na primeira, chamada consciência do excesso, aprendemos a não desejar tudo o que é possível só porque é possível. Na segunda classe, chamada consciência do défice, aprendemos a desejar também o impossível” (Santos, 1994: 95)
Conforme nos dizem os estudos de Sociologia das Organizações (Burrell, Morgan, 1979) as escolas podem ser analisadas segundo modelos organizacionais distintos: enquanto organizações burocráticas, ou como arenas políticas onde se elaboram estratégias de poder entre as relações sociais, ou ainda como anarquias organizadas. Claro está que como modelos ideais, estes nunca têm uma tradução prática pura. Na realidade, as escolas são no concreto, tudo isto ao mesmo tempo. O que cuidamos apurar é saber qual dos vários modelos organizacionais assume maior prevalência. E aqui os autores divergem abertamente. A nossa hipótese teórica é claramente a de subsumir a organização escolar ao modelo burocrático e daí retirar as devidas consequências: “”We argue that educational bureaucracies emerge as personnel-certifying agencies in modern societies. They use standard types of curricular topics and teachers to produce standardized types of graduates, who are then allocated to places in the economic and stratification system on the basis of their certified educational background.(...) The reason for this is that the standardized categories of teachers, students, and curricular topics give meaning and definiton to the internal activities of the school.These elements are institutionalized in the legal and normative rules of the wider society. In fact, the ritual classifications are the basic components of the theory (or ideology) of education used by modern societies, and schools gain enormous resources by conforming to them, incorporating them, and controlling them. ( Meyer,J.; Rowan:1990: 88)
Para Merton a organização burocrática processa um deslocamento de finalidades, levando o burocrata a interiorizar uma disciplina assente numa atitude ritualista face às normas, transformando estas, inicialmente concebidas como meios de administração, em fins administrativos.(Merton, 1978: 113). Uma organização burocrática, como a definiu Weber, assenta em diversas dimensões: a legalidade, a especialização, a hierarquia, a impessoalidade e a racionalidade. Uma das consequências mais estudadas do funcionamento burocrático são as rotinas que constituem os comportamentos padronizados. Rotinas essas que, por sua vez, são igualmente induzidas pela subcultura ocupacional do grupo em causa.
Mas a verdade é que esta caracterização sociológica das organizações burocráticas não explica tudo o que hoje se passa nos sistemas de educação estatais e nas escolas contemporâneas. O paradigma burocrático está vindo a ser substituído pelo fenómeno da McDonaldização social que, mais tarde ou mais cedo, logo terá a sua versão acabada na educação escolar pronta para consumo dos interessados.
Numa visão mais acutilante escreve Illich: “Not only but social reality itself has become schooled. It costs roughly the same to school both rich and poor in the same dependency. (...)Rich and poor alike depend on schools and hospitals which guide theis lives, form their world view, and define for them what is legitimate and what is not. Both view doctoring oneself as irresponsible, learning on one’s own as unreliable, and community organization, when not paid for those in authority, as a form of aggression or subversion The progressive underdevelopment of self - and community - reliance is even more typical in Westchester than it is in thee northeast of Brasil. Everyone not only education but society as a whole needs «deschooling»” (Illich: s/d)



3.Formação e Acção dos Professores e Agentes Educativos

Perante este cenário salta à vista a grande questão que ora interessa discutir: qual é o tipo de formação dos agentes educativos, maxime para os professores, que se mostra mais útil e mais adaptada para minimizar os efeitos catastróficos do processo de globalização/McDonaldização?
Com efeito aquelas tendências negativas do processo de globalização, tanto do ponto de vista individual como colectivo, poderão vir a ser neutralizadas (ou minimizadas ) pela adopção de uma concepção relacional do trabalho social e educativo por parte dos agentes educativos enquanto componente constitutiva fundamental das instituições sociais como são as escolas. Preconiza-se pois uma perspectiva institucional e relacional. Uma concepção deste género, baseada nas premissas do respeito pela diversidade, da mudança social e do reconhecimento da dimensão simbólica da vida, encontra-se com toda a certeza nos antípodas daquela outra para a qual o mundo exterior é olhado como uma realidade rotineira, previsível e racionalizada.
