11.7.10

Tentando compreender o outro, na Palestina ( cinema na Casa Viva, dia 16/7 às 22h.)

Cinema Palestina - Tentando compreender o outro, na Palestina

Cinema Mudo, filme de João Sousa Cardoso (60')


Casa Viva
praça marquês pombal 167
porto

6ª feira, 16 julho, às 22h00

entrada livre


Cinema Mudo é o resultado de um trabalho de campo realizado por João Sousa Cardoso entre Maio e Junho de 2003, junto de uma pequena comunidade africana existente no bairro muçulmano da Velha Jerusalém, o African Quarter.

Diz o autor, que estará presente na CasaViva: "Pelo curto período de que dispunha para trabalhar no terreno e pela dificuldade das barreiras linguísticas, adoptei, desde o inicio, uma perspectiva materialista sobre este singular bairro afro-palestiniano. Procurei entender os conflitos de identidade através do espaço físico e das construções que a comunidade produz (uma arquitectura espontânea numa reduzidíssima área de terreno), desafiando os habitantes a filmarem aspectos exteriores do bairro e o interior das próprias casas; improvisando um conjunto de oficinas de expressão plástica com as crianças, onde lhes propunha que expusessem o seu ponto de vista sobre o espaço físico onde vivem; e organizando projecções e debates no lado muçulmano e no lado judaico da cidade, sobre o desenvolvimento do projecto. Mas também – e inevitavelmente – sobre a questão mais ampla do conflito israelo-palestiniano".

«Ida a caminhos» recupera a tradição de trabalho cooperativo e comunitário em Palaçoulo (Miranda do Douro)




A população de Palaçoulo, freguesia do concelho de Miranda do Douro, mobilizou-se este ano mais uma vez para um dia de trabalho comunitário.

Os habitantes da aldeia unem-se à volta de um objectivo comum, que é o da limpeza de arruamentos e caminhos agrícolas. Esta é uma iniciativa comunitária cujas raizes mergulham numa arreigada ancestralidade, consistindo numa acção com evidentes repercussões positivas para toda a comunidade.

Para Manuel Gonçalves, presidente da junta de freguesia de Palçoulo, “este é um dia importante para a população, pois é nesta altura que tem a oportunidade de arranjar os caminhos de acesso às propriedades agrícolas”.

O autarca referiu que esta tradição “ é o seguimento de uma prática antiga que era realizada por altura do Carnaval”.

A adesão da população de Palaçoulo é maciça, chegando a juntar-se mão de obra abundante e mais de 40 tratores na realização daquilo que Manuel Gionçalves designa como “um bem comunitário”.

Mas o dia de “Ida a Caminhos” é sobretudo de convívio e de confraternização entre todos os habitantes da aldeia nordestina.

A juventude também não fica indiferente a este dia de convívio comunitário, participando activamente num trabalho cívico que acaba por transformar-se num apreciado momento de festa e convivialidade entre todos os que nele participam

Fonte: AQUI

Acção cooperativa e solidária numa aldeia de Moimenta da Beira: faltam ao emprego para trabalhar pela aldeia

Faltam ao emprego para trabalhar pela aldeia
Populares reparam caminhos sem cobrar um cêntimo
(texto da jornalista Teresa Cardoso)

"Um por todos, todos por um", é a palavra de ordem em Sever, Moimenta da Beira, onde homens e máquinas estão a abrir e a reparar caminhos agrícolas, sem cobrar um cêntimo, em nome do bem comum. É o regresso às aldeias do trabalho em comunidade.

Chegam às oito da manhã, mangas arregaçadas para uma jornada que pode ir até ao sol posto, e passam horas a carregar, a espalhar e a calcar aterro em caminhos agrícolas onde mal passava um carro de bois. Não olham para o relógio. Apenas param, quando o dia vai a meio, para reconfortar o estômago por conta da Junta de Sever. No fim da jorna, a saudação é a única moeda de troca.

