24.11.09

A Cimeira de Copenhague sobre o clima e a proposta do Equador para combater o caos climático (texto de Boaventura Sousa Santos)

De Copenhague a Yasuní

Como já se previra, a próxima Conferência da ONU sobre a Mudança Climática, que ocorrerá em Copenhague, de 7 a 18 de Dezembro, será um fracasso que os políticos irão tentar disfarçar com recurso a vários códigos semânticos como “acordo político”, “passo importante na direção certa”. O fracasso reside em que, ao contrário dos compromissos assumidos nas reuniões anteriores, não serão adotadas em Copenhague metas legalmente obrigatórias para a redução das emissões dos gases responsáveis pelo aquecimento global cujos perigos para a sobrevivência do planeta estão hoje suficientemente demonstrados para que o princípio da precaução deva ser accionado.

A decisão foi tomada durante a recente Cúpula da Cooperação Ásia-Pacífico e, mais uma vez, quem a ditou foi a política interna dos EUA: a braços com a reforma do sistema de saúde, o presidente Obama não quer assumir compromissos à margem do Congresso norte-americano e não pode ou não quer mobilizar este último para uma decisão que envolva medidas hostis ao forte lobby do setor das energias não renováveis. Os cidadãos do mundo continuarão pois a assistir ao espectáculo confrangedor de políticos irresponsáveis e de interesses económicos demasiado poderosos para se submeterem ao controle democrático e assim ficarão até se convencerem de que está nas suas mãos construir formas democráticas mais fortes capazes de impedir a irresponsabilidade dos políticos e o despotismo econômico.

Mas a reunião de Copenhague não será totalmente em vão porque a sua preparação permitiu que se conhecessem melhor movimentos e iniciativas, por parte de organizações sociais e por parte de estados, reveladores de uma nova consciência ambiental global e de outras possibilidades de inovação política. Uma das propostas mais audaciosas e inovadoras é a Iniciativa ITT do Equador apresentada, pela primeira vez, em 2007 pelo então Ministro da Energia e Minas, o grande intelectual-ativista Alberto Acosta, mais tarde Presidente da Assembleia Constituinte.

Trata-se de um exercício de co-responsabilização internacional que aponta para uma nova relação entre países mais desenvolvidos e países menos desenvolvidos e para um novo modelo de desenvolvimento, o modelo pós-petrolífero. O Equador é um país pobre apesar de (ou por causa de) ser rico em petróleo e a sua economia depender fortemente da exportação de petróleo: o rendimento petrolífero constitui 22% do PIB e 63% das exportações. A destruição humana e ambiental causada por este modelo econômico na Amazônia é verdadeiramente chocante. Em consequência direta da exploração do petróleo por parte da Texaco (mais tarde, Chevron), entre 1960 e 1990, desapareceram por inteiro dois povos amazônicos, os Tetetes e os Sansahauris.

A iniciativa equatoriana visa romper com este passado e consiste no seguinte. O estado equatoriano compromete-se a deixar no subsolo reservas de petróleo calculadas em 850 milhões de barris existentes em três blocos — Ishpingo, Tambococha e Tipuyini (daí, o acrônimo da inciativa) — do Parque Nacional Amazónico Yasuní, se os países mais desenvolvidos compensarem o Equador em metade dos rendimentos que deixará de ter em resultado dessa decisão. O cálculo é que a exploração gerará, ao longo de 13 anos, um rendimento de 4 a 5 bilhões de euros e emitirá para a atmosfera 410 milhões de toneladas de CO2. Tal não ocorrerá se o Equador for compensado em cerca de 2 biliões de euros mediante um duplo compromisso. Esse dinheiro é destinado a investimentos ambientalmente corretos: em energias renováveis, reflorestação, etc.; o dinheiro é recebido sob a forma de certificados de garantia, um crédito que os países “doadores” receberão de volta e com juros caso o Equador venha a explorar o petróleo, uma hipótese pouco provável dada a dupla perda para o país (perda do dinheiro recebido e a ausência de rendimentos do petróleo durante vários anos, entre a decisão de explorar e a primeira exportação).

