27.2.07

Antifascistas contra a criação do museu ao ditador Salazar

Sessão pública de afirmação dos ideais antifascistas no dia 3 de Março às 15h. no Auditório Municipal de Santa Comba Dão

Contra a criação do museu
ao ditador em Santa Comba Dão
A União de Resistentes Antifascistas Portugueses (URAP) está contra a possível criação, por parte da Câmara Municipal de Santa Comba Dão, de um museu sobre o período do Estado Novo e Salazar. O núcleo de Viseu e Santa Comba Dão desta entidade marcou para o próximo dia 3 de Março, pelas 15H00, uma “sessão pública de afirmação dos ideais antifascistas”.


A sessão decorrerá no auditório municipal santacombadense e conta com a participação do coordenador do conselho directivo da URAP, Aurélio Santos. Alberto Andrade, da URAP, adiantou, que está igualmente previsto lançar um abaixo-assinado contra esta intenção do município. Para aquele elemento da URAP, a autarquia quer “criar uma organização centrada na propaganda da ditadura corporativo-fascista, em conflito com a Constituição da República e afrontando todos os portugueses que se identificam com a democracia e o acto fundador do 25 de Abril”.

“Realizamos esta sessão pública, porque é preciso, imperioso e urgente afirmar os ideais antifascistas em Santa Comba Dão e em todo o país, e travar mais esta tentativa de branqueamento do fascismo e de degradação do regime democrático”, frisou. Mostra-se igualmente crítico pelo facto de a autarquia ter efectuado um protocolo com Rui Salazar Mello, sobrinho-neto de Salazar, “em que irá pagar dois mil euros por mês para este senhor fazer parte da gestão do museu, em troca da cedência de documentos do ditador”.

Gravura de José Dias Coelho (1923-1961), assassinado por uma brigada de esbirros da PIDE, polícia política do regime fascista de Salazar

Foi recentemente lançado um novo livro de autoria de João madeira, Irene Flunser Pimentel e Luís Farinha com o título Vítimas de Salazar, Estado Novo e Violência Política.
Transcrevemos, com a devida vénia, uma breve resenha do livro retirada de:


Vítimas de Salazar, de João Madeira, Irene Flunser Pimentel e Luís Farinha, permite percorrer esse duplo caminho que atravessa resistência e repressão. Ao mesmo tempo que aborda a violência cometida pelas autoridades, recupera o rosto daqueles que arriscaram romper o cerco e lutar, das mais variadas formas, contra o regime ditatorial. Como declara João Madeira na introdução, este não é o estudo sistemático «que é globalmente indispensável» e «que tem vindo a ser parcelarmente realizado» sobre este domínio. Ainda assim, convém esclarecer que a obra não se limita a coligir e elucidar situações mais ou menos emblemáticas, mais ou menos desconhecidas – tarefa já de si altamente louvável – mas proporciona uma útil visão de conjunto sobre os mecanismos da repressão política.



No prefácio, Fernando Rosas elabora algumas considerações sobre os dois temas que, visível e invisivelmente, percorrem a obra: a violência e a memória. Sobre esta, Rosas salienta que a revolução de 1974/75 se fez, desde logo, em nome da «memória do antifascismo», o que explicaria o assalto à PIDE, a libertação dos presos políticos, a liquidação do partido único e da censura, a extinção da Legião Portuguesa (LP), da Mocidade Portuguesa (MP) e da Mocidade Portuguesa Feminina (MPF), bem como os saneamentos de governantes, delatores e colaboradores do regime.

Num segundo momento, colocado na curva da década de setenta para a década de oitenta, teria emergido uma «cultura de negação/revisão» dessa memória que fora dominante durante o biénio revolucionário. Fernando Rosas identifica três manifestações deste processo: 1. «a anulação ou esvaziamento prático de grande parte das medidas de justiça exigidas e parcialmente impostas»; 2. «o prolongado fecho de alguns arquivos essenciais à investigação histórica do Estado Novo e suas instituições»; 3. «a construção progressiva de um discurso de revisão historiográfica», que não tem a ver com a querela relativa a classificação (ou não) do regime como um fascismo, mas com uma dada interpretação que lhe enfatiza o lado civilista. Liderada por um professor catedrático e temperada por uma «matriz católica», a ditadura portuguesa ter-se-ia caracterizado pelo seu «baixo teor de violência».

É precisamente sobre a questão da violência, central neste volume, que Rosas faz mais algumas breves alusões. Enquanto projecto de superação do liberalismo e de cura da Nação através da erradicação dos «traidores da Pátria», a violência dos regimes de tipo fascista era «potencialmente irrestrita», variando a sua extensão de acordo com as circunstâncias e as possibilidades. A durabilidade dos regimes implicaria, pois, uma cuidadosa gestão entre a «violência preventiva» e a «violência punitiva», caminhos apostados em «enquadrar a massa» e «moldar os espíritos».

A primeira seria a forma mais constante, ainda que menos evidente, de violência política, e sustentava-se na intimidação, na dissuasão e no medo. Neste campo jogaram um papel essencial a igreja católica – sobretudo até a década de cinquenta –, o aparelho censório e os organismos estatais de inculcação ideológica. Aqui se traçava um «primeiro círculo de segurança que toda a gente que não quisesse correr sérios riscos ou arranjar problemas graves, interiorizava não poder pisar». O segundo domínio da violência – o da repressão directa – agia sobre um número quase sempre mais escasso de indivíduos e servia-se de uma rede própria: a PIDE, a PSP, a GNR, a LP, os tribunais especiais, as prisões e os campos de concentração, bem como por uma legislação penal que suportava e permitia uma série de arbitrariedades.
Mobilizando uma quantidade apreciável de documentos, informações e testemunhos, os autores de Vítimas de Salazar desenham um retrato inequívoco da identidade agressiva do Estado Novo. Nele se destacam as perseguições, os assassinatos, os interrogatórios da PIDE – onde, como lembrou o psiquiatra Afonso de Albuquerque, o que interessava não era fazer falar mas «a destruição da personalidade do preso e a criação de um clima de terror» – ao mesmo tempo que se vai apontando a referida «violência preventiva»: a censura, as escutas telefónicas, o medo, a mentalidade delatória, a violação de correspondência, as estruturas ideológicas do regime, são alguns dos temas documentados. Não se confundindo, pois, com um libelo acusatório, o livro não abdica de «tomar partido», isto é, de mostrar que na dialéctica entre torcionários e vítimas, delatores e perseguidos, opressores e oprimidos, a dignidade está apenas num dos lados.

João Madeira, Luís Farinha, Irene Flunser Pimentel (2007), Vítimas de Salazar. Estado Novo e Violência Política. Prefácio de Fernando Rosas. Lisboa: A Esfera dos Livros. 452 pp. [ISBN 978-989-626-044-6]

26.2.07

A ideologia dos senhores do mundo

Os Senhores do Mundo têm em comum valores e princípios fundamentais que são o cimento ou base de sua unidade, o seu denominador comum. A adesão a estes princípios é obrigatória para ser admitido no Círculo dos Senhores do Mundo e de suas organizações (FMI, etc).

Os princípios-chaves dos Senhores do Mundo

1 - Os fins justificam os meios.

2 - O forte deve dominar o fraco. O forte foi concebido para ser um predador, e o fraco para ser a presa.

3 - A eliminação dos fracos é conforme o pincípio da seleção natural (cf. Darwin).

4 - A vida de todos os indivíduos não tem o mesmo valor. Os que têm um valor negativo podem ser eliminados, conforme o interesse superior do conjunto.

5 - O mundo deve ser governado por uma elite.


Os Predadores (citação do livro "Os Novos Senhores do Mundo" de Jean Ziegler) 

No coração do mercado globalizado, o predador ( banqueiro, o resposável de uma sociedade transnacional, operador do comércio mundial) acumula dinheiro, destrói o estado, destrói a natureza e os seres humanos, e, mediante a corrupção conquistam os agentes apodrecidos que deveriam assegurar os serviços junto aos povos que ele domina.

Para os fortes, e também para os fracos que sonham em alcançá-los, a felicidade reside no solitário desfrute de uma riqueza obtida no esmagamento do próximo, mediante a manipulação da bolsa, da fusão e concentração de empresas sempre cada vez mais gigantescas e da acumulação acelerada de qualquer origem. Última invenção da cupidez empresarial: patentear seres vivos (humanos, vegetais...).

A racionalidade mercantil devasta as consciências, aliena o homem e distrai a multidão de seu próprio destino, que deveria ser livremente debatido, democraticamente escolhido. A lógica da mercadoria asfixia a liberdade irredutível, imprevisível do indivíduo. O ser humano é reduzido à sua pura funcionalidade no mercado.

Novos mini-livros da Colecção Pandora/Associação Coice de Mula

NOVOS MINI LIVROS EDITADOS NA Colecção "Pandora" / Associação Coice de Mula

10 – Os Anarquistas Naturianistas e Anticientíficos por José Tavares

11 – Lógica do Terrorismo por Michel Bouman


Mas estão também disponíveis os números anteriores:

1 - O Falso Princípio da Nossa Educação por Max Stirner

2 - O Comunismo de Mercado Como Utopia do Capital por Flora Montcorbier

3 - Vida de Miguel Bakunin por Rudolfo Rocker

4 - O Viajante e o seu Duplo ou o Complexo da Falsidade por Jean-Didier Urbain

5 - Anarquismo em Portugal (1974-2004), Conclusão Provisória por José Tavares

6 - A Estrutura do Poder em Cuba por Sam Dolgoff

7 – Hesitações de Uma Institucionalização, As bolsas de trabalho em França por Jean-Paul de Gaudemar

8 – Apontamentos Sobre os Anarquistas e a Guerra por José Tavares

9 – A Concepção do Naturismo Libertário por Henri Zisly

As encomendas podem ser solicitadas para
jornal_coice_de_mula@hotmail.com

ou Apartado 21477 1134 Lisboa codex

Cidadania sexual e de género ( seminário na Faculdade de Psicologia e de Ciências de Educação do Porto)

Procurando uma Cidadania Sexual e de Género: Acção Política e Reflexões em torno das Discriminações Sociais

Seminário no âmbito da Psicologia política

No dia 1 de Março, a FPCE-UP acolhe o seminário "Procurando uma Cidadania Sexual e de Género: Acção Política e Reflexões em torno das Discriminações Sociais", organizado no âmbito da Pós-Graduação em Psicologia Política.