"O mínimo que podíamos fazer pela dezena e meia de homens que se juntaram neste desafio, era garantir-lhes o almoço. Até porque muitos deles faltaram ao trabalho para estarem aqui com os seus tractores. É um verdadeiro exemplo de cidadania", reconhece Marcelino Ramos Ferreira, presidente da autarquia.
Poupança de milhares de euros

A ideia de apelar à solidariedade dos cidadãos partiu do autarca de Sever e foi ditada pela escassez de recursos financeiros e pela urgência em criar condições nos acessos para o transporte da maçã.

"Reuni com o pessoal num sábado, e na segunda-feira seguinte já o grupo estava disponível", revela Marcelino Ferreira. Que voltou ontem, com todos os voluntários, para mais uma jornada de reparação e alargamento dos caminhos para os pomares. "Já temos transitáveis duas dezenas de quilómetros", regozija-se.
O autarca admite que se o serviço fosse pago, o investimento era incomportável para a junta.
"Contando que cada um dos 16 tractores custa 240 euros por dia, em dois, teríamos desembolsado cerca de oito mil euros. Sem contar as retroescavadoras da Junta e da Câmara e ainda a mão de obra", explica Marcelino Ferreira.

Outro factor de sucesso é a disponibilidade dos proprietários na cedência de terreno. "Sem essas faixas, não poderíamos, em alguns casos, avançar. Chegamos a deitar muros abaixo com o seu assentimento", enfatiza.

Os caminhos arranjados permitem que a fruta chegue sã às cooperativas. "Os atrelados podem transportar 14 palotes de maçã, cada um com 400 quilos, que se for entregue pisada sofre uma penalização de 10 a 15%", explica um dos homens que, como os demais, é produtor de maçã.
"Esta união de esforços fomenta o espírito de comunidade. O povo sabe que está a cuidar dos seus interesses e pode contar com os meios municipais", congratula-se José Eduardo, presidente da Câmara de Moimenta da Beira.

O elogio à preguiça pelo poeta brasileiro Juvenal Antunes



ELOGIO DA PREGUIÇA
(A mim mesmo)

Bendita sejas tu, Preguiça amada,
Que não consentes que eu me ocupe em nada!


Mas, queiras tu, Preguiça, ou tu não queiras,
Hei de dizer, em versos, quatro asneiras.

Não permuto por toda a humana ciência
Esta minha honestíssima indolência.

Lá está, na Bíblia, esta doutrina sã:
Não te importes com o dia de amanhã.

Para mim, já é um grande sacrifício
Ter de engolir o bolo alimentício.

Ó sábios, dai à luz um novo invento:
Para mim, já é um grande sacrifício

Todo trabalho humano em que se encerra?
Em, na paz, preparar a luta, a guerra!

Dos tratados, e leis, e ordenações,
Zomba a jurisprudência dos canhões!

Plantas a terra, lavrador? Trabalhas
Para atiçar o fogo das batalhas...

Cresce teu filho? É belo? É forte? É louro?
Mais uma rês votada ao matadouro!...

Pois, se assim é, se os homens são chacais,
Se preferem a guerra à doce paz,

Que arda, depressa, a colossal fogueira
E morra, assada, a humanidade inteira!

Não seria melhor que toda gente,
Em vez de trabalhar, fosse indolente?

Não seria melhor viver à sorte,
Se o fim de tudo é sempre o nada, a morte?

Queres riquezas, glórias e poder?...
Para quê, se, amanhã, tem de morrer?

Qual o mais feliz? – o mísero sendeiro,
Sob o chicote e as pragas do cocheiro,

Ou seus antepassados que, selvagens,
Viviam, livremente, nas pastagens?

Do trabalho por serem tão amigas,
Não sei se são felizes as formigas!

Talvez o sejam mais, vivendo em larvas,
As preguiçosas, pálidas cigarras!


Ó Laura, tu te queixas que eu, farsista,
Ontem faltei, à hora da entrevista,

E que, ingrato, volúvel e traidor,
Troquei o teu amor – por outro amor...