Ao contrário do Protocolo de Kyoto, esta proposta não visa criar um mercado de carbono; visa evitar que ele seja emitido. Não se limita, pois, a apelar à diversificação das fontes energéticas; sugere a necessidade de reduzir a procura de energia, quaisquer que sejam as suas fontes, o que implica uma mudança de estilo de vida que será sobretudo exigente nos países mais desenvolvidos. Para ser eficaz, a proposta deverá ser parte de um outro modelo de desenvolvimento e ser adotada por outros países produtores de petróleo. Aliás, a sustentar esta proposta equatoriana está a nova Constituição do Equador, uma das mais progressistas do mundo, que, a partir das cosmovisões e práticas indígenas do que designam como “viver bem” (Sumak Kawsay) — assentes numa relação harmoniosa entre seres humanos e não-humanos, incluindo o que na cultura ocidental se designa por natureza — propõe uma concepção nova e revolucionária de desenvolvimento centrada nos direitos da natureza.

Esta concepção deve ser interpretada como uma contribuição indígena para o mundo inteiro, pois ganha adeptos em setores cada vez mais vastos de cidadãos e movimentos à medida que se vai tornando evidente que a degradação ambiental e a depredação dos recursos naturais, além de insustentáveis e socialmente injustas, conduzem ao suicídio coletivo.
Uma utopia? A verdade é que a Alemanha já se comprometeu a entregar ao Equador 50 milhões de euros por ano durante os 13 anos em que petróleo seria explorado. Um bom começo.

Fonte: http://www.cartamaior.com.br

Boaventura de Sousa Santos é sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal).

Abaixo-assinado em solidariedade com os 11 anti-fascistas portugueses processados por participarem na manif de 25 de Abril de 2007

Artigo 45.º*
(Direito de reunião e de manifestação)
1. Os cidadãos têm o direito de se reunir, pacificamente e sem armas, mesmo em lugares abertos ao público, sem necessidade de qualquer autorização.

2. A todos os cidadãos é reconhecido o direito de manifestação.



Artigo 21.º*
(Direito de resistência)
Todos têm o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade pública.

*Constituição da República Portuguesa (Sétima revisão constitucional)



Sabemos que a manifestação contempla um direito constitucional inalienável. Não restam dúvidas quanto à natureza legal da manifestação que ocorreu no dia 25 de Abril de 2007, em Lisboa. Nessa tarde, na rua do Carmo, as autoridades policiais decidiram intervir violentamente. Não só puseram em causa um direito fundamental, como incorreram noutra ilegalidade pelo facto de não terem comunicado às pessoas que deveriam dispersar, como exige a lei e não foi feito. Quando um direito constitucional é posto em causa, mesmo que pelas autoridades policiais (com a agravante do incumprimento pelas forças policiais do aviso prévio de dispersão a que estão obrigadas por lei), os cidadãos que se vêm ofendidos no exercício de um direito fundamental têm o direito de pôr em prática outro preceito constitucional acima citado:

“Todos têm o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade pública.” (Artigo 21.º/Direito de resistência)

Por outras palavras, resistir a alguém que pratica um crime (neste caso a polícia que interveio ao arrepio da lei nesse 25 de Abril de 2007). Alguns dos cidadãos que nessa tarde, escorados na indignação e na Constituição portuguesa, resistiram ao acto ilegal praticado pela polícia vão a julgamento no próximo dia 7 de Dezembro acusados de desobediência à autoridade.

Dois anos depois do sucedido, no dia 25 de Abril de 2009, a novela do paroxismo de uma cultura paternalista e baseada na intocabilidade dos agentes da autoridade – resquícios vivos da obediência ao Pai Nosso Salazar – veio escarranchada num artigo do Diário de Notícias, com chamada de primeira página: a lista “negra” dos 11 cidadãos injustamente arrolados pela justiça. O jornal diário referido, não só não consultou a Constituição da República, não só violou o código deontológico ao não ter procurado o contraditório, como teve o desplante de colocar a lista “negra” dos cidadãos, identificando-os com o nome, morada, idade, profissão e pormenores biográficos. O que o Diário de Notícias fez, com a anuência de director e editor, foi apenas fazer o copy paste do press release enviado pelo comissariado dos “serviços”. Comissariado que cumpriu o seu papel, já que os “serviços” têm de prestar contas ao Estado e aos cidadãos do seu excelso e secretíssimo desempenho. Tarefa cumprida escrupulosamente, já não com o “lápis azul”, mas com o pós-disciplinário “Magalhães”: colocou os insurrectos por ordem alfabética, enriqueceu o texto com requintes estatísticos e estilísticos que denotam o progresso desta classe tantas vezes desprezada. Quanto à decisão jornalística, ela já não cumpre o seu papel: pensar, sobretudo pensar com independência, e depois, averiguar, procurar o contraditório, a versão dos visados, ler a Constituição da República. E, como o pensamento crítico esteve arredado dessa decisão jornalística, o Diário de Notícias preferiu estar no lugar que convém estar no momento histórico que vivemos e cometeu um insulto, não apenas aos 11 cidadãos que estarão entregues a um processo injusto, como a todos os cidadãos que preferem pensar, (e que pensam com a Constituição, como faz esse reino de pessoas justas e bondosas e sérias, como os deputados e os jornalistas) e que concluem que a lista “negra” do jornal citado deveria ter o nome dos polícias que ilegalmente espancaram cidadãos que exerciam um direito fundamental. Sem o requinte estilístico do comissariado, mas com a profunda indignação pelo abuso das autoridades e a leviandade de um quotidiano…