O evento terá lugar no auditório da entrada, entre as 18 e as 20 horas.

A entrada é livre.

Programa

- Percursos e estratégias do Movimento Gay: o colectivo e o sujeito no espaço da cidadania;
- A Discriminação Social como enfoque de reflexões teóricas e de estudos em Portugal: factos, modos de violência, projecto do Observatório da Homofobia.
- Movimento Associativo, Acção Directa e Empoderamento Pessoal: questionar as identidades e agir para a redução da violência e da discriminação social;
- O Género como base da Acção Colectiva: que entendimentos e que caminhos de Acção?

Orador: Sérgio Vitorino - Jornalista e activista gay
Moderador: Nuno Santos Carneiro - Psicólogo

O nº 22 da revista Utopia já saiu

O nº 22 da revista Utopia, correspondente ao segundo semestre de 2006, já se encontra em distribuição pelos vários locais de venda espalhados pelo país.
Do seu índice destacam-se os textos sobre «Anarquia, Anarquismos e tolerância», «A violência, origens e anarquia» ( por E. Rodrigues), «Desvio e punição numa sociedade anarquista», «Da violência dos dominantes às violências dos dominados», uma breve biografia de militante anarco-pacifista Luis Lecoin, e muitos outros artigos e informações que, junto de um renovado aspecto gráfico, muito valorizam esta revista, a qual ocupa um lugar único no panorama da imprensa escrita em Portugal.
A revista encontra-se à venda em vários locais mas pode ser pedida para

Os Impérios ao longo de 5.000 anos em 90 segundos



A grande acção global de 2007 para transformar o mundo

Convocatória para a realização de uma

Greve Mundial para o próximo dia 7 de Junho

Um vídeo está a circular pela grande rede global que é a Internet convocando uma mobilização mundial para o próximo dia 7 de Junho, data da realização da cimeira dos G-8 na Alemanha.

Apela-se assim para nesse dia ninguém ir trabalhar nem ir fazer qualquer tipo de compras como forma de reivindicar que as coisas mudem,
no sentido de uma luta mais eficaz contra a pobreza.
ver link
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Organiza a tua indignação,
liberta os teus sonhos






Para mais informações:

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Manifestação brutalmente reprimida em Bilbao

Mais info aqui

A manifestação realizada no Sábado passado a pedir a amnistia para os presos políticos bascos e que contou com milhares de manifestantes foi brutalmente reprimida pela polícia tendo-se registado dezenas de feridos.
Não obstante isso, as mobilizações populares nas ruas de bilbao prosseguiram e multiplicaram-se um pouco por toda a cidade de Bilbao até ao fim do dia, visando reclamar uma solução negociada e pacífica no conflito entre os bascos e o Estado espanhol.
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Ver abaixo o impressionate vídeo sobre a repressão brutal da polícia do estado espanhol contra os manifestantes pacíficos



25.2.07

A ópera nasceu há 400 anos


Textos retirados do Jornal de Notícias de 24 de fevereiro de 2007


Há 400 anos nascia aquela que é considerada a primeira experiência de ópera. O autor, Claudio Monteverdi, inspirou-se na história do músico semideus Orfeo que perde a mulher, Eurídice, em plena boda de casamento, para compor "L'Orfeo".

Na noite de 24 de Fevereiro de 1607, os apartamentos privados do duque de Mântua abriram-se para a representação desta função musical, encomendada a Monteverdi pelo duque Francesco Gonzaga. Se passasse a prova da audição privada, a obra deveria ser apresentada em público, como aconteceu, uma semana depois, integrada nas comemorações do Carnaval de Mântua. Essa noite ficaria célebre foi aí que se estreou "L'Orfeo", considerada por muitos especialistas como a primeira ópera no sentido moderno.

"Ao apresentar a sua "favola in musica", Monteverdi fizera questão de dar à partitura, e sobretudo ao canto, um papel que até aí estava fora das preocupações dos seus contemporâneos", lembra António Mega Ferreira, presidente da Fundação Centro Cultural de Belém, que anteontem, no grande auditório, levou a cabo uma gala monteverdiana para assinalar a passagem dos 400 anos sobre esta primeira apresentação.

A "favola" de Monteverdi, com libreto do poeta Alessandro Striggio, retomava o mito de Orfeu e Eurídice, mas, em vez de o tratar como tragédia declamada ou recitativo acompanhado por música, propunha uma apropriação musical do mito e o seu tratamento em forma de drama musical. Lembre-se que a obra de Monteverdi é tida como sendo a primeira ópera porque tanto o seu libreto como a sua música chegaram aos nossos dias. Contudo, já alguns anos antes da apresentação de "L'Orfeo", a obra "Dafne" (1597), da autoria de Jacopo Peri e do poeta florentino Ottavio Rinuccini, era também uma tragédia declamada acompanhada por música. Foi apresentada em Florença por alturas dos esponsais de Maria de Médicis com Henrique II de França, mas a música dessa obra há muito que desapareceu. Por isso, hoje, a ópera mais popular do século XVI é, sem dúvida, "L' Orfeo", composta em 1607, dez anos depois de "Dafne".

Como afirma a musicóloga alemã Silke Leopold, do Departamento de Musicologia da Universidade de Heidelberg (Alemanha),"uma característica distintiva da música de Monteverdi, é o dar vida à palavra e ao gesto, mas também, e sobretudo, às personagens, aos seus estados de alma, que afloram nas entrelinhas a sua música é a expressão simultânea de uma emoção espiritual e gestual" .

Também o músico Enrico Onofri, da orquestra barroca "Divino Sospiro", defende que o fascínio que a audição das criações de Monteverdi exerce ainda hoje se deve "à utilização de um estratagema retórico-musical que consiste em alternar episódios de serenidade ou, mesmo, relativamente estáticos, com outros vivíssimos e agitados".


O universo da ópera é pontuado por várias obras-primas. Peças que se tornaram imortais e que resistem ao passar do tempo. Exemplo disso são óperas como "Don Giovanni",de Mozart, que estreou em Praga em Outubro de 1787. Ou então "O barbeiro de Sevilha", de Gioacchino Rossini,escrita propositadamente para estrear na época do Carnaval de 1816. Há ainda o exemplo de " Rigoletto", de Giuseppe Verdi, que estreou em Veneza em 1851, ou da então ousada "Carmen", de Georges Bizet. A cigana indomável e o seu amante desesperado, Don José, inflamaram o público que assistiuà estreia na Opera-Comique de Paris, em 1875. Na senda de obra-prima aparece também a "Tosca", de Giacomo Puccini, considerada uma das óperas mais comoventes jamais escritas. Contém todos os ingredientes do género amor, morte, violência, sexo, corrupação, poder e lealdade




Forma de arte única com força vital própria

A ópera tem sido perseguida por acusações de elitismo e de snobismo. E em Portugal não escapa a esses epítetos.

Embora nos anos 60 e 70 do século passado houvesse, pelo menos nas cidades do Porto e de Lisboa, um público fiel aos espectáculos produzidos pela Companhia Portuguesa de Ópera, sediada no Teatro da Trindade, e pelo Círculo Portuense de Ópera, esta oferta não foi suficiente para estabelecer uma rotina. No entanto, os espectáculos apresentados naquele espaço e nos coliseus de Lisboa e do Porto eram muito populares.

A Companhia Portuguesa de Ópera( CPO), dirigida por Serras Formigal na altura Vice-Presidente da Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho (FNAT) torna o Trindade num centro de excelência do canto lírico português. É nessa altura que se produzem óperas como "A Boémia" (Puccini), "Serrana" (Alfredo Keil), "O Barbeiro de Sevilha" (Rossini), "A Traviata" e "Rigoletto" (Verdi), "Cavalaria Rusticana" (Mascagui), "A Condessa Caprichosa" (Marcos Portugal - Frederico de Freitas), ou "A Flauta Mágica" (Mozart),

Entre os elementos que integravam o elenco da CPO, extinta em 1975, contavam-se nomes de uma maioria de cantores portugueses, entre os quais Hugo Casais, Zuleika Saque, Álvaro Malta, Elsa Saque, Luís França, Fernando Serafim, muitos deles saídos do Centro de Preparação dos Artistas Líricos que funcionava no interior do projecto da Companhia Portuguesa de Ópera.

Apesar das dificuldades, no nosso país começa a haver uma abertura cada vez maior para este género de espectáculo. Mas isto não chega para o descolar do rótulo de elitista. Isto deve-se, em parte, aos preços dos bilhetes. A ópera é um espectáculo bastante caro, há quem o considere um luxo e mesmo lotações esgotadas dificilmente cobrem as despesas de produção (cantores, cenário, figurinos, luzes, orquestra, etc).

Actualmente, em Portugal há apenas um teatro especializado na apresentação de espectáculos líricos, o Teatro Nacional de São Carlos (TNSC) inaugurado em1793. A sua história identifica-se com a própria história da actividade operática em Portugal ao longo de mais de dois séculos.

O que é uma ópera?

Perguntarão os mais leigos "Mas afinal o que é uma ópera?" Sucintamente, é " uma peça de teatro em que o drama é relatado predominantemente pela música e pelo canto e não pelo discurso", escreve o crítico londrino e compositor Alexander Waugh no seu livro "Ópera - outra forma de ouvir", uma espécie de guia prático para iniciados.