Ou que, receando a fúria marital,
Não quis pular o muro do quintal.

Que me não faças mais essa injustiça!...
Se ontem, não fui te ver – foi por preguiça.

Mas, Juvenal, estás a trabalhar!
Larga a caneta e vai dormir... sonhar...


Juvenal Anunes (1883-1941) é um personagem real que nasceu no Rio Grande do Norte, no Brasil, e viveu no Acre. Poeta, dono de um humor irónico e mordaz, ficou conhecido pela sua irreverência, anarquia e boémia. Pregava o amor livre e ridicularizava os valores da sociedade da época . Era hóspede e cliente constante do famoso Hotel Madrid.
Em 2007, foi inaugurada em Rio Branco uma estátua em sua homenagem à frente de uma galeria de arte com o seu nome, que funciona no prédio do antigo hotel e também abriga a sede da Fundação de Cultura Elias Mansour.

O poeta Juvenal Antunes é uma das personagens de uma série de televisão sobre o Acre, cujo título é “Amazônia – de Galvez a Chico Mendes”, de autoria da escritora acreana Glória Perez.

O poeta começou por publicar o livro "Cismas", além de vários poemas em jornais acreanos. Em 1922, publicou "Acreanas", o primeiro livro de poesia escrito no Acre. "Laura", a quem Juvenal Antunes escrevia poemas, era a sua musa, a mulher que parece ter sido sempre a "Desejada e nunca a Possuída"

http://galeriadeartejuvenalantunes.blogspot.com/

Fonte:



Ecoaldeias, de Jonathan Dawson - lançamento do livro em Lisboa (dia 14) e no Porto ( na Casa da Horta, dia 15)




Lançamento do Livro - ECOALDEIAS - Novas Fronteiras para a Sustentabilidade

14 julho 2010 às 18h em Lisboa
Local: Biblioteca-Museu República e Resistência LISBOA


15 de Julho às 21h30 no Porto
Local: Casa da Horta, Rua de S. Francisco, 12A; à Ribeira, Porto


As ecoaldeias, sejam no campo ou na cidade, são a grande promessa ecológica para o futuro. Novas Fronteiras para a Sustentabilidade é mesmo o subtítulo deste livro, Ecoaldeias, acabado de editar em tradução portuguesa pelas edições Sempre-Em-Pé

Em Lisboa o livro será apresentado, na quarta-feira 14 de Julho, às 18:00, na Biblioteca-Museu República e Resistência (metro Cidade Universitária), Rua Alberto de Sousa, n.º 10-A, Zona B do Rêgo, 1600-002 Lisboa (telef. 21 780 2760),
bib.republica@cm-lisboa.pt . Aqui, o livro será apresentado por Nelson Avelar (www.nelsonavelar.com), um dos nossos maiores conhecedores da problemática das ecoaldeias, e por Fátima Teixeira e Meike Müller, residentes na ecoaldeia de Tamera, no Alentejo, várias vezes referida ao longo do livro

No próximo dia 15 de julho, quinta-feira,às 21:30, no Porto, na Casa da Horta, na Rua de S. Francisco, 12A, junto à Igreja de S. Francisco e ao rio Douro, o livro será apresentado por Pedro Macedo e Pedro Jorge Pereira, ambos com experiência de vida em ecoaldeias, o primeiro na Escócia (Findhorn), o segundo na República Checa

O autor do livro Ecoaldeias é Jonathan Dawson, educador, consultor, autor de livros e gestor de projetos em matéria de sustentabilidade com base na ecoaldeia de Findhorn, na Escócia. Entre 2006 e 2009 presidiu a Rede Global de Ecoaldeias (GEN – Global Ecovillage Network). Trabalha atualmente para a Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial como conselheiro económico em programas de desenvolvimento de grupos de pequenas empresas na África Oriental.