Recordamos que em Novembro do ano passado o Estado francês e a administração Sarkozy montaram um show mediático para punir e vigiar a cidadania revoltada. A detenção dos Tarnac 9 foi uma ópera terrificante de marketing. Um show-off metonímico de terror: aterrorizar cada cidadão que põe em causa a falácia, o cinismo, a ganância, a injustiça de um sistema.

Alguns meses depois de o caso Tarnac ter feito as parangonas da imprensa, é o próprio Sindicato da Magistratura francesa a pronunciar-se inequivocamente sobre a utilização abusiva das leis do Estado para asfixiar os movimentos de contestação social: "dénonce l’utilisation de qualifications pénales outrancières aux fins d’intimidation et de répression des mouvements sociaux". Ou ainda: "Dans l’affaire du « groupe de Tarnac », l’instrumentalisation consentie de la justice - à la suite d’une opération de « police réalité » opportunément médiatisée par la ministre de l’Intérieur - semble avoir atteint son paroxysme.”

(O comunicado integral do Sindicato da Magistratura francesa pode ser consultado no site oficial:
http://www.syndicat-magistrature.org/spip.php?article825 )


Mudam-se os processos, mantém-se a mesma mesquinhez das autoridades.

Agora, o reality-show tem uma sequela lusitana. Mas é uma incógnita adivinhar quem se pronunciará contra o julgamento que ocorrerá no dia 7 de Dezembro no Parque das Nações.


O que é pobre e vil neste país, não é as autoridades policiais viveram numa espécie de bebedeira de impunidade, cometerem crimes e ilegalidades (não só é próprio das suas funções, como ainda têm a desculpa dos poderes governativos a que prestam obediência darem o péssimo exemplo), é não haver vozes que discordem da actuação da Justiça, que criticam as forças policiais, que façam a apologia da crítica ao autoritarismo, vá lá que defendam a sua constituição!


Este abaixo-assinado (à Constituição da República), que solicita a sua assinatura no caso de concordar com o seu teor, reveste-se de um acto de solidariedade para com aqueles que foram ilegalmente espancados pela polícia e a favor daqueles que se sentarão no banco dos réus por desejarem um país mais livre. E lembrem-se, não somos nós que somos “sérios”, não somos nós que somos “pessoas de bem”, não somos nós que somos constitucionalistas…

Os Proponentes e/ou Assinantes (depois de acrescentar o seu nome, BI e ocupação - se assim entenderem -, reenviem o email para que quem receba possa ter acesso à lista completa de assinantes):

Caso concorde, reenvie este email para os seus amigos e contactos e para as seguintes autoridades públicas:

Procuradoria-Geral da República:
mailpgr@pgr.pt

Tribunal Central de Instrução Criminal:
lisboa.tcic@tribunais.org.pt ,
lisboa.jcr@tribunais.org.pt

Coordenadas GPS:
Ordem dos Advogados:
cons.geral@cg.oa.pt,
cons.superior@cg.oa.pt

Sindicato dos Magistrados do Ministério Público:
smmp@net.novis.pt ,
(texto recebido via email)

Introdução à Soma - uma terapia anarquista: livro e oficina, seguido de jantar em benefício do CCL ( dia 28 de Nov. no Grupo Desportivo da Mouraria)


