9.3.06

Música anti-militarista: o Requiem de Guerra (War Requiem) de Benjamin Britten



O «Requiem de Guerra» (War Requiem), de Benjamin Britten, é uma peça maior da música erudita, e por muitos considerada a maior obra coral do séc. XX


Em plena Guerra Fria entre o bloco capitalista liderado pelos Estados Unidos ( acolitado entre outros países pelo Reino Unido) e o bloco soviético da URSS, o compositor britânico Benjamin Britten (n. Lowestoft;1913; m. Aldeburgh, 1976) elevou a sua música contra a guerra, o militarismo e a corrida armamentista, num acto que, no seu país, foi encarado como um autêntico crime de lesa-majestade, contrário aos interesses do Estado inglês.
A peça pretende ser também um aviso para as futuras gerações acerca da insensatez do militarismo, do serviço militar, e da guerra.
A estreia mundial do seu Requiem de Guerra, opus 66 (War Requiem) deu-se em Maio de 1962 na cerimónia de reabertura da nova catedral de Coventry, após um longo período de reconstrução por ter sido parcialmente destruída pelos bombardeamentos alemãs durante a Segunda Guerra Mundial, e deixou positivamente estupefacto o auditório, tal foi o entusiasmo que se apossou de todos os presentes.
Aquela que é considerada, muito provavelmente, como a mais importante obra coral do século XX, constitui também um autêntico credo anti-guerra e um hino pacifista., uma música para a paz, a convivência e a diversidade cultural, quer nos tempos em que foi composta ( durante a guerra fria ), quer nos tempos que correm, em que os tambores de guerra não param de rufar, sob a direcção de figuras sinistras como as que estão à frente da Administração Bush & Blair.

Britten foi ao longo de toda a sua vida um dedicado militante da paz, defensor dos direitos humanos, tendo-se recusado em envolver-se em quaisquer actos belicistas praticados pelo Estado inglês e pela Grã-Bretanha, seu país natal, invocando sempre a objecção de consciência, nomeadamente contra o serviço militar. Preocupava-se com a perseguição aos marginais, a crueldade, a violência, e a inocência perdida, de que são bons exemplos as suas óperas Billy Budd, The Turn of the Screw, e Owen Wingrave, para além do War Requiem). Mostrou ainda, desde sempre, interesse pela actividade musical dos amadores e das crianças.
É considerado igualmente o mais importante compositor britânico do século XX, sendo as suas óperas e ciclos de canções objecto de admiração e reconhecimento internacionais. Nunca rompeu com os princípios da tonalidade, mas ninguém lhe nega o estatuto de um verdadeiro compositor moderno. Os seus brilhantes dotes como pianista e maestro, a que não é estranha a natureza virtuosística da sua criatividade, levou-o a compor músicas para grandes intérpretes como o violoncelista Rostropovich, os cantores Vishnevskaia, Fisher-Dieskau e Janet Baker. Mas a a maior influência musical foi a que resultou da sua profunda relação com o tenor Peter Pears, para o qual compôs muitos papéis operáticos e vocais.
Aos 14 anos teria já composto dez
sonatas em piano e seis quartetos de cordas, não excluindo um oratório e um poema orquestral intitulado Chaos and Cosmos (o Caos e o Cosmos).
As suas primeiras obras foram Sinfonietta, A boy was Born, e o seu ciclo de canções com orquestra Our Hunting Fathers.
Seguiu em 1939 com o seu amigo, o poeta W.H. Auden ( que tinha participado na Guerra civil espanhola como voluntário ao lado dos anti-fascistas), para os Estados Unidos, onde viveu até 1942, período durante o qual Britten compõe Paul Bunyan, a sua primeira
ópera, com texto de Auden, bem como várias músicas para Pears. Este período foi particularmente notável para o seu trabalho com orquestra, incluindo The Illuminations («As Iluminações»), destinadas a Sophie Wyss, em Londres, sobre originais franceses de Arthur Rimbaud, e os Seven Sonnets of Michelangelo («Sete Sonetos de Miguel Ângelo»), Variations on a Theme of Frank Bridge (para orquestra de cordas) e Sinfonia da Requiem (para orquestra completa),
No seu regresso à Inglaterra, Britten foi viver para um velho moinho de Snape, e fixou-se depois em Aldeburgh, Suffolk. A sua ópera Peter Grimes foi encenada a 7 de Junho de 1945, um dia importante para a música inglesa, comparável à estreia das Enigma Variations de Elgar em Junho de 1899.
O seu interesse pela ópera de câmara levou-o a fundar o EOG ( English Music Theatre) em 1947, e o seu desejo por um festival ligado a uma vila inglesa e ao trabalho de amadores esteve na origem na criação do Festival de Aldeburgh, a partir de 1948. A sua actividade prolífera de obras de todos os tipos não o impedia de tomar parte activa na sua interpretação como maestro ou pianista.. Depois de uma grave operação ao coração em 1973 as suas actividades reduziram-se muito.
No cinema, Britten compôs algumas bandas sonoras, mas merece um especial destaque para o War Requiem, filme dirigido em 1989 por Derek Jarman, que tem justamente como tema central a própria obra de Britten e constitui uma autêntica acusação contra o crime por excelência que é a guerra.

Na War Reqiem, Benjamin Britten utilizou poemas do capitão Wilfred Owen, morto aos 25 anos no final da I Guerra Mundial, intercalados, num estremecedor contraponto poético,com o texto latino da Missa dos Defuntos. Toda essa combinação de textos e línguas (inglês e latim), a tensão musical e o sentido cénico, revelam bem a imensa imaginação de um dos grandes compositores da história.
O Requiem de Guerra desdobra-se em 3 planos. No primeiro, dois soldados, um inglês e um alemão – pelas vozes do tenor Peter Pears, companheiro e principal destinatário da obra lírica britteniana, e do barítono Dietrich Fischer-Dieskau, na primeira apresentação da obra – acompanhados por um conjunto de câmara, recitam poemas de Owen. No segundo plano situam-se os cantantes da missa oficial, com a sopano solista, a massa coral e a grande orquestra sinfónica que representam a expressão ritual, a súplica e o rogo de toda a humanidade.Finalmente, num terceiro plano, ao fundo do cenário, estão as crianças, com acompanhamento de órgão, como um coro situado num limbo que simboliza a pureza.
Brittem explora com mestria o espaço acústico e as possibilidades sonoras, continuando em muitos aspectos o espírito de Gustav Mahler e a sua mastodôntica Sinfonia nº 8. renova e vivifica a tradição coral inglesa graças a notável domínio da escrita vocal..Na estreia de War Requiem entregou a direcção orquestral a Meredith Davies, ainda que não tivesse possível reunir para a ocasião os intérpretes sonhados por Britten, a saber, Vishnevskaya, Pears e Fischer - coisa que só aconteceu alguns meses depois, em Janeiro de 1963, no Kingsway Hall de Londres, sob a direcção directa do próprio Britten, acompanhado com uma massa coral impressionante, integrada pelo coro da orquestra, pelo Bach Choir, pelos Melos Ensemble e pelo organista Simon Preston, e que foi registada e editada pela Decca