Escreve Alexander Waugh que "a ópera é uma forma de arte única, profusa, diferente de todas as outras; não pode ser comparada com o cinema, o teatro, o bailado ou a música de concerto. A ópera tem uma força vital própria".

Na ópera,como em qualquer forma de arte, "o início do século XX foi tempo de experimentação e de fragmentação. Alexander Waugh lembra que Claude Debussy se inspirou em "Parsifal", a ópera que Wagner compôs em 1882, para, 20 anos mais tarde, compor "Pelléas et Mélisande", que mesmo assim foi uma obra inovadora.

Mais tarde, compositores como Bela Bartók, Arnold Schoënberg e Franz Shreker fizeram várias tentativas para, nas suas óperas, explorarem o tema da psicologia seguindo uma linha freudiana, de que são exemplos as criações de Richard Strauss com "Der Rosenkavalier" (O Cavaleiro da Rosa) em 1891. Alan Berg "levou este propósito mais longe nas sua ópera "Wozzeck (1925) , em que retrata um militar arruinado que sustenta a amante, Marie, submetendo-se às experiências de um médico louco", escreveu Alexander Waugh.

Nos anos 30 e 40 do século XX compositores como Chostakovitch com "O Nariz" (1930) ou Francis Poulenc com "Les Mamelles de Tirésias" (1947), fizeram experiências com o surrealismo e o absurdo poético.

"Devemos exorcizar qualquer noção errada que possamos ter, aceitar a ideia de que a ópera não é uma peça de teatro com música nem um concerto com uma peça associada, mas uma forma de arte vital que existe independentemente", defende Alexander Waugh





A Ópera sempre existiu ( Por Rui Vieira Nery)

Está a comemorar-se o aniversário da criação da ópera, como se esta tivesse "caído do céu" em 1607. Mas, a ópera é, em bom rigor, anterior ao teatro. Não foi a ópera que se separou do teatro; foi o teatro hoje dito declamado que se separou das manifestações sincréticas de palavra, canto, dança, representação, que remontam a tempos imemoriais e atravessam diferentes culturas (não são exclusivo europeu). Muito daquilo a que actualmente se chama ópera está mais próximo desse antiquíssimo sincretismo do que do dramma per musica seiscentista. Um Singspiel como a Flauta Mágica não terá mais afinidades estruturais com o Jeu de Robin et Marion (século XIII) do que com o Orfeo de Monteverdi? E a própria camerata fiorentina não se reclamava da herança do teatro grego - um teatro em que, para além de outras componentes vocais, corais, instrumentais, as vozes ressoavam através das máscaras per sonare, persona, personagem, "máscara colada à cara" (Pessoa)? Haverá uma grande diferença, deste ponto de vista, entre as peças a que António José da Silva ou o seu póstumo editor Ameno chamaram "óperas" (talvez jocosamente) e os autos ou farsas de Gil Vicente? Em ambos a música é chamada a desempenhar funções estruturais, com a diferença de, nas peças de O Judeu, ela ser constituída por árias da capo compostas em estilo italiano (ou em intencional caricatura deste). Ou lembremos o juízo do abade António da Costa, que via no antigo teatro escolar dos Jesuítas algo que hoje nos parece mais próximo do ideal wagneriano, enquanto a praxis da ópera italiana de meados do século XVIII em Roma, tal como ele a descreve, era diametralmente oposta à do seu contemporâneo Gluck em Viena... Em Roma, o abade não assistira a "nada de préstimo": só a "um zum zum, de quatro para cinco horas de rumor de rabecas, rabecões, trompas, etc., gritaria de gente, conversação contínua, risadas, palmadas, uns a gritar: bravo, bravone! Ah caro Cafarello! os que vendem sempre a apregoar ao redor dos camarotes, gritando desesperados: quem quer vinho, frutas, doces, etc." - em suma: ópera quase como arraial popular, onde nem sequer se fazia a distinção entre palco e plateia...


Que aconteceu, afinal, de especial, no contexto da cultura europeia, por volta de 1600? Talvez apenas uma confluência de dois movimentos em curso desde havia muito no teatro, a tendência crescente a fazer cantar a fala; na música, e mormente na polifonia vocal, a tendência crescente a fazer falar o canto ("nobre desprezo do canto" - Caccini). Num caso, a musicalização do teatro; no outro, a teatralização da música (comédia de madrigal).


Note-se, finalmente, que a "ópera", na versão seiscentista que hoje se comemora, era carnaval; surgiu pelo carnaval; era o mundo às avessas do maravilhoso pagão, como parte integrante do calendário litúrgico a cidade do demónio, por contraposição à cidade de Deus. Foi assim com Monteverdi, católico convicto, que fazia representar as paixões humanas pelo Carnaval, para logo se entregar à espiritualidade e à exaltação do divino pela Quaresma... Consoante o calendário, assim mudavam os temas e os estilos...


Inspiremo-nos nessa herança cultural. Se a ópera entretanto se "sacralizou", dessacralizemo-la.

A terra dos peles-vermelhas

Superbo documentário sobre a história dos peles-vermelhas e o etnocídio perpetrado pelos europeus sobre as culturas indígenas (doc. falado em francês)

Duas mil tribos povoavam o continente americano antes deste ser «descoberto» pelos europeus. Caçadores, colectores, pescadores viviam em sintonia com a natureza segundo um sincretismo religioso povoado por muitos elementos naturais. O documentário que abaixo inserimos traça a história de um genocídio e o terramoto cultural que se vivei com a chegada e a invasão do continente pelos colonos.
Mas a verdadeira invasão e ocupação deu-se no século XIX com a apropriação das terras por parte dos europeus sob o pretexto de que os índios não a cultivavam. Começam então as guerras e as epidemias que dizimam milhares de indígenas americanos. Pinturas da época mostram a euforia da conquista e a desolação das batalhas. O documentário, cujo autor é Jean-Claude Lubtchansky, sem ignorar os massacres, dá particular reace à destrução cultural que se verificou por efeito do domínio dos brancos sobre as culturas indígenas.

Recorde-se que o genocídio dos índios americanos ao longo de 4 séculos teve como consequência a redução da população autóctone de 7 milhões de indivíduos para os actuais 400.000, a que se deve somar o verdadeiro etnocídio que o acompanhou.



23.2.07

Viva o Poder Popular (letra e música de José Afonso)

No dia em que perfazem 20 anos da morte de José Afonso reproduzimos aqui três letras das suas canções mais interventivas. A primeira (Viva o Poder Popular) e a última (Foi na cidade do Sado) fazem parte do disco editado pela LUAR e destinaram-se a recordar a luta anti-capitalista de muitos portugueses nos anos quentes de 1974 e 1975, que custou a vida, por exemplo ao soldado Luís, alvo traiçoeiro dos aviões a mando dos golpistas do 11 de Março ( Spínola, CIA, etc).
O segundo tema ( O que faz falta) ficou no ouvido de muita gente e ainda hoje se pode ouvir em muitas manifestações.



Viva o poder popular


Não há velório nem morto
Nem círios para queimar
Quando isto der prò torto
Não te ponhas a cavar



Quando isto der prò torto
Lembra-te cá do colega
Não tenhas medo da morte
Que daqui ninguém arreda


Se a CAP é filha do facho
E o facho é filho da mãe
O MAP é filho do Portas
Do Barreto e mais alguém


Às aranhas anda o rico
Transformado em democrata
Às aranhas anda o pobre
Sem saber quem o maltrata



Às aranhas te vi hoje
Soldado, na casamata
Militares colonialistas
Entram já na tua casa


Vinho velho vinho novo
Tudo a terra pode dar
Dêem as pipas ao povo
Só ele as sabe guardar



Vem cá abaixo ó Aleixo
Vem partir o fundo ao tacho
Quanto mais lhe vejo o fundo
Mais pluralista o acho



Os barões da vida boa
Vão de manobra em manobra
Visitar as capelinhas
Vender pomada da cobra



A palavra socialismo
Como está hoje mudada
De colarinho a Texas
Sempre muito aperaltada



Sempre muito aperaltada
Fazendo o V da vitória
Para enganar o proleta
Hás-de vir comigo a glória



O Willy Brandt é macaco
O Giscard é macacão
O capital parte o coco
Só não ri a emigração



De caciques e de bufos
Mandei fazer um sacrário
Para por no travesseiro
Dum cura reaccionário



Não sei quem seja de acordo
Como vamos terminar
Vinho velho vinho novo
Viva o Poder Popular




O que faz falta

Quando a corja topa da janela
O que faz falta
Quando o pão que comes sabe a merda
O que faz falta


O que faz falta é avisar a malta
O que faz falta
O que faz falta é avisar a malta
O que faz falta

Quando nunca a noite foi dormida
O que faz falta
Quando a raiva nunca foi vencida
O que faz falta

O que faz falta é animar a malta
O que faz falta
O que faz falta é acordar a malta
O que faz falta

Quando nunca a infância teve infância
O que faz falta
Quando sabes que vai haver dança
O que faz falta

O que faz falta é animar a malta
O que faz falta
O que faz falta é empurrar a malta
O que faz falta


Quando um cão te morde a canela
O que faz falta
Quando a esquina há sempre uma cabeça
O que faz falta

O que faz falta é animar a malta
O que faz falta
O que faz falta é empurrar a malta
O que faz falta


Quando um homem dorme na valeta
O que faz falta
Quando dizem que isto é tudo treta
O que faz falta

O que faz falta é agitar a malta
O que faz falta
O que faz falta é libertar a malta
O que faz falta

Se o patrão não vai com duas loas
O que faz falta
Se o fascista conspira na sombra
O que faz falta

O que faz falta é avisar a malta
O que faz falta
O que faz falta é dar poder a malta
O que faz falta