Recorde-se que para Ardoino e Lourau a formação é um processo dinâmico constituinte da instituição a criar ou em desenvolvimento. A formação não se reconduz pois unicamente à simples transmissão dos saberes ou à aprendizagem de um certo comportamento-padrão, tratar-se -á antes de um processo de aquisição de experiências que é, ao cabo e ao resto, uma preparação para a análise e reflexão sobre a prática, sobre a realidade dentro da qual os agentes devem agir, assim como uma reflexão sobre eles próprios, num contexto social dado. A Instituição seria, neste sentido, algo em constante formação e em desenvolvimento
Como se sabe foram sobretudo G. Lapassade e R. Lourau que reflectiram sobre o conceito de Instituição e difundiram a perspectiva institucional. Não é este o momento para grandes derivas acerca do historial das correntes e dos autores que se abrigam debaixo desta perspectiva teórica. Retenha-se apenas a noção dialéctica da instituição - portadora de múltiplos sentidos, logo polissémica, equívoca e problemática - como uma globalidade que informa as realidades particulares não deixando ao mesmo tempo de ser uma resultante na medida em que é a cristalização de um passado e/ou presente das forças em movimento. Lourau resume esta ideia da seguinte forma: “ à «introjecção» das formas instituídas da vida social deve-se acrescentar a «projecção» das vontades instituintes, se quisermos que as instituições nasçam e se mantenham” (Lourau: 1970: 60). Esta ideia reveste-se da maior importância para a sociologia já que esta incide, nas palavras de Ardoino ( 1977: 156), na “ articulação do microsocial e do microeconómico com o macrosocial e o macroeconómico”.
Outro ponto a que não podemos escapar liga-se à distinção entre Instituição e Organização que são geralmente associadas a distintos modelos de análise sociológica. Não é o nosso caso pois para a perspectiva que temos vindo a desenvolver a instituição informa a organização ao passo que a organização significará a própria instituição. Para Ardoino as instituições apresentam-se-nos como “significações simbólicas sociais” ao passo que às organizações cabe a função de desocultar a instituição, de a tornar visível. Isto é, pode-se alcançar a instituição através da análise da organização. Daí advêm a importância da organização pedagógica das escolas uma vez que por seu intermédio será possível descortinar uma ideologia, e uma determinada concepção das relações sociais. O objectivo da pedagogia institucional seria aliás operar esse desocultamento institucional que se esconde por detrás da organização.
Por seu turno, para Castoriadis a instituição é - recordemo-lo - uma rede (um espaço) simbólica, sancionada socialmente onde se entrecruzam elementos imaginários e reais nas relações mais diversas. Este autor acrescenta às dimensões económica e funcional da noção de instituição outras duas dimensões, a simbólica e a imaginária. A escola e a sociedade estariam assim em estreita relação, dado que, por exemplo, a maneira de ensinar constituiria um reenvio implícito à «fábrica» política da sociedade, e inversamente..
Para rematar nada melhor que reproduzir a definição que R. Barbier (1977: 107) dá de instituição: “...est la cellule symbolique, matrice des habitus, à la dynamique dialectique instituée et instituante, à la structure occultée et occultante, inscrite dans la temporalité et socialement sanctionnée, visant au contrôle de l’historicité en agissant d’une manière fonctionnelle et imaginaire, qu’instaurent les rapports sociaux nécessairement conflictuels nés de l’activité transformatrice des groupes humains ( avec son principe de realité), de leur production désirante ( avec son principe de plaisir) et de leur double imaginaire social ( avec son principe d’esperance et son principe d’illusion). Elle est, à la fois, la resultante globale et le cadre singulier, souvent matérialisée et spatialisé, de l’état toujours dialectique des rapports de force entre les groupes sociaux, les classes ou fractions de classes sociales qui s’affrontent, dans l’espace et le temps historiques de la société considerée, aux trois niveaux étroitement imbriqués: économique, idéologique et politique.”
Se considerarmos que a actividade social, sobretudo na sua dimensão socio-pedagógica, consiste numa estruturação do presente pelo futuro, na atribuição de um sentido antecipatório à própria evolução social, fica sempre em aberto a possibilidade de uma realidade outra, não deterministicamente gerada pelas tendências dominantes actuais.