Dia 28 de Novembro (sábado) no Grupo Desportivo da Mouraria:

16h - Lançamento do livro "Introdução à Soma - uma terapia anarquista"
seguido de palestra e oficina de Soma (com a presença do autor, João da Mata)

20h - Jantar benefit contra o despejo do Centro de Cultura Libertária


Local: no Grupo Desportivo da Mouraria, à Travessa da Nazaré, nº 21 Lisboa


Sobre o livro "Introdução à Soma - uma terapia anarquista" de João da Mata:

Considerado um dos maiores músicos brasileiros, Cartola em parceria com Elton Medeiros na música “O sol nascerá”, canta: A sorrir / Eu pretendo levar a vida / Pois chorando / Eu vi a mocidade perdida... Talvez sem perceber, Cartola anunciara com seu samba uma potente postura ética, um verdadeiro modo de vida alegre e afirmativo.

Penso ser a Soma - uma terapia anarquista, a aposta em algo semelhante. Transformar nossa existência em um grande atelier a serviço de uma obra de arte, onde o propósito de dar um sentido artístico e belo à vida é uma aposta ética de mesma forma afirmativa. E é exactamente assim que acredito ser um acto e o objectivo terapêutico: a transformação da existência em algo sublime.

A Somaterapia ou apensa Soma é uma técnica terapêutico-pedagógica, corporal e em grupo que buscou no pensamento e na acção libertária tanto uma crítica às mais variadas forma de poder na vida social, quanto uma possibilidade de viver livre e plenamente.

Criada no Brasil pelo escritor e médico Roberto Freire, em plena ditadura militar nos anos de 1960, os primeiros grupos de Soma funcionaram de forma clandestina para atender aos activistas políticos. Não havia uma terapia em que os jovens perseguidos pelos militares pudessem confiar, pois a paranóia de denúncia era enorme. Assim, surgia uma terapia fortemente ligada às lutas libertárias, contra a normalidade perversa instituída e instaurada no Brasil. Passados quase quarenta anos de sua criação, a Soma permanece atenta aos mecanismos de controlo e captura das liberdades individuais e suas repercussões sobre a vida emocional das pessoas.

O livro que você tem em mãos é uma “porta de entrada” a esta técnica terapêutica revolucionária. Aqui você encontrará os principais conceitos, as bases teóricas e a metodologia da Soma. Em linguagem simples e directa, deve desperta-lo para os caminhos libertários e insurgentes em direcção à construção desta vida que Cartola canta em samba: alegre, afirmativa e guerreira.

Caso queiram saber mais sobre a Soma: http://www.somaterapia.com.br/

O decálogo do terrorista cultural




O Decálogo do Terrorista Cultural (Timóteo Pinto Remix 2007)

1. O Terrorismo Cultural (doravante denominado também TC) tem por base a revolta contra a hipocrisia conservadora e contra o bem-pensantismo progressista. Mas o principal inimigo do TC é a indiferença. Chama-se "Terrorismo" porque, nos dias atuais, a atitude mais sã é adotar/adaptar os termos mais desprezados. Se George W. Bush elegeu "O terrorismo" como seu inimigo principal, e todos se sentem obrigados a condenar o terrorismo, então o TC proclama-se terrorista. Não se trata de terrorismo contra a vida das pessoas - um empreendimento estúpido e inútil, já que a maior parte das mortes não naturais são provocadas pelas instâncias que se proclamam antiterroristas: governos, empresas, igreja, nações... Trata-se de terrorismo cultural, no sentido antropológico e mais lato do termo: terrorismo contra as crenças, os valores, os hábitos e os projetos que as instituições que temos - e muitos dos parvos que as representam - defendem.

2. O Terrorismo Cultural aceita a contradição permanente. Ao contrário da dialética, que percorre o espectro direita-esquerda, o TC defende que as contradições não se resolvem. Nesse sentido, o TC está mais próximo de algumas filosofias orientais e de outras ditas "primitivas" que vêem a contradição como o elemento dinâmico constante da sociedade, sem outra resolução que não a sua repetição cíclica e infinita. Só não é uma filosofia oriental porque não tem paciência para orientalices babacas, nem para a forma como elas têm sido cooptadas por yuppies budistas de Los-Angeles e gente do new age. Só não é um elogio do primitivismo porque não tem paciência para intelectuais burgueses que se fascinam com as danças tribais no Discovery Channel e gastam uma fortuna em viagens naturalistas à Amazônia para serem picados por mosquitos.