Foi na Cidade do Sado

Foi na cidade do Sado
No pavilhão do Naval
Havia uma bronca armada
Pelas bestas do capital


Aos sete do mês de Março
Quinta-feira já se ouvia
Dizer a boca calada
Que o PPD era a CIA


Uma tarjeta laranja
Convite ao povo fazia:
Venham todos ao comício
Da Social Democracia

Eram talvez quatrocentos
Gritando a plenos pulmões:
Abaixo o capitalismo
Não queremos mais tubarões

Lá dentro sessenta manos
Do PPD exibiam
Matracas e armas de fogo
E o mais que os outros não viam

A um sinal combinado
Já quente a polícia vem
Arreia, polícia, arreia
Que o Totta-Acores paga bem

Amigo arrebenta a porta
Que te vão para matar
As bestas já fazem fogo
Lá fora tens de lutar

Os gases lacrimogénios
E os tiros que então partia
Mais os cordões da polícia
Os Pê Pê Dês protegiam



Cai morto João Manuel
De nascimento algarvio
Dezoito já eram feridos
Ficou o Naval vazio


Justiça pela noite fora
Pediu o povo na rua
Morte à polícia assassina
Amigo a vitória é tua



Aos onze do mesmo mês
Às onze horas do dia
Enquanto o João passava
Enquanto o João jazia


Do outro lado do rio
Morre o soldado Luís
Soldado filho do Povo
Vamos fazer um País


24 de Fevereiro na CasaViva ( no Porto) - conversa e filmes sobre o Terrorismo de Estado na Rússia e a guerra na Tchetchénia

O Terrorismo de Estado na Rússia. A Guerra na Tchetchénia -
conversa com Cristina Dunaeva e Fernando Bonfim
no dia 24 de Fevereiro ( Sábado) a partir das 18 h.
na Casa Viva (à Praça do Marquês de Pombal, 167) na cidade do Porto


entrada livre

Há dois séculos que os tchetchenos são considerados terroristas, ora pelos czares do Império Russo, ora pelos dirigentes do Partido Comunista da URSS, ora pelos chefes da Federação Russa. Mas quem é terrorista nesta história?


Cristina Dunaeva e Fernando Bonfim procuraram a resposta e registaram a pesquisa no livro “O Terrorismo de Estado na Rússia: a guerra na Tchetchénia nos descaminhos da indústria da violência” (ed. Achiamé, Rio de Janeiro), assinando pela Ação Literária pela Autodertimanação dos Povos.


O foco principal da publicação é o conflito dessa pequena república situada na região a norte das montanhas do Cáucaso que reclama a independência.

Por essa causa, Cristina Dunaeva e Fernando Bonfim (Brasil) estão em Portugal.


Em Aljustrel, no Centro de Cultura Anarquista Gonçalves Correia, no dia 23 de Fevereiro (www.goncalvescorreia.blogspot.com),


e no Porto, na CasaViva (Pr. Marquês do Pombal,167), no sábado, 24 de Fevereiro, a partir das 18h00.
http://casa-viva.blogspot.com/

e em Lisboa na BOESG (R. das Janelas Verdes 13, 1º esq.), nos próximos dias 2 e 3 de Março

Sobre a causa, trazem o livro que publicaram, fruto de dois anos de trabalho, fotografias e DVDs.


Programa para o dia 24 de Fevereiro no Porto ( na Casa Viva)

18h00 – Projecção de “Prisioneiro das Montanhas”, de Serguei Bodrov 1996 (legendas em castelhano)
Em 1994, logo após a desintegração da URSS, a Rússia invade a Tchecténia. Dois soldados russos são presos e levados para uma vila tchetchena no meio das montanhas, onde convivem com os moradores. Adaptação contemporânea de um conto de Liev Tolstoi (115’).

20h00 – jantar vegetariano (para ser grátis, traz comida para partilhar)

21h30 – Conversa com Cristina Dunaeva e Fernando Bonfim sobre O Terrorismo de Estado na Rússia e a guerra na Tchetchénia, num cenário de meia centena de fotografias.

23h30 – Projecção de “A Casa dos Loucos”, de Andrei Kontchalovski 2003 (legendas em inglês)Em 1995, durante as primeiras operações militares na guerra da Tchetchénia, um manicómio é abandonado pelos médicos e enfermeiros. Os pacientes – agora livres, em casa – passam a conviver com os rebeldes tchetchenos e o exército russo. (104’)



Antecipando a conversa fica um pequeno artigo introdutório ao tema...



Imperialismo russo e a guerra na Tchetchênia:os descaminhos da indústria da violência

Convidada pela Federação Internacional de Direitos Humanos para o IV Fórum Social Mundial, Lida Iussupova procura incansavelmente denunciar um dos mais graves genocídios contemporâneos: o extermínio generalizado e o terror militar causado pela guerra na Tchetchênia. Representante da ONG Memorial na cidade de Grozny, capital da Tchetchênia, Lida recebeu em abril de 1994 o prêmio Martin Ennals Award for Human Rights Defenders por sua luta em defesa dos direitos humanos.

Antes de retornar para Grozny, Lida (...) nos relatou as atuais condições de vida dos tchetchenos, a história das guerras, a resistência de seu povo contra a violenta ditadura do Estado soviético e, atualmente, contra os crimes de guerra das tropas militares russas.

Os povos das montanhas do Cáucaso Setentrional – tchetchenos, inguches, ossetas, kabardinos, balkaros, karatchai, tcherkesse e outros – sempre representaram entraves para as tentativas imperialistas euro-asiáticas: resistiram aos impérios tártaro-mongol, turco-otomano, russo e soviético. A geografia auxilia nas estratégias de resistência. A região montanhosa dificulta o acesso para as tropas dos invasores, enquanto as formas seculares de auto-subsistência das comunidades tradicionais colaboram para a sobrevivência.Pastores nômades e agricultores, estes povos organizavam-se através de conselhos das comunidades e foram vistos como bárbaros e “atrasados” não só pelo Império Russo que tentou dominá-los durante longa e sangrenta Guerra do Cáucaso (1817-1864), mas também pelos dirigentes da União Soviética que se opuseram à criação de uma República Autônoma dos Montanheses, logo após a revolução de 1917.

Com a desintegração da URSS, a Tchetchênia novamente proclama a independência. Mas o poder imperial somente trocou de nome porque, em 1994, as tropas russas invadem a Tchetchênia. Começa a guerra, que dura até hoje – vitimando mais de 300 000 pessoas e fazendo cerca de 500 000 refugiados.

Comunidades tradicionais na Tchetchênia

A estrutura social das comunidades tradicionais na região da Tchetchênia e do Cáucaso Setentrional é formada por teipes. As teipes podem ser compostas por diversas famílias e, além disso, aceitam outros agregados em sua composição social, provindos de outras regiões.

As teipes são constituídas por uma vila ou por um conjunto de vilas. Todas as questões cotidianas referentes aos seus habitantes são decididas nos conselhos, compostos pelos anciãos das teipes e, em alguns casos específicos, por outros representantes da comunidade. O Conselho dos conselhos legisla sobre questões que envolvem o coletivo das teipes. Forma-se, ainda, o Conselho Maior, congregando todos os povos das montanhas.

A estrutura horizontal, participativa e representativa dos povos das montanhas se contrapunha às tentativas de estabelecimento de um Estado ou outras formas de hierarquização institucional. No caso de guerra, escolhe-se um líder, a quem todos os habitantes juram lealdade militar. A terra, as águas e os bosques pertencem aos habitantes das vilas. As tarefas de subsistência são realizadas pela própria comunidade, baseadas essencialmente na plantação de batata, milho e trigo, além das atividades pastoris. Pelas torres de pedra, a segurança da comunidade se faz através de atenta observação do território.

O Estado na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS):militarização, repressão e russificação


Após a criação da URSS, o processo de russificação e militarização no continente foi abrupto e violento. Abrupto por interromper e subjugar povos e comunidades que, por séculos, desenvolviam suas diversas formas de auto-governos. Em poucos anos, esse exercício de autonomia social foi substituído pela heteronomia estatal soviética (tal processo não fora exclusividade das ações do PC Soviético: em outros continentes, a formação e o desenvolvimento do Estado-nação caracterizou-se, essencialmente, pela usurpação das habilidades de auto-governo de comunidades tradicionais). Violento porque tais comunidades, descentralizadas e espalhadas pelo planeta, experimentaram a força dos modernos mecanismos de repressão militar combinados com a força de persuasão dos modernos mecanismos de propaganda e marketing. A sobrevivência do modo de vida comunitário autônomo fora encurralado. Assim, para compreendermos os conflitos atuais na Rússia provenientes da desintegração da URSS – como a guerra na Tchetchênia – percebemos que o processo de russificação, militarização e repressão constituiu a base das violações dos direitos humanos cometidos na época do governo imperialista da URSS.

A dominação pelo Estado das atividades comunitárias essenciais ao auto-governo social, tradicionalmente exercidas pela própria comunidade e núcleos familiares, se materializou através do surgimento de especialistas: estes passaram a apontar a melhor maneira para administrar a sociedade, gerir a economia, educar, remediar pequenas enfermidades, fazer sexo, lavar roupas, praticar esportes, parir crianças e enterrar os mortos. Indicam também a música da moda, explicam os motivos das grandes guerras e das catástrofes humanas, enfim, retiram de nós próprios as habilidades humanas de agir e emitir opiniões sobre nossas vidas. Aos especialistas do Estado é repassada a incumbência de gestão social. E a especialização da gestão social, por sua vez, nada mais é do que a radicalização da divisão do trabalho, processo capitalista iniciado com a Revolução Industrial, na Inglaterra, e globalizado através das grandes empresas transnacionais, na atualidade.No caso do Estado soviético, a divisão do trabalho configurou-se na formação de uma classe social de gestores (dirigentes), empenhados em submeter a classe trabalhadora de camponeses e operários à nova ordem dita comunista.