A actividade social é estruturada por um conjunto de questões que ajudam a definir uma situação, descrevê-la, explicá-la, dar-lhe um sentido, analisá-la no seu contexto, e orientar a acção ao mesmo tempo que exprimem os seus objectivos e a razão das suas escolhas.
E no que respeita à acção educativa pode-se ( e deve-se) discutir se esta deve ter uma orientação para o mercado, preocupando-se então com os resultados individuais, o êxito num processo de natureza competitiva, a reprodução da estratificação social ou, pelo contrário, orientada fundamentalmente para a pessoa, para o seu desenvolvimento individual, a integração e cooperação interpessoal, assim como para a mudança. A questão que subjaz a este dilema - e, de resto, a todo o debate em torno do modelo de educação - é a de saber que sociedade queremos, ou melhor, para que tipo de sociedade devemos formar os agentes educativos, nomeadamente os professores.
No essencial podemos fazer a destrinça de dois tipos de formação: o que permite a rápida aquisição de conhecimentos, aptidões e competências capazes de apetrechar os professores dos instrumentos “prêt-à-porter” para o exercício das suas funções profissionais, formação essa que acaba por responder às expectativas dos principais interessados segundo uma lógica de mercado, que pretende a incorporação de profissionais competentes aptos para o simples desempenho das funções que lhes foram atribuídas; ou um outro tipo de formação alternativo assente no desenvolvimento, reflexão, análise e construção dos referentes necessários para a identificação dos problemas, o estudo do seu contexto, bem assim a interpelação dos próprios interessados face aos outros nas diversas situações em que são confrontados. Escusado será dizer que a opção por um ou outro tipo destes modelos de formação dos agentes educativos determinará substancialmente todo o conteúdo e a forma dos currículos e programas formativos a implementar.
A proposta atraente de ligar a formação à investigação como forma de alcançar aquele desiderato de reflexão crítica por parte dos professores é ( e continua) válida no essencial, mas a sua concretização não sendo fácil na sua tradução prática, torna-se ainda mais problemática se pensarmos no género de expectativas que alimentam crescentemente a vida social e que estão sujeitas aos processos sociais dominantes acima apontados: utilidade, eficácia, rapidez ( isto é, à Mcdonaldização social)
A concepção formadora baseada na “Investigação-Acção(Participação)-Formação permite articular uma tríade de elementos: i) a Investigação para cuja área se reconduz a identificação dos problemas e a sua tentativa de explicação; ii) a Acção/Participação; iii) e a Formação, a qual é chamada a desempenhar várias funções. Em primeiro lugar pode constituir-se como preparação para o agir no próprio campo socio-educativo.. Em segundo, pode inspirar novas investigações. E, finalmente, pode servir de factor propiciador da reflexão sobre a prática, graças à distância adoptada em relação a esta ao longo do próprio processo de investigação. Além do mais, um tal tipo de formação, quando experienciado por profissionais no terreno, permitirá certamente a construção de uma identidade individual e institucional através do questionamento do papel desempenhado na instituição pelo próprio sujeito. No limite, seria concebível a elaboração das suas “próprias regras” depois da interiorização das que regem o organismo escolar. Nesta construção seria indispensável a mobilização de um saber transversal com referências várias de natureza filosófica, axiológica, política, e científica.
Uma formação assim concebida volve-se sobretudo numa formação da pessoa. À realização dos estudos pelo formando-professor, com vista à aquisição de conhecimentos, não é alheia a experiência do quotidiano do sujeito. E a ideia proposta por E. Morin da “ unitas multiplex” ( unidade na pluralidade) pode ser suficientemente sugestiva para inspirar uma formação baseada no respeito pelo que é diferente e na busca do que é comum a todos, ao arrepio dos efeitos da massificação e homogeneização que a Macdonaldização traz consigo.