3. O TC é um bricolage de influências. Nele pode encontrar-se um pedaço de tudo: um bom pedaço de Anarquismo Libertário, tanto na vertente socialista européia como na vertente liberal americana; um bom pedaço de Gandhismo, assim como um bom pedaço de Liberalismo; pedaços de Surrealismo, de Groucho-Marxismo, de Filosofia Pragmática, de Hedonismo, de Hihicronedismo, de Zenarquismo; sobretudo, o TC simpatiza instintivamente com o Cinismo Surrealista. (O bricolage do TC não tem nada a ver com o bricolage dos pós-modernos, pois o TC não tem paciência para os pós-modernos que cooptaram um certo potencial TC para o (des)conforto de universidades americanas freqüentadas por filhos de narcotraficantes ou para o small print de revistas crípticas publicadas na França). Aquilo que o TC não suporta é o elogio absoluto da racionalidade ou o elogio absoluto da emotividade; o primado da biologia ou o primado da cultura e da construção social; as pessoas que se armam em marginais ou as pessoas que se armam em sistêmicas. O bricolage e a contradição permanente são aliados natos na luta cínica pelo desmascaramento dos sistemas de ação e pensamento. São do mais realista que pode haver - sobretudo porque o TC não se preocupa com a utilidade.


4. A primeira virtude de um TC (que não se chama virtude, pois o TC não tem paciência para as virtudes, assim como não tem paciência para o imoralismo militante dos pensadores "marginais") é saber gozar consigo próprio e ter prazer nisso. Não é possível aterrorizar a cultura sem se usar a si próprio como exemplo de como as coisas realmente são: bricoladas, contraditórias, irresolúveis. O projeto de identidade pessoal dum TC é a ausência de projeto, pois este necessita sempre de um sistema de crenças coeso ou, no mínimo, da submissão a uma autoridade ou a um status quo proclamado pelo senso comum.


5. Esta coisa de "irresolúveis" merece uma explicação: será o TC um desesperançado? Acha ele ou ela que nada tem solução? Não é bem assim.
O TC abomina utopias, milenarismos, histerias de massa, populismos, demagogias, livros de auto-ajuda e outras formas de substitutos da religião - incluindo a religião em si. Está mais que visto que conduzem ao desastre: do "socialismo real", às guerras religiosas, passando pelas seitas em que todos acabam mortos. O TC tão-pouco acredita na ilusão de felicidade através do consumo promovida pelo capitalismo. O cinismo realista do TC desconfia das lavagens cerebrais, quer venham da direita quer da esquerda, do campo religioso ou do campo científico, do campo socialista ou do campo capitalista. Não quer isto dizer que o TC seja um hedonista ou um "desconectado". Os primeiros são uns tontos, porque não percebem que obtêm o seu prazer à custa de não questionarem o que lhes permite obterem-no; os segundos tontos são, porque escolhem hipocritamente aquilo em que participam e aquilo em que não participam (por exemplo, não votam porque "não participam nessa farsa", mas nunca falham a picar o ponto no emprego...).


6. O TC desconfia daqueles que dizem que fazem TC: artistas, comentadores e opinion makers, jovens em manifestações anti-globalização, e outras espécies. O TC desconfia também dos que dizem que eles são apenas diletantes ou pessoas que estão a passar por uma fase. O TC desconfia dos primeiros porque de fato acha que são diletantes ou estão a passar por uma fase. Mas desconfia dos segundos porque acha que eles não têm autoridade para emitirem aquele juízo: a sua opinião é o simples balbuciar das banalidades auto-satisfeitas do senso comum.


7. Tudo o que um TC disser está sujeito à revisão por outro TC e assim sucessivamente até ao infinito, numa discussão eterna, bricolada, contraditória, realista, cínica e humorada, desde que com isso ninguém deixe de almoçar, dormir, ir à praia, dizer a sua opinião e fazer qualquer coisa de criativo.


8. Um bom TC destruiria imediatamente este texto. Um bom TC não pode admitir a possibilidade de ajudar a criar um dogma, associação, movimento, escola, partido, tendência, seita, culto, lobby, grupo de ajuda e muito menos uma empresa.