A operacionalização e implementação social dos mecanismos de lealdade aos dirigentes foram criados logo a partir das primeiras medidas de Lenin, principalmente na concepção da vetchka (ВЧК – Comissão Excepcional Superior, futura KGB) – os administradores, policiais e funcionários do Partido cuidavam para que toda e qualquer deslealdade significasse ato contra-revolucionário.

No que se refere ao papel dos professores, estes já contavam inicialmente com amplo apoio do aparato estatal para universalizar o ensino obrigatório do idioma russo em todas as regiões da União Soviética. A nova ordem bolchevique procurava uniformizar, disciplinar e controlar a totalidade de centenas de povos que habitavam o extenso continente euro-asiático.Os conflitos decorrentes desse processo, acentuados pela morte de milhões de pessoas com as repressões stalinistas (como a deportação de tchetchenos ordenada em 1944), são a origem das recentes guerras travadas entre o governo russo e os povos de ex-repúblicas soviéticas em torno da questão da autonomia política.

Atuais condições sociais na Tchetchênia


A infra-estrutura urbana da Tchetchênia foi destruída com a guerra. O sistema de canalização, os elevadores e a calefação nos prédios praticamente não funcionam. A população procura comprar água trazida de outros lugares. A eletrificação é reconstruída lentamente, improvisada em perigosas ligações clandestinas. As condições sanitárias estão em colapso. Apenas as avenidas centrais recebem limpeza adequada, enquanto nos demais locais acumula-se toneladas de lixo. No mercado central, ao lado das montanhas de entulho e outros detritos, comercializa-se carnes, verduras e frutas. O desemprego leva a população ao trabalho informal. Sem qualquer documentação, os trabalhadores são coagidos a pagar propina para a administração dos mercados. Além disso, são frequentemente assaltados por grupos armados e uniformizados.

O negócio mais lucrativo é a extração e refinação de condensador, atividade perigosa e extremamente prejudicial à saúde, assim como a coleta de metais e outros materiais nas fábricas abandonadas. Os coletores frequentemente se explodem com minas. O sistema de saúde é caótico. Além do tratamento dos feridos e enfermos, as crianças precisam de sério acompanhamento para reabilitação psicológica, pois muitas vezes permanecem longo período escondidas nos porões, sem alimentação adequada. A falta de vagas para as crianças nas escolas é permanente. Não há condições adequadas para o ensino, nem instalações para os estudos, nem sequer materiais escolares.Dessa maneira, o resultado das recentes ações das tropas militares russas durante a guerra na Tchetchênia é a destruição da possibilidade de auto-governo comunitário naquela região, e o controle territorial da população na formação de guetos nas cidades, nas vilas rurais e nos campos de refugiados.

Refugiados

A situação de vida insustentável nas grandes cidades leva milhares de pessoas a fugir para as áreas rurais ou para os campos de refugiados, nas repúblicas vizinhas. Estas alternativas não amenizam os problemas, pois as vilas rurais são constantemente alvo das operações de limpamentos (bombardeios generalizados) pelas tropas russas, enquanto a precariedade e a instabilidade da vida nos campos de refugiados não possibilita qualquer esperança para os tchetchenos. Alguns arriscam um novo destino nos grandes centros urbanos da Rússia – como Moscou ou São Petersburgo – encontrando xenofobia, preconceito e repressão da polícia: são eternos suspeitos de terrorismo.

Política do medo cotidiano e a dinamização da indústria da violência

Mas a política de medo cotidiano não é novidade para a população russa, que já enfrentara outrora a paranóia do poder repressivo stalinista, as deportações e assassinatos em massa, a cultura de delatação de inocentes instaurada pelo PC soviético. A diferença é a mudança do alvo desta política de medo cotidiano. Se antes os agentes e espiões do livre mercado capitalista eram os inimigos, hoje as minorias étnicas parecem ser as responsáveis por toda a pobreza e falta de perspectiva na sociedade contemporânea russa: é necessário vigiá-las, julgá-las, caracterizá-las como potenciais suspeitos. Nesse sentido, a desigualdade social é camuflada pela diferença étnica.Implementada globalmente em nosso planeta após os atentados políticos em 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos, a política de medo cotidiano tem dinamizado diversos segmentos econômicos ligados à indústria da violência. O fluxo de movimentação financeira proveniente da ampla cadeia produtiva desenvolvida através dessa indústria – produção de armamentos, serviços de “defesa” e segurança, soldados mercenários, financiamento de redes e atentados terroristas, diversificada produção cinematográfica e midiática, etc – representa o mais fundamental segmento da economia capitalista na atualidade.

As vantagens e promoções de produtos militares oferecidos pela Federação Russa atraem um amplo e diversificado leque de consumidores – desde o Brasil (negociações para a aquisição de caça-aviões Sukhoi), ou mesmo o governo venezuelano de Hugo Chavez, até o Estado de Israel. Dessa maneira, a guerra na Tchetchênia e suas implicações nas recentes formas de vigilância e controle da sociedade russa têm dinamizado os segmentos econômicos da indústria da violência naquele continente e, até mesmo, na América do Sul. E assim movimenta-se toda a cadeia produtiva da guerra.

22.2.07

Lançamento no Porto do livro Trabalhadores do Sexo Uni-vos! da antropóloga Ana Lopes

Amanhã ( 23 de Fevereiro) às 21.30 será finalmente lançado na cidade do Porto o livro Trabalhadores do Sexo Uni-vos da antropóloga Ana Lopes. O local escolhido para a iniciativa será no Clube literário do Porto ( à Rua Nova da Alfândega, 22). A apresentação da obra e da autora estará a cargo de Miguel Vale de Almeida, também ele antropólogo e professor catedrático.

Este livro, que é uma visão “de dentro”, escrito por uma ex-sex worker e activista pelos direitos dos trabalhadores do sexo, relata o processo pioneiro e a luta pela qual profissionais do sexo alcançarama sindicalização oficial no Reino Unido. Coloca questões essenciais em relação à emergência de movimento sociais, ao movimento internacional de trabalhadores e aos direitos das mulheres.

“Trabalhadores do Sexo Uni-vos!” explora a formação e a dinâmica da organização laboral dos trabalhadores do sexo, através da investigação-acção e da etnografia. Apresenta uma análise do debate feminista sobre o trabalho e a indústria do sexo e defende a aceitação do trabalho do sexo como um trabalho legítimo, a descriminalização da prostituição, e a atribuição de direitos laborais a todos aqueles que trabalham na indústria do sexo. É uma importante contribuição para a história do movimento dos direitos dos trabalhadores do sexo.

Em Fevereiro de 2000, quinze profissionais da indústria do sexo convocados por Ana Lopes concluíam que o movimento sindical era o caminho na luta contra os problemas ligados aos vários ramos do trabalho sexual.

Em Março de 2002, depois de várias recusas de sindicatos britânicos, o terceiro maior sindicato geral do Reino Unido criava uma nova secção: Indústria do Sexo.

Três anos depois, cinco países europeus têm sindicatos que representam os trabalhadores desta indústria.

"Trabalhadores do sexo uni-vos" dá a palavra a profissionais do sexo sindicalizados, que desmontam o discurso habitual sobre o negócio do sexo. Deslocar o debate sobre o trabalho sexual do quadro moral para o quadro laboral é a revolução que propõem.


Ana Lopes, a autora, antropóloga doutorada pela University of EastLondon, trabalhou na indústria do sexo durante quatro anos, como operadora de linhas telefónicas eróticas, modelo e dançarina de strip-tease. Activista e pioneira, é reconhecida internacionalmente como especialista em assuntos relacionados com a indústria do sexo e tem sido alvo de atenção por parte dos meios de comunicação de vários
países, designadamente em vários documentários televisivos e na imprensa.

Ver aqui a reportagem transmitida pela Sic sobre a autora

Consultar ainda:
www.sexworkeurope.org



Princesas,
um filme de Fernando León de Aranoa

A propósito do trabalho sexual não será certamente despropositado a referência que decidimos fazer aqui ao filme «Princesas» do jovem, mas já internacionalmente reconhecido, realizador espanhol Fernando León de Aranoa, e que conta na sua banda sonora com a música de Manu Chao
Trata-se de um filme sobre a prostituição, melhor dizendo, sobre prostitutas mas que evita cair em pieguismos conferindo dignidade e bravura às trabalhadoras sexuais.

Breve sinopse do filme:
Cayetana (Candela Peña) vem de uma família de classe média espanhola que ignora a sua vida de prostituta. Ela e outras profissionais do sexo passam o tempo num salão de cabeleireiro, reclamando das suas colegas imigrantes que cobram barato e que lhes roubam clientes. Uma dessas imigrantes é Zulema (Micaela Nevárez), dominicana que usa o dinheiro ganho nas ruas para sustentar o filho, que continua na sua terra natal. Um dia Cayetana encontra Zulema espancada e leva-a ao hospital. No caminho nasce uma amizade e ambas descobrem que idealizam um improvável amor.

Pequeno excerto do filme Princesas:


As Vinhas da Ira (de John Steinbeck)


As Vinhas da Ira (The Grapes of Wrath) é um livro do escritor norte-americano John Steinbeck, publicado no ano de 1939.
Relata a história de uma família pobre do estado de Oklahoma, que durante a Grande Depressão de 1929 vê-se obrigada a abandonar as suas terras e partir para um novo mundo, a Califórnia, em busca de melhores condições de vida melhores. A ideia é levar a família num pequeno camião até a Califórnia, onde se diz que trabalho lá não falta. Durante a viagem eles passam por diversos tipos de provações e quando chegam à Terra Prometida descobrem que era um lugar bem pior do que aquele que tinham deixado.
Ludibriados por falsas promessas, a família toda parte num velho caminhão pela famosa estrada 66 numa jornada em que nada pode ser previsto.
Por essa obra, Steinbeck recebeu o Prémio Nobel de Literatura no ano de 1962.