Edição:
www.sempreempe.pt

A Gafanha, periódico anarquista de 1909 editado por Campos Lima


«A Gafanha, meus caros senhores, não é senão esta boa terra de mesquinharias e de toleimas, a fingir de nação da Europa e que nem ao menos por decoro anda de tanga. A Gafanha é a «piolheira», onde só é gente o sr. Burnay.»(...) «terra de cegos, onde não havendo ao menos quem tenha um olho para ser rei, por esse facto se pensa em fazer a republica.»

Campos Lima, in Editorial do nº 1 de A Gafanha, periódico anarquista de 1909


A Gafanha foi um periódico anarquista editado por Campos Lima em 1909, cujos dois primeiros números foram digitalizados pela Hemeroteca Digital de Lisboa, e que estão agora acessíveis na internet para consulta, acompanhados por uma ficha histórica assinada por Rita Pereira que abaixo transcrevemos com a devida vénia.

A Gafanha nº 1 - ver AQUI
A Gafanha nº 2 - ver AQUI



A Gafanha – Ficha histórica por Rita Pereira
(texto retirado do site da Hemeroteca Digital de Lisboa)

A GAFANHA
Terá surpreendido Lisboa num dia incerto do ano de 1909.
Provavelmente em Março, mas nada na publicação o assegura. Também não é fácil descortinar o ritmo de edição que prosseguiu (1). Mas para João Campos Lima (2), o dinamizador e a “alma” deste periódico de orientação libertária, essas não eram questões relevantes. O seu propósito era sim divulgar os princípios doutrinários que perfilhava, ainda que os soubesse de improvável, senão mesmo impossível, aplicação no presente e até num futuro próximo.

De facto, Campos Lima parece consciente de que o caminho a percorrer até à sociedade livre e igualitária que idealiza será longo, na medida em que pressupunha uma «transformação psycologica» geral, sobretudo do povo trabalhador. Mas isso não o desalenta. Quanto muito explica a ironia, por vezes sombreada de amargor, que dá cor à publicação. A começar no título, que se vestiu com um vocábulo que evoca os locais ermos para onde eram enviados os que padeciam de uma enfermidade de natureza epidémica, como a lepra ou a sarna, designadas “gafa”. Campos Lima justifica assim a sua escolha: «A Gafanha, meus caros senhores, não é senão esta boa terra de mesquinharias e de toleimas, a fingir de nação da Europa e que nem ao menos por decoro anda de tanga. A Gafanha é a «piolheira», onde só é gente o sr. Burnay.» E é muito mais, mormente uma «terra de cegos, onde não havendo ao menos quem tenha um olho para ser rei, por esse facto se pensa em fazer a republica.» (3) Por aqui se percebe o seu distanciamento em relação aos dois regimes políticos: Monarquia ou República – pouco diferença lhes reconhecia, já que resultariam, inevitavelmente, em sociedades organizadas em função da propriedade e, consequentemente, não solidárias e não livres.

Esta perspectiva está presente na publicação desde os primeiros números e, provavelmente, manteve-se até ao seu terminus. Mas não o podemos garantir taxativamente, porque desconhecemos quando isso se verificou. Na investigação realizada, encontrámos apenas 8 números4, todos publicados em 1909. A este propósito importa sublinhar a raridade deste tipo de periódico, facto que encontra explicação quer na sua reduzida tiragem, quer na feroz perseguição a que foram sujeitos. Recorde-se a lei de 13 de Fevereiro de 1896, à data vigente, que estabelecia o processo sumário e as penas aplicáveis a quem, por qualquer meio, defendesse ou incitasse «actos subversivos», particularizando e agravando os casos animados pelas «doutrinas de anarchismo». A imprensa, por exemplo, era proibida de «occupar-se de factos ou de attentados de anarchismo», incluindo na sua fase investigatória ou processual. Em caso de infracção, a edição em causa sujeitava-se a ser apreendida, prevendo-se também a suspensão do periódico e a responsabilização criminal do autor do artigo, do editor do título e da própria tipografia onde era impresso. Neste quadro legal, não é pois de estranhar nem o curto tempo de vida destas publicações, nem o seu fim abrupto. Mas dele se depreende também o dinamismo que os movimentos libertários conheceram na época e o interesse que suscitaram, quer entre a intelectualidade, quer entre a população trabalhadora, sobretudo, o operariado, que principiava a organizar-se, a tomar consciência da sua força e a exigir a resolução da “questão social”.