9. Não existem bons TCs.


10. Não existe ponto 10: um TC não consegue resistir a escrever um Decálogo só com nove pontos.

Diga não à vivissecção e ao biocídio: milhares de ratinhos são sacrificados em nome da ciência no biotério da Universidade do Algarve




Milhares de "ratinhos" de laboratório usados para investigação em Biotério da universidade

São aos milhares, só respiram ar puro e a água e alimentos que ingerem têm que ser esterilizados. Conhecidos por "ratinhos" de laboratório, são usados para investigação biomédica no Biotério da Universidade do Algarve (UAlg).

A estrutura, com capacidade para dez mil animais, é a única do género a Sul de Lisboa e ali são conduzidas experiências que não podem ser feitas em humanos, realizadas em nome do progresso científico.

As regras para aceder ao Biotério são rígidas: depois de se passar por tapetes autocolantes que retiram o excesso de pó das solas dos sapatos, é preciso vestir bata, colocar protecções nos pés, máscara, touca e luvas.

O procedimento é para evitar a contaminação entre as diferentes áreas do Biotério, já que o armazenamento dos animais - que respiram um ar semelhante ao que existe nos blocos operatórios -, requer cuidados extra.

Nas duas salas de armazenamento de animais, tudo é controlado ao pormenor: a temperatura, a humidade, a qualidade do ar e a intensidade da luz, sendo até simulados os ciclos diários e nocturnos.

As próprias gaiolas que servem de acomodação para os animais - algumas podem conter até cinco animais adultos -, têm filtros para impedir a passagem de micróbios.

Alguns dos ratinhos que ali estão armazenados já foram geneticamente manipulados em laboratório através do uso de células estaminais embrionárias, explicou à Lusa o coordenador do Biotério, José Belo.

A utilização de animais mutantes - aos quais lhes foi, por exemplo, retirado ou alterado um gene -, é importante para perceber o desenvolvimento embrionário de órgãos específicos como o coração ou o cérebro.

A manipulação genética é feita na sala experimental do Biotério, para onde os animais são levados sempre que se vai conduzir alguma experiência, sendo anestesiados, para lhes causar a mínima dor possível.

"Usamos os métodos menos dolorosos e mais humanizados possíveis", garante José Belo, lembrando que os animais são usados para o avanço da ciência e em benefício do ser humano.

"Não é uma coisa que façamos de ânimo leve nem pelo gosto de usar os animais, muito pelo contrário", sublinha aquele professor da UAlg, especialista em células estaminais e desenvolvimento embrionário.

Para ensinar os investigadores a manusear e trabalhar com animais em laboratório, haverá um curso organizado pelo Centro de Biomedicina Molecular e Estrutural da UAlg, que decorre de 29 de Novembro a 01 de Dezembro.

Sarajevo é brincadeira; aqui é o Rio de Janeiro ( a propósito da violência policial no Brasil)



Texto retirado do blogue: http://grazaza.blogspot.com/



SARAJEVO É BRINCADEIRA AQUI É O RIO DE JANEIRO

O Rio de Janeiro possui a polícia mais violenta do mundo.

O grau de letalidade da polícia carioca supera todas as polícias dos Estados Unidos somadas. Nos últimos sete anos, as mortes provocadas pelas ações policiais cresceram 298,3%. Hoje são mais de três pessoas por dia mortas pela polícia.

O perfil das vítimas é conhecido: jovens do sexo masculino, pretos, pobres, moradores de favelas e periferias e de baixíssima escolaridade.

Marcelo Freixo, 2006



Vivemos uma Guerra, não declarada, mas uma Guerra instituída, dita civil. Acostumamos-nos com as cenas de violência explícita, gratuíta, assustadora. Tiroteios são comuns, crianças assaltando aos bandos são comuns, corpos estendidos são comuns, e em meio a esta cartarse, em quem devemos confiar? Na polícia, deveria ser a resposta mais coerente. Mas no caso brasileiro, especificamente no caso carioca, a coisa não é bem assim...

Se fores parado, em uma blitz policial, a noite, no Aterro do Flamengo por exemplo, certo que serás assaltado, por quem acima de tudo, deveria estar ali para nos proteger. Os famigerados R$ 50,00 cobrados pela corrupta Polícia Militar Carioca, é conhecido por todos. Raras são as exceções em que serás liberado sem ter que deixar a significativa quantia para o "cafézinho" da galera, mesmo que estejas com documentação em dia, impostos pagos, sempre encontrarão uma coisinha boba para consumar o fato extorsivo.