Steinbeck nasceu a 27 de Fevereiro de 1902 em Salinas, Califórnia. Apesar de ter estudado diversos anos na Universidade de Stanford, saiu sem qualquer grau e passou a trabalhar como operário para sustentar-se enquanto escrevia.
O seu primeiro romance foi publicado em 1929, mas foi somente a partir da publicação de Tortilla Flat, em 1935, que o autor alcançou o reconhecimento da crítica e do público. O seu sucesso literário continuou com In dubious battle (1936) e com Of mice and men (1937). As vinhas da ira (1939) conferiu a Steinbeck o Prémio Pulitzer. Nessas obras, os temas proletários acham-se expressos pelo retrato dos trabalhadores desarticulados e despossuídos que habitavam sua região. Os romances Of mice and men e As vinhas da ira foram mais tarde transportados para o cinema.
Em 1943 Steinbeck viaja para a África do Norte como correspondente de guerra. Alguns dos seus últimos trabalhos incluem Cannery Row (1945), The pearl (1947), East of Eden (1952), The winter of our discontent (1961) e Travels with Charley (1962). Produziu também diversos “scripts” para o cinema, incluindo a adaptação de dois entre seus trabalhos mais curtos: The pearl e The red poney. Steinbeck morreu em Nova Iorque em 20 de Dezembro de 1968.

As Vinhas da Ira foram passadas ao cinema por John Ford sob o título de A Conquista do Oeste onde os actores foram Henry Fonda e John Carradine

O tema do romance, ao enfatizar que há ainda muito por fazer:“the quest is never over”, nas palavras do próprio autor, procura reforçar e ampliar a consciência de luta social e a necessidade de continuar essa luta: “we ain’t gonna die out. People is goin’ right on - changin’ a little maybe, but goin’ on.”
Esse credo pessoal de Steinbeck será pronunciado, com as mesmas palavras, pela personagem-espiral, a “alma” do romance. De resto, não faltam comprovações de outros traços autobiográficos. O personagem Tom Joad resulta ser “a prova artística” do credo particular de Steinbeck: “[...] man reaches, stumbles forward, painfully, mistakenly sometimes. Having stepped forward, he may slip back, but only half a step, and never the full step back...”9 Com essas palavras sugeridas pela sua personagem, o autor parece reafirmar, uma vez mais, a mudança ocorrida. Apesar das graves dificuldades, não se pode voltar atrás, é preciso continuar e ganhar novas batalhas. Pode-se voltar meio passo, nunca um passo inteiro. À nossa frente a luta continua...



parte 1



parte 2



Parte 3



Parte 4


Ladrões de bicicletas (filme de Vittorio de Sica)


O filme é considerado uma das obras mais emblemáticas do neo-realismo italiano. Os actores que nele intervêm não são profissionais. Está baseado no livro Ladri dì biciclette de Luigi Bartolini.
O argumento do filme remete-nos para a Itália pós-guerra onde há falta de trabalho. O personagem do filme tem a sorte de arranjar um emprego, mas para isso tem de ter uma bicicleta.
Ladrón de Bicicletas sitúa la historia en la Italia de la posguerra donde el trabajo escasea y obtenerlo es un suceso excepcional. El protagonista de la historia tiene la fortuna de conseguir trabajo pegando carteles por la ciudad pero para poder realizarlo necesita una bicicleta, el problema es que su bicicleta esta empeñada por lo que su primera tarea será recuperarla. O problema é que após o seu primeiro dia de trabalho roubam-lhe a bicicleta e come la o seu futuro. O enredo desenvolve-se então numa busca incessante em tentar recuperá-la até que na cena final o protagonista vê-se condenado a converter-se ele também em ladrão.


Breves comentários - parte 1


parte 2

21.2.07

70.000 italianos manifestam-se contra o alargamento de uma base americana

Dezenas de milhares de manifestantes desfilaram no passado Sábado contra o alargamento da base militar do exército norte-americano de Vicenza no norte da Itália e onde está instalada a 173ª brigada aerotransportada. A manifestação decorreu pacificamente e a acção foi vista como um autêntico referendo popular contra aquele alargamento. Para a adesão popular não foi certamente alheio o descrédito em que os Estados Unidos se envolveram ao efectuarem raptos ilegais em território italiano, assim como a morte de um agente secreto italiano pelos soldados norte-americanos e, acima de tudo, pela invasão e ocupação do Iraque pelas forças armadas e por mercenários dos Estados Unidos.
Para piorar as coisas o alargamento será efectuado de forma descontínua, isto é, as novas instalações situar-se-ão no lado oposto ao da actual base, o que é motivo de sérias apreensões por parte dos residentes. A população teme pelas mais que previsíveis perturbações na circulação rodoviária assim como pelo facto da base se encontrar muito próximo da cidade o que a tornará um alvo num futuro conflito bélico.
Segundo fontes oficiais os efectivos norte-americanos da base de Vicenza deverão passar de 2.750 para 4.500 homens em razão do reagrupamento em curso das várias unidades do exército instaladas em Banburg e Schweinfurt na Alemanha.

Reportagem-video da manifestação ( com canções e música italiana como banda sonora)






Los poetas andaluces de ahora ( Rafael Alberti)

Qué cantan los poetas andaluces de ahora?
Qué miran los poetas andaluces de ahora?
Qué sienten los poetas andaluces de ahora?

Cantan con voz de hombre
pero, dónde los hombres?
Con ojos de hombre miran
pero, dónde los hombres?
Con pecho de hombre sienten
pero, dónde los hombres?

Cantan, y cuando cantan parece que están solos
Miran, y cuando miran parece que están solos
Sienten, y cuando sienten parece que están solos
Qué cantan los poetas, poetas andaluces de ahora?
Qué miran los poetas, poetas andaluces de ahora?
Qué sienten los poetas, poetas andaluces de ahora?

Y cuando cantan, parece que están solos
Y cuando miran , parece que están solos
Y cuando sienten, parece que están solos

Y cuando cantan, parece que están solos
Y cuando miran , parece que están solos
Y cuando sienten, parece que están solos
Pero, dónde los hombres?

Es que ya Andalucía se ha quedado sin nadie?
Es que acaso en los montes andaluces no hay nadie?
Que en los campos y mares andaluces no hay nadie?

No habrá ya quien responda a la voz del poeta,
Quien mire al corazón sin muro del poeta?
Tantas cosas han muerto, que no hay más que el poeta

Cantad alto, oireis que oyen otros oidos
Mirad alto, vereis que miran otros ojos
Latid alto, sabreis que palpita otra sangre

No es más hondo el poeta en su oscuro subsuelo encerrado
Su canto asciende a más profundo, cuando abierto en el aire
ya es de todos los hombres

Y ya tu canto es de todos los hombres
Y ya tu canto es de todos los hombres
Y ya tu canto es de todos los hombres
Y ya tu canto es de todos los hombres (bis)


Autor: Rafael Alberti

( poesia que serviu de letra para um conhecido tema do lendário grupo Aguaviva)


O carnaval e os caretos de Lazarim


Decorreu no último fim de semana e nesta 2ª e 3ª feira mais um Carnaval de Lazarim, pequena vila situada no concelho de Lamego, com difíceis acessos que a torna algo isolada, mas que não se cansa de dar provas de ser uma comunidade rural orgulhosa das suas raízes e tradições e que demonstra uma invulgar vitalidade na sua defesa e promoção.

Uma dessas manifestações são os caretos, máscaras de madeira de amieiro esculpidas por artesãos, e que saem à rua por alturas do Carnaval por intermédio dos filhos da terra, com particular destaque para as raparigas que, com galhardia e (muita alegria à mistura), demonstram assim o seu apego a uma manifestação genuína de cultura popular.

Com efeito, perde-se no tempo a festa do entrudo em Lazarim. Um dos testemunhos pessoais descreve o Carnaval de Lazarim em 1879 como uma manifestação medieval, recheada de referências ao belzebu, e que era motivo para brincadeiras sombrias que assustavam sobretudo os mais novos. Máscaras de madeira eram frequentemente revestidas a pele de coelho, cujo pêlo era depois rapado a lâmina de barba, deixando apenas assinalados com o pêlo do próprio animal as zonas das sobrancelhas e do bigode.Cobras e sardões, apanhados no estado de hibernação do Inverno, eram também frequentemente utilizados. Pregados às máscaras de madeira serviam de ornamento a estas, deixando aterrorizados habitantes.

Um dos pontos altos do Carnaval de Lazarim é a leitura na praça da aldeia dos Testamentos da Comadre e do Compadre feita sucessivamente por uma rapariga e um rapaz da terra. São então feitas as apreciações mais desassombradas a todos os jovens da aldeia sob a forma de versos compostos em segredo e onde não faltam os chiste e as inconfidências da má-língua, explorando muitas vezes as rivalidades entre os dois sexos. À compita assiste a multidão que não perde pitada e se diverte com as críticas cerradas feitas a uns e aos outros. E realmente só ouvindo em viva voz se pode dizer que em Lazarim, naquela tarde de 3ª feira, vale tudo entre os rapazes e as raparigas da vila.

Mandam as regras que só os solteiros possam criticar e só eles sejam alvo de chacota. Do Testamento consta a imaginároa distribuição de um burro ou burra, que a imaginação divide, cabendo a cada um o órgão ou parte que mais se adequa ao «defeito» que se quer denunciar na pessoas que é o alvo do versejador.