Mesmo os autores como Perrenoud que recusam analisar a conformidade dos professores com um modelo de racionalidade reconhecem que “...os profissionais cuja utilização do tempo e métodos estão a ser analisados sentir-se-ão postos em causa, em termos de eficiência e racionalidade, valores dominantes no mundo do trabalho e, de uma maneira geral, na nossa sociedade” (Perrenoud, 1993: 55). É certo que os professores são “os mediadores do Programa”, ou seja, “cada professor dá de certa maneira o seu programa” (Matos, 1999:73). Mas não é verdade que o habitus do professor é alimentado por toda uma constelação de elementos culturais e práticas estabelecidas? Como sair então deste círculo vicioso? A resposta talvez resida na “problematização das práticas, isto é, através duma atitude de interpelação da realidade que nos afronta, admitindo, portanto que ela pode ser de outro modo” (Matos, 1999: 74), o que exige certamente alguma dose de voluntarismo idealista mas principalmente um trabalho teórico de pesquisa (se se quiser, uma prática teórica). Sem isto, dificilmente os agentes educativos conseguirão desenvencilhar-se do pragmatismo empirista que tolhe os seus horizontes e lhes inocula a postura do funcionalismo servil, transformando a sua profissão numa penosa rotina reprodutora de cidadãos credenciados mas sem espírito crítico, nem sequer - quantas vezes - capacitados com os conteúdos cognitivos dos currícula oficiais ( não será despropositado interrogarmo-nos quantos professores terão lido ou consultado uma obra de carácter pedagógico, ou quantos professores de Português terão lido poesia, ou autores das vanguardas literárias do século XX).
Dúvidas não temos para afirmar que os professores têm de se estar dotados de um carácter prospectivo, audaz, dinâmico e tolerante, e que tudo isto se apoie numa formação continuada, e numa metodologia formativa mais apropriada para a realidade com que se vão confrontando. Do professor exige-se que:
- assuma uma atitude que lhe permita captar a realidade em que actua ou que irá actuar
- esteja na posse dos conteúdos cognitivos em que pretenda trabalhar
- uma ampla informação e conhecimento sobre os jovens em geral e as pessoas em particular com quem irá interagir.
Ou seja, na medida em que o saber pode ser subversivo e constituir-se um perigo para o saber-poder instalado ( o saber tanto se constitui num poder como num antipoder, na linha de um Foucault que vê o saber como uma relação de poder) o agente educativo será tanto mais um agente de transformação cognitiva e social quanto mais for capaz de se realizar nestes 4 círculos:
- Saber ( círculo cognitivo)
-Saber fazer ( círculo operativo)
-Saber ser (círculo relacional)
-Saber escutar/ ou esperar ( Círculo de continuidade)
Os traços pessoais dos professores aliados às qualidades científicas mais a mobilização das metodologias construtivistas num quadro teleológico de emancipação dos sujeitos poderão no nosso entendimento ser as chaves fundamentais para uma pedagogia de resistência ao processo de McDonaldização a que se assiste hoje no mundo actual. Converter a educação numa simples técnica operatória de teor pedagogista, ou transformá-la numa área científica soçobrando aos braços do cientismo dominante não são certamente as tarefas mais apropriadas. Investigar e teorizar as práticas educativas instituídas e instituintes constituirão antes uma linha muito mais produtiva, para além de abrir horizontes de reflexão, trabalho esse em relação ao qual os agentes educativos só terão a ganhar.

5. Conclusão


Julgámos ter mostrado ao longo deste curto ensaio as grandes linhas que estruturam hoje o mundo contemporâneo em rápido processo de globalização capitalista. Surpreendemos as suas principais ideias-força recorrendo à imagem dos restaurantes de fast-food. Trata-se de um processo em curso que exige uma teorização capaz de o tornar visível aos olhos de todos nós.
Cuidámos também de relacionar esse processo com o campo educativo tanto na sua vertente organizacional como através da progressiva institucionalização de estruturas educativas moldadas segundo aquelas linhas que fazem hoje escola nas sociedades capitalistas.
Uma vez que na tensão entre instituído e instituinte nada se dá por inevitável procuramos abreviadamente esboçar uma pedagogia de resistência por via da formação e acção dos professores, operacionalizada no triangulo Investigação-Acção-Formação, e potenciadora de uma reflexão emancipatória dos educadores como dos que estão implicados no processo de formação.


6.Bibliografia

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