11.11.05

Jardins Comunitários


Desde há alguns anos florescem em algumas cidades os jardins «solidários», «familiares», «culturais», «pedagógicos» ou de «reinserção». Instalam-se ao longo das ruas, ao pé dos edifícios, no coração de bairros, nos enfiamentos ou nas franjas de certas ruas e aglomerações.
Tais realizações, com diversas escalas, são de iniciativa de residentes locais que formam associações para o efeito e que pretendem dar força às actuais tendências para a ecologia urbana assim como do desenvolvimento da democracia participativa ao nível dos bairros e quarteirões urbanos.
Este tipo de projectos resulta da má consciência ambiental que ocupa hoje o espaço mediático e que se explica pelo desfasamento entre as promessas a longo prazo próprias dos discursos políticos e a mais que constatada ausência de uma melhoria significativa das condições de vida das metrópoles ( barulho, poluição atmosférica, carácter anónimo da vida urbana,…). Quem participa na criação destes jardins pretende partilhar a ocupação física do solo e levar à prática as suas preocupações numa pequena parcela. Reivindicam com algum esforço cândido o uso de ancinhos e enxada, apesar dos dois séculos de urbanização e cimento que tivemos, e através de protocolos e acordos com duração limitada conseguem obter que terrenos públicos fiquem à sua disposição para serem tratados e ajardinados. Os detractores são muitas vezes os profissionais da política ou do urbanismo que não vêem com bons olhos os habitantes de uma cidade a tratarem a sua própria cidade. Ironizam mesmo sobre a sua incultura urbana, a sua ingenuidade ou o seu entusiasmo pelos legumes.
Todavia se prestarmos atenção a estes habitantes não é difícil encontrar o gosto e prazer que eles sentem pela realização desta actividade pública que resta inclassificável no âmbito institucional. Nos seus gestos vê-se menos o predomínio da palavra sobre o agir, mas sobretudo os encontros através da partilha de tarefas e actividades. Os trabalhos de limpeza e as práticas de jardinagem entre os interessados, muitos deles vizinhos de todas as idades permitem experimentar a todos o carácter mítico-poético dos trabalhos artesanais de outrora.
Na maior parte dos casos os terrenos são redescobertos após um período de abandono nas múltiplas dobras que a cidade não deixa de mostrar. O sentimento de abandono que impregna os terrenos abandonados à vegetação espontânea confere-lhes uma poética e pouco a pouco toda um novo estatuto.
Dentro da programação levada a cabo por várias associações as actividades estritamente hortícolas misturam-se quase sempre com projectos de outra natureza ( de carácter pedagógico, cultural, …) que se renovam ao longo das estações do ano. Assim, o jardim não é o fim em si mesmo mas um quadro onde aventuras culturais e sociais se podem desenvolver.
Encontramos mesmo, por vezes, animais como coelhos e galinhas cuja presença sonora em pleno meio urbano marcam a diferença e subentendem uma rede que os sustenta.
Em certos destes jardins familiares e de reinserção paira algum espírito comunal, semelhante ao que existia antigamente, durante o Ancien Regime, em que os habitantes detinham verdadeiros direitos adquiridos. ( eram terrenos que eram cultivados para garantir a autosuficiência alimentar tal como nos diz Nadine Vivier no seu livro « Propriété collective et identité communale, les liens communaux en France, 1750-1914).
Nas nossas sociedades sobrepovoadas a exclusão, a pobreza levaram muito longe a aridez orgânica dos solos entregues à lógica imobiliária. Donde o desejo das povoações em retomar as competências iniciais de apropriação por parte das comunidades e a sua reivindicação de uma base territorial que não esteja comprometida à lógica da especulação e ao aumento aberrante dos custos dos terrenos.
Estes jardins improvisados reforçam as práticas sociais baseadas nas relações de vizinhança e visam uma certa reterritorialização do ordenamento no sentido dado por Alberto Magnaghi quando fala de uma mundialização por baixo em reacção à globalização por cima.