Mão na cabeça; assalto? Não, é a polícia
São pagos pra proteger, mas te tratam como ladrão
Quem é que vão proteger, então?


Não é mais só nas favelas, que a PMERJ vem estrelando sua capacidade mágica de fazer "desaparecer" corpos de cidadãos assassinados impunemente. Na Barra da Tijuca, nobre bairro de Classe Alta, tivemos dois casos recentes desta habilidade. A jovem engenheira Patrícia que voltava de uma festa na Lapa, e que segundo a família - foi abordada em uma blitz policial, sendo seu carro encontrado dentro das águas e seu corpo e situações reais do acontecido, nunca esclarecidas. E o caso da comerciante chinesa Ye Guee que ao sair de uma casa de câmbio, com quantia significativa de dinheiro, foi abordada por uma viatura policial e pimba, nunca mais... Nas favelas, a lista de nomes é imensa... mas quando mata-se favelado, é diferente, no máximo uma mãe, uma irmã desesperada no noticiário, depois ninguém mais saberá o nome das vítimas, seja o menino que saiu pra comprar pão, seja o trabalhor que regressava tarde da noite depois de uma jornada exaustiva.


Quem foi a praia do Arpoador, Zona Sul - Rio de Janeiro, este final de semana teve a real dimensão do des-preparo da Polícia de Sérgio Cabral, nosso saudoso governador. O Grupo de Operações Táticas, leia-se os mais bem preparados políciais da corporação, aqueles que conseguem imobilizar sequestradores - isso quando não acertam na cabeça das vítimas - dispararam três tiros em um sujeito suspeito, que ameaça banhistas com um "canivete". Não defendendo o "elemento", que tava mais pra malucão, do que para qualquer outra coisa, e que deveria sim, ser detido, levado, penalizado, mas não com sua vida.

Ora, um grupo especializado, com certeza em número superior a "um" - o cara do canivete, conseguiria imobilizar o sujeito sem ter que sujar de sangue as areias da praia lotada e cheia de crianças. O que mais assusta, é a incapacidade de ação, e a opção pela concepção de assassinatos. Cada vez mais, e em plena arena, diga-se areia, para o povo todo ver...


O triste episódio trouxe à tona:

A filosofia do "atirar para matar" da Polícia Militar;
Seu despreparo para agir nestas situações;
A discussão sobre a possibilidade de ampliação no uso de armas não letais, para este tipo de circunstância;
O prognóstico assustador da aprovação de grande parcela da população civil, levantando a máxima de que "ladrão bom, é ladrão morto";

Não podemos deixar de levantar a bandeira dos Direitos Humanos, frente a essa maré "fascista" de limpeza social. Vivemos um ápice da violência, a desigualdade social e de oportunidades se agrava a cada dia. Nosso sistema penitenciário é um fracasso pleno e pouco se discute suas necessárias reformulações. Nossas cadeias funcionando como pós-graduações para o Crime organizar-se, e lá de dentro os detentos chaves, comandam ações de seus grupos aqui fora. Com dinheiro e bons advogados, conseguem rapidamente suas reduções de pena, e demais flexibilizações que o sistema fornece.


Temos que cuidar nossas crianças, orientá-las, educá-las, alimentá-las, não permitindo que continue a formação de exércitos de bandidos como vemos na maioria dos bairros de periféria espalhados por este país. A bandidagem rola solta, todos sabemos, é cruel e nefasta, mas nossa polícia não pode ser assim também. As corporações devem ser organizadas sob valores, ética, razão. Com melhores salários, mais treinamentos, uma vez que é composta de trabalhadores, pais de família, filhos, que devem ter condições dignas de vida para poderem exercer com plenitude suas funções de manutenção da ordem pública e segurança dos cidadãos, e não evoluirem para uma nova versão, miliciana, de bandidos fardados.

Para o alto escalão da PMERJ o fato citado do Arpoador foi um sucesso. Para boa parcela da nossa Opinião Pública também...

E aí??? é essa a mentalidade que queremos transmitir?

Discutir a raiz do problema é um buraco bem mais embaixo, onde, infelizmente, nem todos querem descer.

Por Graziele Saraiva