Todas, mesmo todas, as partes do animais são atribuídas, no meio de quadras que nem sempre dissimulam os palavrões. «As raparigas são mais finas, sabem dizer as coisas de outra maneira. Agora eles, às vezes, dizem tudo por claro», conta Ester Ribeiro, de 19 anos, uma das moças que têm ajudado a compor as estrofes da comadre. Sabe que vai ouvir das boas, mas já está preparada para não ligar. Sempre as raparigas as compuseram, mas só em 1985 se libertaram do porta-voz que fazia, por elas, a leitura das «deixadas» do testamento. Apesar da permissividade própria do Carnaval, que, dizem os antropólogos, serve para exorcizar e esquecer o passado, nem todos se contentam com um cerrar de dentes. Houve um ano em que a GNR foi chamada e as ofensas valeram multas de 400 escudos, acrescidos de cinco tostões de imposto de selo. No ano seguinte, o testamento só teve uma quadra: «Vamos ler o testamento / para que ninguém se fique a rir / por causa de 400 e coroa / fica a burra por dividir.»



Para ilustração bastará ler algumas quadras dos testamentos:

Testamento da Comadre
[ uma rapaz da vila lê o testamento a uma rapariga ]

Olá queridas comadres
Olá grandes feiticeiras
Cá estamos mais uma vez
Para vos tirar as peneiras.

Sois todas umas cadela
sQuase me matais de fome
Senão tivesse vergonha
Tratava-vos por outro nome.

Tende cuidado com o burro
Que ele é abonado
Se a dele não chegar
Tendes aqui mais um bocado

Hoje em dia as raparigas
São de lhe tirar o chapéu
Se lhes tirarmos os trapos
Ficam com os podres ao léu

Olá menina Márcia
Condutora de fim de semana
Não sei qual foi a ideia
Da tatuagem na mama

Já estou farto desta merda
Só me apetece dar um grito
Sois todas umas corrumbeiras
Ide todas levar no pito.

[excerto do Testamento da Comadre de 2000]


Testamento do Compadre
[ uma rapariga da vila lê o testamento a um rapaz ]

Quando tocares no apito
Não o mostres a ninguém
Apenas à namorada
Para ela o tocar também

Não sei que raio vos deu
Parece que é comichão
Passais a vida a coçar
O instrumento com a mão.

Sois todos uns paneleiros
que não valem 2 vinténs
Ninguém quer de vós saber
Até vos mijam os cães.

Alguns vêm de propósito
Para meter o focinho
Mas aquilo que nós queremos
É que leveis no cuzinho.

Alguns metem nojo
Com o paleio que têm
Se isto é tão ruim
Porque diabo cá vêm

De vós me vou despedir
Ó grande rapaziada
Não gostais de raparigas
Juntos fazeis marmelada.

[excerto do Testamento do Compadre de 2000]


«Uma vez pedi uma máscara, vesti-me, e saí de careto, juntamente com outra moça. Mas eles lá descobriram, fosse pela forma do corpo, fosse pelo andar, e começaram a querer pôr as mãos onde não deviam. Tivemos de fugir», recorda Maria de Lurdes, com 49 anos e muita saudade do tempo em que podia fazer versos para o testamento das comadres.

Segue-se depois o desfile tradicional em que não falta a farinha lançada ao ar, e que termina com a morte do compadre e da comadre, simbolizados em dois bonecos que acabam por arder no meio do fogo.
Para terminar, realiza-se o concurso das máscaras ( caretos) e se descobrem as caras dos respectivos portadores.
Para remate final, manda a tradição que seja servida a feijoada e o caldo de farinha que as mulheres da aldeia tratam de preparar num largo fronteiriço à praça principal.


Como homenagem a Lazarim inserimos a seguir um pequeno filme que fomos encontrar no you tube:

Pifaradas Zabunbadas dos Pastores






Os Caretos
Os Caretos são máscaras que escondem os seus portadores que andam pelas ruas de certas povoações do Norte peninsular ( Baira Alta e Trás-Os-Montes, em Portugal; e na Galiza e em Castela-Léon) e que servem para meter medo, fazendo de diabo à solta, Podem aparecer tanto no Carnaval como por alturas do Natal e fim de ano.
Os caretos fazem parte de uma tradição portuguesa muito, muito antiga, e os mais conhecidos são os de Podence e de Ousilhão (Trás-os-Montes), mas também os há noutras zonas, como em Lazarim, na Beira Alta.
Os homens de Podence, por exemplo, mascaram-se de caretos , uma espécie de criaturas de outro mundo, que fazem muito barulho e perseguem as raparigas solteiras. O caretos andam em grupos, com máscaras de couro ou de madeira, muito feias. Vestem velhas colchas de lã transformadas em fatos de cores fortes como o verde, azul, preto, vermelho e amarelo (tudo às riscas). Para chamar a atenção e fazer todo o barulho que lhes é característico, usam grandes chocalhos pendurados na cintura e guizos nos tornozelos. Uma das v´timas preferidas dos caretos são as meninas solteiras, mas também os donos das adegas que, quando apanhados, são obrigados a abrir as pipas para os caretos beberem vinho.




Os Caretos de Podence
(texto retirado da net)

Despedem o Inverno e saúdam a Primavera, os caretos do Carnaval são um ritual entre o pagão e o religioso, tão natural como a passagem do tempo e a renovação das estações. Em Podence, concelho de Macedo de cavaleiros, todos os anos é assim.. Chegado o Mês de Fevereiro, os homens envergam os trajes coloridos (elaborados com colchas franjadas de Lã ou de linho, em teares caseiros) escondem a cabeça entre duas máscaras de lata, prendem uma enfiada de chocalhos á cintura e bandoleiras de campainhas e dependem toda a energia do mundo para assinalar o calor e os dias maiores que se prestem a chegar. Normalmente, contam com os favores do Sol, magnânimo para quem louva o seu reino com tanto fervor. Religioso também pois assim se marca , com os últimos estertores da folia o início da Quaresma. Período de calma, reflexão e contenção do calendário religioso. A cansar no Carnaval para acalmar até á Páscoa.

Dizem fontes que a festa de Podence se imerge no domínio dos tempos até às antigas Saturnais romanas – celebração em honra de Saturno, Deus das sementeiras. Procura-se acalmar a ira dos Céus e garantir favores de uma boa colheita. Nesses tempos idos da agricultura de subsistência, a diferença entre a vida e a morte quase se cingia à dimensão da lavra. E a dupla máscara acentua a relação, ao lembrar uma das duas importantes divindades romanas: Jano Deus do passado e do futuro e também do presente, senhor dos portões e entrada, da guerra e da paz e dono de todos os princípios. O filho de Apolo, que um dia partilhou o trono com Saturno e conjuntamente civilizaram os habitantes de Itália, levando-os a tal prosperidade que ao reinado chamaram era de ouro, é geralmente representado com duas caras por ser do passado e do futuro, e principalmente, por ser símbolo do SOL , que aparece de manhã e se esconde á noite. Passados á parte , em Podence ainda hoje a agricultura é a principal actividade da população. Da terra se extrai cereais e castanhas, embora nos últimos anos , tenha aumentado a produção de azeite. A aldeia de Podence parece ter força suficiente para manter tradição e garantir a vida a estas figuras, recheados de homens endemoninhados, armados de chocalhos e rédea solta para as tropelias. Mesmos, explicam os mais velhos, o tempo tenha brandado a folganças e as moças da terra já não sintam tantas nódoas no corpo. Melhor que nada pois nos anos 70, esteve a tradição por perder-se , à conta dos últimos anos de ditadura e do fenómeno da emigração. Recuperada uma década mais tarde, quando alguma prosperidade respirar um pouco o interior, que abraçou também o regresso de alguns dos que tinham ido á aventura. Hoje serão quarenta dezenas os homens com fatos de Carreto e energia para invadir a praça na aldeia domingo e terça feira de Entrudo. E o futuro está garantido por há muitos Facanitos (crianças com fatos idênticos aos mais velhos) prontos a tomar o testemunho. Os outros aquelas que não podem evergar fatiota, abrem as adegas para dessedentar os folgazões. A imunidade conferida pela máscara, permite aos caretos mergulhar nos excessos. Sendo as mulheres solteiras as vítimas preferencias. Encostam-se a elas e ensaiam estranhas danças com conteúdo erótico, agitando a cintura e batendo com os chocalhos nas ancas das vítimas que, par bem do corpo acompanham a dança. Dança com o nome chocalhar. Entre o barulho festivo, a risota e o alarido lembram-se outros tempos em que as mulheres se escondiam em casa pois os foliões iam muito para além dos chocalhos, lançando cinza e dejectos e f ustigando as incautas compele de coelho seca ou bexiga de porco fumada. Para não falar no banho de formigas , broma pesada e cruel com espécimens selvagens recolhidos nos campos durante meses. Também as casas eram invadidas e panela ao lume era panela condenada a verter o conteúdo para mal da barriga dos infelizes. Ao careto mau diabo á solta pelas ruas de Podence, querem-no vivo em cada Fevereiro, mesmo que á conta disso não possam dormir descansadas as moçoilas da aldeia de Podence. Porém com a internacionalização dos últimos anos, tal parece impossível. Realmente desde as Jornadas de Cultural de Popular da Academia de Coimbra em 1985, importantes para o reavivar da tradição, até aos dias de hoje , os Caretos transmontanos percorrem um lento caminho que os levou de Norte a Sul do país, afigurar na Capa de Cd da Brigada de Victor Jara e até ultrapassar fronteiras para actuar na Disneyland Paris, Carnaval de Nice e Carnaval em Itália.