(texto de Xavier Bonnaud, publicado na Revue de l’Urbanisme nº 343, Juillet-Aout 2005 com o título «Cultiver la conscience du lieu»)

Consultar:
www.jardinons.com
www.jardins-familiaux.fr
http://jardinons.com/cadrexp.htm

Law and Globalization from Below. Towards a Cosmopolitan Legality ( O Direito e a globalização vistas de baixo. Para uma legalidade cosmopolita)

Novo livro de Boaventura Sousa Santos


Acabou de ser editado o livro «Law and Globalization from Below. Towards a Cosmopolitan Legality» ( O Direito e a globalização vistas de baixo. Para uma legalidade cosmopolita), com organização de Boaventura de Sousa Santos e César A. Rodríguez-Garavito
Edição da Cambridge Studies in Law and Society (2005), Cambridge University Press

Índice

1. Law, politics, and the subaltern in counter-hegemonic globalization Boaventura de Sousa Santos and César A. Rodríguez-Garavito;


Part I. Law and the Construction of a global economy of solidarity:

2.Beyond neoliberal governance: the world social forum as subaltern cosmopolitan Politics and legality, Boaventura Sousa Santos

3.Nike's law: the anti-sweatshop movement, transnational corporations, and the struggle over international labor rights in the Americas, César A. Rodríguez-Garavito;

4.Corporate social responsibility: a case of hegemony and counter-hegemony, Ronen Shamir;

5.Campaigning for life: building a new transnational solidarity in the face of HIV/AIDS and TRIPS, Heinz Klug;

6.Negotiating informality within formality: land and housing in the Texas Colonias, Jane E. Larson;

7.Local contact points at global divides: labor rights and immigrant rights as sites for cosmopolitanism legality, Fran Ansley;

Part II. Transnational Social Movements and the Reconstruction of Human Rights:

8.Limits of law in counter-hegemonic globalization: the Indian Supreme Court and the Narmada Valley struggle, Balakrishnan Rajagopal;

9.The movement of the landless (MST) and modalities of legal change in Brazil, Peter P. Houtzager;

10.Indigenous rights, transnational activism, and legal mobilization: the struggle of the U'wa people in Colombia, César A. Rodríguez-Garavito and Luis Carlos Arenas;

11.Defensive and oppositional counter-hegemonic uses of international law: from the International Criminal Court to the common heritage of humankind, José Manuel Pureza


Part III. Law and Participatory Democracy: Between the Local and the Global:


12.Political and legal struggles over resources and democracy: experiences with gender budgeting in Tanzania, Mary Rusimbi and Marjorie Mbilinyi;

13.Two democracies, two legalities: participatory budgeting in Porto Alegre, Brazil, Boaventura Sousa Santos


14.Life, life world and life chances: vulnerability and survival in Indian constitutional law, Shiv Visvanathan and Chandrika Parmar;

15.Bottom-up environmental law and democracy in the risk society: Portuguese experiences in European context, João Arriscado Nunes e Susana Costa



Sem Justiça não há Paz ( a propósito dos motins nos subúrbios de Paris)


Os acontecimentos que tem agitado os subúrbios franceses desde há duas semanas são bem a expressão de uma revolta cujo aspecto político não se pode negar. Não se pode negar a existência de uma situação de contestação contra os representantes ou os símbolos de uma ordem social injusta, racista e opressora que considera os jovens dos bairros populares como «escumalha» que deve ser limpa senão mesmo vir a acabar de apodrecer na prisão. Neste contexto, incendiar uma viatura, um edifício público ou estabelecimentos comerciais é um acto político, sobre o qual podemos interrogarmo-nos sobre o seu fundamento, sobretudo se pensarmos que prejudicam mais as classes trabalhadoras do que a burguesia e aos verdadeiros responsáveis por esta situação, é mesmo assim o único meio de expressão de uma juventude a quem a sociedade não oferece nenhuma outra perspectiva que a marginalização, a frustração e a delinquência. Rejeitar as origens sociais desta violência é o primeiro passo que permite a concretização de políticas repressivas de criminalização da misérias dos subúrbios.