Na sua acção de propaganda doutrinal n’ A Gafanha, Campos Lima parte, quase sempre, do concreto, isto é, de acontecimentos, factos políticos, sociais e até alguns fait divers. Comenta-os com tiradas jocosas, reveladoras da sua moral libertadora, mas não cultiva um discurso mobilizador, nem incita os leitores à acção, à luta. Na maior parte do tempo, Campos Lima coloca-se no papel do observador distante, atingido pela displicência: não poupa o exausto regime monárquico, mas a promessa da República não lhe inspira palavras mais generosas. As considerações que tece a respeito de uma possível união ibérica, firmada sobre o casamento de D. Manuel com uma filha de Afonso III, fica como amostra do tom corrosivamente descrente que impregna A Gafanha:
«Não convém ao concerto das nações, como se diz nas sebentas do perfumado Villela, o apparecimento d’uma nova potencia. E é assim provável que a união iberica não passe de um sonho… de reis encravados. Mas não se desconsole o sr. D. Manuel, se acaso perder o throno, fácil lhe será conseguir que o sr. dr. Bernardino Machado5 divida com Vossa Magestade, ás semanas, a presidência da republica.» (6)

Num registo de maior seriedade, destaca-se o plano para a reconstrução da vila de Benavente, destruída por acção do terramoto de 23 de Abril. Campos Lima dedica-lhe o n.º 5 d’ A Gafanha, idealizando a «communa de Benevente», com «casas pequenas, arejadas, elegantes»; possuindo uma «Escola completa», em vez de igreja; onde a actividade produtiva (rural e industrial) se desenvolveria em «officinas de produção», que canalizariam os seus produtos para «grandes depósitos» de consumo. Consciente do carácter utópico do seu plano, mormente por razões de ordem legal, Campos Lima defende uma solução de compromisso, um estádio preparatório, sob a égide do município, que entende como «uma espécie de socialismo: «Se é subversiva a doutrina da apropriação commum directa de tudo pela população, podia pelo menos fazer-se a municipalização, que é uma forma de apropriação commum por delegação». Embora possível e desejável, Campos Lima acabará por reconhecer que nada se fará porque «Se o terramoto abriu as casas e abalou as fortunas, não produziu uma radical transformação nas consciências.»

Merecem também o nosso sublinhado dois textos que reflectem sobre o fenómeno da comunicação social. Um, trata da “moda” recente de os conferencistas se fazerem pagar pelas suas dissertações, questionando as suas verdadeiras motivações. Campos Lima não tem peias em considerar que se trata de um comércio de ideias, onde impera a vacuidade e o artificialismo.
Assim, conclui, «essas conferencias não passarám de esquisitices de salão e os prelectores terám de substituir bem depressa o tom sentencioso e didáctico pelo gesto galante ou o esgar grotesco para gáudio do sr. espectador, que pagou o seu bilhete.» (8)

O outro é uma interessante caracterização da «opinião pública», em 1909 (sublinha-se): «quasi sempre irreflectida», «não passa da imagem rápida d’ uma noção transmittida por impressões momentâneas»; «Na estreiteza dos seus raciocínios, a opinião publica exige muito pouco para se pronunciar»; «Resulta assim injusta as mais das vezes, baralhando a verdade com a mentira, e infamando com suspeitas vis os que não teem outra maneira de se defenderem d’ella do que a de a chamarem á rasão das coisas; Que nunca a opinião publica, uma vez aferrada a uma ideia, se resigna a abandona-la, na teimosia perversa da sua inconciência.»(9)