Adaptados ou não a tempos de mais brandos costumes o Carnaval de Podence mantém o clima fantástico de antes. Sedutores e misteriosos, os Caretos guardam a magia dos tempos em que as histórias junto á lareira franqueavam a entrada em mundos de sonho. A eles tudo se permite; o anonimato dá-lhes prerrogativas : dá-lhes poder. Por dois dias no ano os homens são crianças e quem mais brinca mais poder tem



O Carnaval no Nordeste (tradição e significado),
por António A. Pinelo Tiza

O Carnaval dos nossos dias, urbano ou rural, remonta, na sua origem, às antigas festas da Natureza, "de fundo agrário" (1), as Saturnais romanas e as Lupercais celebradas em honra de Pan, o deus dos rebanhos. A expressão popular "é Carnaval, ninguém leva a mal" encontra o seu fundamento nos rituais licenciosos próprios destas festividades, uma licenciosidade autorizada que, a par de outros rituais expurgatórios, constitui ainda hoje a sua principal característica. A destruição pelo fogo de figuras alusivas ao passado (tudo o que é velho), o julgamento e queima, em cerimónia pública, do Entrudo, do Velho e de outras figuras míticas, o castigo que os mascarados infligem às mulheres que se atrevem, nesse dia, a sair à rua, a serra da velha, as "chocalhadas", como rito regenerador e fecundante que os espalhafatosos caretos aplicam às mulheres e a crítica social expressa na publicação e encenação dos "casamentos" burlescos e ridicularizantes dos jovens "casadoiros" são rituais expurgatórios deste período de passagem que é o fim do Inverno e a entrada na Primavera. Rituais ainda vigentes, um pouco por todo o lado no Nordeste Transmontano.

Recuando no tempo, podemos encontrar as origens do Entrudo nas antigas festas Lupercais, celebradas na antiga Roma, em meados de Fevereiro, em honra do deus Pan, protector dos pastores e dos rebanhos. Como em qualquer festa digna desta nome, eram permitidos aos festejeiros todos os excessos, no uso e abuso da comida e da bebida e na fuga às normas e comportamentos socialmente instituídos, organizando-se, para tal, em sociedades secretas. As anomias eram praticadas e assumidas pelos próprios sacerdotes, constituindo verdadeiros rituais de apelo à fecundidade, no momento mais propício do ciclo da Natureza, a aproximação do seu rejuvenescimento, a entrada na Primavera. Era também o momento da purificação e expurgação das pessoas e das comunidades, o que se processava pelos rituais de crítica social institucionalizada e a sua divulgação na praça pública.

Apesar da "cristianização" que todas estas práticas festivas sofreram ao longo de dois milénios, podemos entender ser ainda hoje esse mesmo o sentido a dar aos rituais carnavalescos que se podem constatar em algumas localidades do Nordeste desenrolados no Domingo Gordo, Carnaval, Quarta-feira de Cinzas e mais adiante no tempo, a meio da Quaresma.

A crítica social

A crítica social institucionalizada acontece em dois momentos festivos do ciclo do Inverno: nas festas solsticiais do Natal, Ano Novo e Reis e no período de Carnaval. Esta última, que vamos referir, aparece sob a forma de "casamentos" que, apesar de ter sucumbido em muitas localidades, subsiste ainda em outras tantas terras de toda a região bragançana.

Em terras de Mogadouro, os "casamentos" são tornados públicos no próprio dia de Carnaval; "turrear" quer dizer publicar um casamanto, os noivos, os padrinhos, os dotes... Toda a crítica social está contida na forma como o cerimonial se desenrola; os anunciantes escolhem determinados pontos estratégicos para poderem ser claramente entendidos e aproveitam a escuridão da noite para não serem identificados; estão assim à vontade para explorar os pontos sensíveis das pessoas que desejam invectivar, achincalhando-as com a atribuição do respectivo noivo ou noiva, padrinho ou dotes que contraria as suas já conhecidas aspirações ou ridiculamente os contempla.

A público vêm também os "contratos de casamento" em Podence, no Domingo Gordo, ao cair da noite. Aqui os anunciantes assumem o papel de sacerdotes que, acompanhados de numerosa turba de acólitos, se colocam em pontos elevados da aldeia, os dois pilares dos portões do adro da igreja, para aí anunciarem os "casamentos" de todos os solteiros da terra. São estes os visados pela censura. A sua voz é amplificada pelos embudes (grandes funis usados para verter o vinho para as pipas) que, ao mesmo tempo, a distorcem para impedir a identidade dos proclamadores.

Esta acção satírica assume características de natureza social onde o "casamento" funciona mais como um pretexto para se poder dar livre curso à crítica do que como um fim a alcançar com a encenação, isto é, a aproximação dos proclamados noivos. Esta nunca se verifica pelo ridículo que o "casal" anunciado envolve. O importante é que se possa falar de tudo e de todos, num ambiente de permissiva licenciosidade, em que tudo é permitido e consentido. Estaremos perante um momento de escape e de purificação social que a comunidade conserva como absolutamente necessário à sua boa saúde social.

"Palhas, alhas leva-as o vento!
Oh, oh, oh...
Aqui se vai formar e ordenar um casamento.
Oh, oh, oh...
E quem é que nós havemos de casar?
Tu o dirás.
Há-de ser a Maria rita que mora no bairro do Castelo.
Oh, oh, oh...
E quem é que nós havemos de dar para marido?
Tu o dirás.
Há-de ser o João da Rua que mora lá em baixo no Porto.
Oh, oh, oh...
E que nós havemos de dar de dote a ela?
Tu o dirás.
Há-de ser uma máquina de costura
porque ela é uma boa costureira.
E que é que nós havemos de dar de dote a ele?
Tu o dirás.
Há-de ser uma terra ao Souto
para que não saia um de cima do outro
enquanto for Inverno.

Toda esta permissividade no dizer e na liberdade de tudo expressar surge naturalmente enquadrada no contexto geral das festas solsticiais, as antigas Bacanais e do Carnaval, as Saturnais, em que as anomias se estendem a todos os outros comportamentos individuais e sociais, desde os excessos de comida e bebida até às danças, rondas, galhofas e pandorcadas.
São momentos que podem ser considerados de escape ou de válvula em que publicamente tudo e a todos se pode dizer sem que qualquer sanção daí resulte e sem que os visados possam levar a mal tais palavras, gestos ou atitudes.

A função das máscaras

O mascarado que nesta região sai à rua nas festas solsticiais do Inverno e no período de Carnaval, assume hoje funções meramente profanas, bem distintas das que estão na origem do seu aparecimento. Sendo na Antiguidade um elemento de ligação entre os vivos e os mortos, entre o homem e a divindade, o mascarado parece hoje desempenhar, de forma inconsciente, as mesmas funções mas, aos olhos do povo, representa o diabo e conscientemente se assume como tal nos gesto e atitudes que toma.


Qualquer momento de passagem é crítico para a comunidade que o vive. O carnaval situa-se no momento de passagem do Inverno para a Primevara ou de um ano a outro (segundo o antigo calendário gregoriano o ano começava em Março). Logo, o Carnaval corresponde a um momento crítico para as sociedades agrárias. A presença do mascarado justifica-se assim e a sua acção relaciona-se com a preparação para essa passagem, através do desempenho das suas funções sagradas: purificação das comunidades, pela crítica social; o culto da Natureza, pelas suas atitudes licenciosas relacionadas com o apelo à fecundidade; o culto dos mortos e da divindade com a transformação de uma pessoa humana num ser com poderes que estão acima das normas sociais instituídas.


Por isso, o mascarado activo transforma-se num ser superior, gozando de uma força e liberdade sem paralelo; coloca-se acima de toda a lei humana e, como se se tratasse de um ente sagrado, mas possuído pelo diabo, se liberta de todos os entraves e dá largas às suas faculdades de destruir e de castigar, de troçar e de acariciar, de dançar e de gritar, a seu bel prazer.

Os mascarados de Podence enquadram-se nestas funções: expurgatórias por um lado, ao castigar os elementos da comunidade com as suas "chocalhadas" vioelntas e, por outro lado, propiciatórias, ao tomarem atitudes licenciosas para com as mulheres, outrora consideradas fecundantes, num apelo à fertilidade da Mãe-Natureza, no início do novo ciclo de vida.

O mesmo se poderá entender das funções dos "diabos" que, em Bragança e Vinhais, saem à rua, no dia seguinte ao Carnaval, a Quarta-feira de Cinzas. As atitudes castigadoras que tomam são relacionadas pelo Abade de Baçal "nas Festas Lupercais celebradas pelos sacerdotes de Pan a 15 de Fevereiro, que despidos, tapando apenas as partes genitais com uma tira de pele caprina, recentemente imolada e tinta de sangue, percorriam as ruas, batendo com um chicote em quantos encontravam, principalmente nas mulheres, que julgavam fecundar com estas pancadas" (2). O P. Firmino Martins parece comungar desta mesma tese e confirma as raízes pagãs destes rituais: "Que eram as agonales, as lupercales (...) essa infinidade de festas festas em honra dos deuses protectores dos campos, dos trabalhos, das sementes, dos frutos, intempéries, doenças, dos lares, dos actos de casamento, da guerra, da morte? o sacrifício de pessoas, animais e alimentos? " (3).

A reprodução da vida humana nas suas diferentes fases fundamentais, sobretudo os rituais de maior impacto social é outra das funções dos mascarados, tanto no Solstício do Inverno como no Carnaval. Iso mesmo pode ser observado nas representações teatrais da crítica social da festa dos rapazes de Varge, na encenação do julgamento do entrudo de Santulhão ou nas "cerimónias" dos casamentos de Podence. Em qualquer dos exemplos sugeridos toda a vida da comunidade rural é manifesta, tanto nos utensílios e adereços utilizados como nos significados das mensagens contidas nos rituais.

Notas
(1) Benjamim Pereira, Máscaras Portuguesas, Junta de Investigações do Ultramar, Lisboa, 1973, pp. 120.
(2) Francisco Manuel Alves, Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança, Tomo IX, pp. 301.
(3) Padre Firmino Martins, Folklore do Concelho de Vinhais, 2º vol., pp. 130