Ignora-se que são seres humanos que vivem nessas cidades dormitórios construídas à volta da grande cidade e para onde foram lançados os imigrados e os pobres. Todas essas cidades são um condensado de erros urbanísticos e de dificuldades para a vida das pessoas. Cidades em que não qualquer espaço de socialização. Cidades em que o desemprego e a miséria são o dia-a-dia dos adultos e o futuro das crianças. Não é necessário ser-se sociólogo ou bruxo para prever o que se iria passar. Quando se nega o indivíduo a este ponto é natural que ele se revolta. Quando os políticos se escandalizam pela falta de respeito pelas instituições republicanas demonstrada por esses jovens, parecem que estão a esquecer que a República não os ajuda há décadas.
Face às frustrações eleitorais e às provocações de Ministério do Interior com «sentido de diálogo» estes jovens marginalizados revoltaram-se espontaneamente. O que não impede o Ministério do Interior acreditar numa organização estruturada. Mas os verdadeiros responsáveis são aqueles que permitiram a construção daquelas urbanizações e os que deixaram degradar as condições de vida dessas populações não as apoiando a satisfazer as suas necessidades.
O policiamento dos bairros pelas forças anti-motim e pelas unidades de choque da polícia apoiadas pelos helicópteros, que voam toda a noite por cima dos edifícios, assim como a chamada de reservistas não são mais que um novo passo na militarização governamental que só contribuirá para atiçar ainda mais o fogo e a cólera. Milhares de interpelações e detenções, mais de 700 prisões preventivas por razões frágeis e provas inexistentes não resolvem de modo algum o mal estar social da juventude dos subúrbios.
A aplicação de medidas legais excepcionais como o recolher obrigatório na base das leis especiais do tempo da guerra da Argélia constitui uma verdadeira provocação para esta juventude em cólera, para além de ser um atentado às liberdades públicas.

Após a repressão sistemática dos movimentos sociais e sindicais ( intervenção do GIGN contra os trabalhadores dos correios em Bègles, inculpações maciças dos activistas anti-OGM, assalto helitransportado do GIGN e de comandos contra os trablhadores amotinados do ferry «Pascal Paoli») o Estado prepara-se para a guerra social contra os pobres e contra todos os resistentes a esta sociedade de classes. Fuga para diante do governo numa deriva fascisante inquietante deve mobilizar todos quantos compõem o movimento social e sindical a fim de organizar a defesa das nossas liberdades e das nossas conquistas sociais.

Sim, há razões para a revolta, ainda que queimar carros ( que pertencem a pessoas também pobres) e atacar quem quer que seja não faz mais que reforçar as marcas identitárias (sejam elas nacionalistas ou religiosas). A nossa revolta deve ter como objectivo os verdadeiros responsáveis da miséria e da precariedade: o capitalismo e o Estado. E a nossa revolta só ganhará sentido se nos organizarmos contra o capitalismo e os seus efeitos destrutivos, se nos organizarmos nos bairros contra os mandatários e a carestia dos alojamentos e lutarmos por verdadeiros serviços púbicos.
A Federação anarquista exige a retirada das forças repressivas, a abrogação das medidas de urgência e das leis de excepção, a cessação das perseguições judiciárias contra os jovens revoltados, a libertação de todas as pessoas detidas assim como a clarificação das mortesde Ziad Benna e Bouna Traoré. A Federação anarquista pretende testemunhar o seu apoio aos habitantes, às famílias assim como aos trabalhadores dos bairros que foram vítimas da violência social quer dos amotinados quer da polícia.
A denúncia deste governo fascisante, desprezível e arrogante só se pode fazer no terreno por via de uma relação de forças, livre de parasitas politiqueiros e burocratas, e por via de uma coordenação na base do federalismo libertário, da gestão e da democracia directa numa perspectiva revolucionária da sociedade como condição indispensável para a conquista da igualdade económica e social.

Quem semeia a miséria recolhe a cólera

Por uma sociedade igualitária e libertária
(tradução de um comunicado da FA)

Défice dos EUA atinge recorde de 66 biliões de dólares


O défice comercial dos Estados Unidos com o resto do mundo atingiu o valor recorde de 66,1 biliões em Setembro último, quando os preços do petróleo tiveram uma alta acentuada após a passagem do furacão Katrina.
As importações pelos Estados Unidos subiram 2,4% no mês, atingindo 171,3 biliões de dólares, enquanto as exportações do país caíram 2,6%, chegando a 105,2 biliões, segundo o Departamento de Comércio americano.
A divulgação do aumento do déficie americano coincidiu com a divulgação, pela China, de um saldo positivo recorde na sua balança comercial em Outubro, de 12 biliões de dólares.
Os números devem aumentar as tensões comerciais entre os Estados Unidos e a China.
Segundo o Departamento de Comércio, o défice dos Estados Unidos no seu comércio com a China chegou a 20,1 biliões em Setembro.