A Gafanha era composta por 16 páginas, além da capa em papel de cor. O seu preço avulso era de 30 réis. Não incluía imagens, nem tão-pouco títulos: os textos são separados por datas (dia e mês), conferindo à publicação um aspecto intimista, próximo do diário ou das memórias. Graficamente e até no registo discursivo, ora irreverente, ora irónico, descobre-se umasemelhança com Os Gatos, de Fialho d’Almeida. Aliás, logo no primeiro número, no texto de apresentação d’ A Gafanha, Campos Lima evoca as penas cáusticas de Fialho d’ Almeida e de Ramalho Ortigão, lamentando o seu silêncio e sugerindo mesmo a sua corrupção: «Quando Ramalho morreu e quando morreu o Fialho, e sobretudo quando lhes vi o enterro, através da cidade, com os archeiros da casa real á frente, ladeado pela municipal, chorados ambos pela rainha, cantados em doiradas estrophes pelo poeta João Saraiva e elogiados do Brazil em artigos pomposos tarjados [sic] de negro, o que eu chorei não foram aquellas duas carcaças, já inúteis a caminho do monturo, mas o que depois d’essas paginas febris, d’um altíssimo e profundo sentimento, repassadas do espírito da nossa raça, não mais tornará a ser escrito.»(10)

Um dos interesses maiores d’ A Gafanha está, provavelmente, na oferta do testemunho de um libertário ortodoxo, num período marcado pela concertação de diferentes forças e sensibilidades políticas e ideológicas com o fim de derrubar a monarquia.



1 A partir dos assuntos que chama às páginas da publicação é possível deduzir uma periodicidade quinzenal, mas nem sempre cumprida com rigor.
2 Ver nótula biográfica no final.
3 Cf. [«Em que se dizem duas palavras de prologo»]. A Gafanha. Lisboa: Campos Lima. N.º 1,
1909, p. 3-6.
4 Na Hemeroteca Municipal de Lisboa existem apenas os dois primeiros números. Os restantes(3, 5, 6 e 8) foram consultados na Biblioteca Nacional de Portugal

5 Bernardino Machado é o principal alvo da veia satírica de Campos de Lima n’ A Gafanha. A sua eloquência atingirá os píncaros na apreciação que faz ao polémico quadro «”Sonho” –Venie ad me», de António Baeta Neves (1909), onde o presidente do Partido Republicano éretratado a cumprimentar Cristo. Terá sido encomendado por Francisco Grandella e esteveexposto numa montra dos seus célebres Armazéns. A imagem foi publicada em formato postale distribuída através da imprensa. Cf. [«Pede-se a intervenção do Dr. Bernardino Machadopara um caso urgente»]. A Gafanha. Lisboa: Campos Lima. N.º 8, 1909, p. 8-13.
6 Cf. [«Alvitra-se uma solução a um futuro rei desthronado»]. A Gafanha. Lisboa: Campos Lima.N.º 1, 1909, p. 7.
7 [«A destruição da villa de Benavente»]. A Gafanha. Lisboa: Campos Lima. N.º 5, 1909.
8 [«Conferentes por importação»]. A Gafanha. Lisboa: Campos Lima. N.º 2, 1909, p. 3-5.
9 [«A opinião publica»]. A Gafanha. Lisboa: Campos Lima. N.º 8, 1909, p. 3-8.
10 Fialho d’Almeida morrerá em 1911 (Cuba), e Ramalho Ortigão em 1915 (Lisboa).



NÓTULA BIOGRÁFICA
João Evangelista Campos Lima (1887?, Porto–1957, Lisboa) foi um dos mais entusiastas defensores das doutrinas libertárias em Portugal. Formou-se em Direito na Universidade de Coimbra, tendo participado activamente na célebre greve académica de 1907, do que resultou a sua expulsão. Acabou por ser indultado e concluiu o curso nesse ano. Por essa altura, era já um colaborador regular da imprensa de orientação libertária e um orador reconhecido. Também foi proprietário e director de algumas publicações periódicas e da editora Spartacus, além de ter publicado alguns estudos sobre a história movimento operário e libertário em Portugal. Também fez tradução
.



Obra
Publicações periódicas que fundou ou onde colaborou: O gigante (Braga, 1897, lit.); Ideal e Verdade (Braga, 1898; prop./dir.); Vanguarda (Lisboa, 1899-1911; libertário); O Mundo (Lisboa, 1900); Ave Azul (Viseu, 1900; literária); Bohémios (Porto, 1900); Mocidade (Lisboa, 1901); Revista Livre (Coimbra, 1902; anarquista; dir.), A Verdade (Coimbra, 1903; libertário; prop./dir.) Arte e Vida (Coimbra, 1904-6); A Vida (Porto, 1905; anarquista); País (1905-1921); Era Nova (Coimbra; 1906; prop./dir.); Nova Silva (Porto, 1907); O Protesto (Lisboa, 1908; anarquista); A Greve (Lisboa, 1908; sindicalista); A Boa Nova (Lisboa, 1908; prop./dir.); O Povo (1911-16); Terra Livre (Lisboa, 1913); Portugal (1917- 20); O Século; Pátria (1920); Imprensa de Lisboa (Lisboa; 1921; dir.); Diário de Notícias; Amanhã (Lisboa, 1922; libertário; dir.); Imprensa Livre (Lisboa; 1925; sindicalista; prop./dir); A Notícia (1928); Cultura (1929-31; prop./dir.); Diário da Noite (Lisboa, 1932-33); Gleba (1934-35); A Batalha (Lisboa, 1919-26; sindicalista); Civilização (Porto, 1928-37); Vida Contemporânea (Coimbra, 1934-36); O Diabo (1939; dir.).



Monografias: A monja. Braga: Minerva, 1898; Notas de um Hallucinado: prosas intimas. Braga: [s.n.], 1899; Nova Crença. Coimbra: Liv. Portugueza, 1901; Os meus dez dias em Paris. Coimbra: Typ. Democrática, 1906; A questão da Universidade: depoimento d'um estudante expulso. Lisboa: Liv. Clássica, 1907; O Rei.Lisboa: Liv. Gomes de Carvalho, 1908; O Regicida. Lisboa: Liv. Gomes de Carvalho, 1909; O Estado e a evolução do direito. Lisboa: Liv. Ailland e Bertrand; Rio de Janeiro: Liv. Francisco Alves, 1914; O carácter jurídico da operação do recrutamento dos funcionários públicos. Lisboa: Liv. Ailland e Bertrand, 1914; O reino da Traulitânia: 25 dias de reacção monárquica no Porto. Porto: Renascença Portuguesa, 1919; O Amor e a Vida. Lisboa: Spartacus, 1924; A quebra. Lisboa: Spartacus, [s.d.]; A Ceia dos pobres: contraste à ceia dos cardeais. Lisboa: Spartacus, 1925; A revolução em Portugal. Lisboa: Spartacus, 1925; A teoria libertária ou o anarquismo. Lisboa: Spartacus, 1926; Gente devota: via dolorosa. Lisboa: Spartacus, 1927; O romance do amor: esboço de uma nova moral sexual. Lisboa: Spartacus, 1931; Movimento operário em Portugal. Porto: Afrontamento, 1972.


Bibliografia:
Grande enciclopédia portuguesa brasileira. Lisboa-Rio de Janeiro: Editorial Enciclopédia, Lda., 1978.
LIMA, Campos - O Movimento Operário em Portugal. Porto: Afrontamento, 1972.
PEREIRA, José Pacheco – “Bibliografia sobre o movimento operário português desde a origem até 25 de Abril de 1974 (livros e artigos publicados de 1974 a 1980)”. Análise Social, 1981, vol. XVII (67-68).
PIRES, Daniel - Dicionário da Imprensa Periódica Literária Portuguesa do Século XX. Lisboa: Grifo, 1996.
SÁ, Victor de - Roteiro da Imprensa Operária e Sindical 1836-1986. Lisboa: Caminho, 1991. ISBN 972-21-0541-8.